quarta-feira, 20 de novembro de 2013

O Eu, o Outro e a terceirização existencial





Há uma onda sintomática na sociedade e parece se enveredar pela "vitimização", ou a "terceirização de responsabilidades individuais". Muito se reclama do Estado de sua ineficiência histórica, fato realmente verdadeiro, mas este mote é repaginado para todos os fatores, inclusive os pessoais. Estaríamos vivendo a era da “terceirização” da existência?

Como fazer os indivíduos serem sujeitos de suas próprias histórias e não reféns de externalidades ou do Outro? Afinal, quem quer ser protagonista de seu próprio enredo? Observado casos estritamente passionais, os indivíduos se atolam em relacionamentos patológicos e não assumem suas devidas responsabilidades. Muitos colocam o termo "machismo" em todos os casos que deveriam ser estritamente são do departamento de polícia ou mesmo qualquer situação do cotidiano, por mais simples que possa acontecer. A situação é tão neurótica e, uma boa parte destes movimentos histéricos lesbo-feministas contribuem para uma catarse da sublimação do desejo, onde um simples esbarrão em uma mulher já seria motivo dela lançar seu repressor olhar para o indivíduo como se ele fosse seu potencial estuprador (Até eu já virei já uma "vítima" destes olhares inquisidores em pleno tumulto avassalador do final de tarde no metro em região central de São Paulo, cujo metro quadrado corpóreo é exíguo e o oxigênio é escasso).

Quando a cidadania é substituída pelos "direitos do consumidor", a lógica dos direitos humanos passa pelo viés dos direitos de reclamar pontualmente das mercadorias. Neste ínterim, as relações pessoas se tornam também objetivamente mercantis. A judicialização da vida se torna um mecanismo balizador dos direitos, ou seja, para reconhecer a dignidade humana de alguém, tem que recorrer a um tribunal, contratar um advogado e esperar a sentença de um togado. Nós viciamos nesta lógica simplista e perversa com tutela estatal e tribunal de pequenas ou grandes causas.

O neoliberalismo quando transpõem sua perversa lógica econômica, contamina a política e seduz a esfera social. Portanto, todas as relações, desde a mera amizade até a sexual, criam uma lógica de distanciamento do outro, terceirizando experiências, sensações e sublimando responsabilidades. Assim é fácil, cada um faz suas presepadas e culpa o outro (um elemento ou a toda a sociedade) por sua baixa maturidade existencial e suas escolhas infelizes.

Naturalmente, não se deve buscar culpados ou caçar bruxas imaginárias e, por sua vez, não seria prudente culpar os indivíduos por suas escolhas (isto seria uma bobagem inquisitória e inútil!). Devemos é repensar o conceito de convívio humano, entender o quanto premissas dos elementos coletivos se reproduzem no indivíduo e, por sua vez, quanto o indivíduo poderá contribuir para transformar aridez em polimento.

Na lógica de mercado, a terceirização se tornou um sinônimo de eficiência e rapidez de processos, todavia é uma experiência que o conjunto não tem conhecimento das partes, ou seja, são peças desarticuladas e que são apenas anexadas para um dado interesse. Eis o perigo de transportar estes processos para a vida cotidiana, os laços sociais e afetivos. Quando o processo não está de acordo com o desejo esperado (elemento mutável e subjetivo), troca-se, muda-se e contrata outro processo já terceirizado. Tendo em vista tais premissas, do ponto de vista do imaginário coletivo, na aceleração econômica brasileira, a avidez de monetizar direitos sociais em economias voláteis, solaparam as possibilidades mais reais de construção da cidadania como um valor social fundamental. Neste contexto, a materialização da sociedade, com seu “boom” de consumo se tornou mais importante do que valorizar questões básicas de infraestrutura social, como saúde, educação, moradia, transporte, saneamento básico e segurança pública. A avidez pelo atendimento ao desejo mais latente ocultou as necessidades reais de uma nação com forte demanda reprimida de cidadania.

Ao materializar o desejo social, capacitando as classes menos favorecidas com um mínimo poder de comprar, o Estado se distancia do processo de promoção da cidadania e terceiriza as possibilidades de quaisquer reclamações para reduzi-las para o âmbito policial ou jurídico. Vale a premissa da carnavalização da barbárie: “moramos na favela, subempregados ou escravos pontuais do tráfico de drogas, mas vamos assistir ao jogo da Copa do Mundo em TV digital “a gato” de 50 polegadas”! Para as demais demanda, tudo é uma promessa para os próximos anos.

A “responsabilidade do consumidor”, diz a regra dos direitos materiais, é reclamar se o produto não estiver de acordo com as especificações fornecidas. Ao produtor, cabe vender o máximo possível e para qualquer eventualidade tem sua equipe de advogados e seguro contra externalidades desta natureza. A troca é mercantil, entre consumidor-fornecedor, não há nenhuma valorização da conduta ética com o ser humano, tão somente negócios e trocas imediatistas de satisfação material.

Com a aceleração dos padrões materiais, aceleraram-se também as relações humanas, tornando-as mais próximas e distantes, simultaneamente. As relações pessoais se materializaram com os mesmos níveis das trocas mercantis, do desrespeito à dignidade humana e apenas a satisfação imediata do desejo latente. Para qualquer problema, é usar a cartilha dos direitos dos consumidores, reclamar pelo excesso de auto-consumo e encontrar um responsável pela infelicidade imediata.

Não é difícil de entender a onda conservadora, narcísea e autoritária que vem se avolumando sorrateiramente em algumas sociedades ocidentais (sobretudo em profunda crise econômica, se encontra a Europa e, claro, há respingos no Brasil, com outros contextos e suas variantes canibalizadas). Aliás, culpar o Outro é sempre o mais fácil (para isto que foi inventado Deus e o Diabo, e a transferência de responsabilidade pessoal). Enquanto as premissas fetichistas do consumo e do descarte enfileirarem as demandas de uma sociedade brutalmente desigual economicamente, cinicamente intolerante entre seus próprios cidadãos e sem observarem suas próprias responsabilidades neste processo, a cidadania e seus valores fundantes da dignidade humana continuaram apenas a ser uma promessa.

Com soluções prometidas e terceirizadas para um futuro improvável e onde uma horda de milagreiros de plantão ofertará aos bestializados o caminho para o desejado Éden terreno. Mais uma vez, continuando a lógica comentada, o Outro é tanto o culpado como também um guia do destino do próprio “Eu” (uma espécie de casamento da frustração do encanto com a sinergia reconfortante da histeria). Assim, neste deslocamento para o vazio, prosseguiremos uma encruzilhada perigosa e a história já cansou de mostrar como é o final deste enredo.

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