Para variar, como já se tornou rotina das “reportagens jornalísticas” que
grassam pelo país em tempos de redes sociais, a matéria do GGN Notícias, “População de rua precisa ser incluída no censo do
IBGE”, é um exemplo prático de como fazer ativismo ideológico reacionário
travestido de jornalismo com preocupações progressistas — induzindo o leitor ao
erro, à distorção da realidade e fomentando a projeção do ódio racial na
sociedade.
Se a reportagem trata, em seu tema central, da
necessidade de o IBGE mapear e contabilizar a população em situação de rua no
Brasil, como é possível que a mesma reportagem afirme, de antemão, que essa
população é "majoritariamente negra"?
Dessa forma, sem apresentar qualquer dado que
comprove tal afirmação, a reportagem segue induzindo e seduzindo o leitor ao
equívoco, ao enfatizar que o problema da população de rua se sintetiza na famigerada
"questão racial" — inviabilizando qualquer reflexão mais profunda
sobre a complexidade dessa população específica que, apesar do preconceito
latente, vai muito além do simplório estereótipo racial.
Ora, se fosse verdade, a priori, que a
população de rua é fruto de uma suposta moral preconceituosa da sociedade
brasileira, qual seria, então, a razão de o IBGE desejar realizar tal pesquisa?
Logo, se a bola de cristal do redator da matéria fosse levada a sério, a
própria reportagem sequer existiria, já que o perfil demográfico da população
de rua já seria conhecido — o que tornaria a pesquisa do IBGE redundante ou
desnecessária.
Em tempos de ideologia neoliberal, tornou-se
tão leviano quanto corriqueiro o apelo racial para justificar as brutais
desigualdades sociais de forma tão acachapante e definitiva. A questão da
estrutura de exploração e massacre dos trabalhadores brasileiros é ocultada e,
num passe de mágica, tudo é reduzido ao apelo moral do "racismo".
O apelo generalista e desonesto, recorrendo ao
uso da inquestionável questão escravocrata brasileira como justificativa
totalizante, é outra falácia argumentativa usual pós-moderna. É equivocado e
rasteiro partir de uma premissa verdadeira — a escravidão colonial — para
justificar o nível de miserabilidade racial da população de rua na atualidade,
como se, mais de 137 anos depois, a estrutura social brasileira permanecesse intacta,
sem nenhuma alteração desde a promulgação da Lei Áurea, em 1888, e como se
sequer o capitalismo tardio tivesse sido inaugurado no Brasil.
Não é estranho que, dentro de uma onda de
promoção à guerra racial no Brasil, esteja se produzindo até a alcunha de um
suposto “capitalismo racial”, como se as estruturas capitalistas obedecessem,
somente, a regras morais que tangenciam a ideia eugenista nazista de raça.
Assim, diante dessa retórica racialista, tudo derivaria de uma “ancestral”
guerra racial entre dois tipos ideais de seres humanos: os “com” e os “sem”
melanina.
As atrocidades do capitalismo são tão
complexas, diante da luta de classes, que não obedecem a um único fator
determinístico capaz de explicar suas contradições e destrutividade dentro de
uma sociedade de exploração do trabalho e deificação do capital. Enfim,
chegamos ao fosso ativista da estupidez ideológica do deserto neoliberal que
reina na pós-modernidade.
Não causa surpresa, ao se observar o baixo
nível do repertório argumentativo do ativismo identitário racial — promovido
aberta e fartamente pelo Grande Capital —, que se busque induzir à ideia
preconcebida de que todos os atuais problemas sociais brasileiros se restringem
à questão moral da escravidão e, por sua vez, a esta como o único vetor de
construção da complexa estrutura socioeconômica brasileira.
Vale ressaltar que, se considerarmos a
realidade da estratificação social da população negra brasileira (sem utilizar
a instrumentação ideológica de incluir a “população parda” para ampliar
artificialmente os dados estatísticos), essa população seria majoritária apenas
no discurso, pois, na realidade, restringe-se a cerca de 10% da população
geral, segundo o último censo do IBGE.
A retórica das identidades racializadas segue
uma mesma e mecânica estratégia ideológica: a manipulação da linguagem por meio
das palavras mágicas da política identitária, que busca transformar toda a
realidade material em espalhafatosas questões comportamentais e moralistas.
Sendo assim, não seriam as brutais desigualdades
estruturais da economia que devastam os seres humanos, mas sim o sintético e
subjetivo "preconceito". Segundo essa lógica rasteira, desloca-se a
questão da disparidade de classes sociais, imposta pelo aparelhamento de
exploração capitalista, para o campo subjetivo e moral da racialização social.
Quando a militância política se fantasia de
jornalismo, o resultado é um show de mentiras e distorções da realidade — seja
em noticiários mais "conservadores" ou "progressistas". Em
ambos os casos, a verdade é sempre a primeira vítima a sangrar quando o
ativismo se impõe acima dos fatos materiais que interessam à sociedade,
embalado por uma retórica discursiva obcecada pelo obscurantismo e pelo
fanatismo ideológico.
(Wellington Fontes Menezes)
👉 PARA SABER MAIS: https://jornalggn.com.br/noticia/populacao-em-situacao-de-rua-precisa-ser-incluida-em-censo-do-ibge-alerta-especialista/
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