segunda-feira, 3 de março de 2014

O autismo carnavalesco da São Clemente



É bom deixar bem escrito: claro que pedir sobriedade em desfile de carnaval é querer que brotem em árvores políticos honestos no Brasil. Todavia, como anda delirante o grau de lobotomia dos desfiles, a Marques de Sapucaí, mais uma vez, assistiu nesta noite de domingo um enredo autista com viés "chapa-branca" da escola de samba São Clemente.

Cheia de bordões, clichês, lugares comuns e efusivas declarações de exaltação as favelas, que se um marciano, vindo de qualquer região do espaço, tivesse assistindo ao desfile da São Clemente, naturalmente acharia que tais lugares, as favelas, seriam dignas construções da oitava maravilha do mundo, um sacro Éden de tijolos disformes na periferia carioca. Na lógica do samba da escola, o "destino manifesto" do ser humano é ser um "favelado com dignidade". Vale não se esquecer do típico bordão politicamente correto que até uma parte da esquerda balbucia sem corar a face, a tal "dignidade", que quer dizer no Brasil: "fique aí e não saia do seu lugar de origem".

Nenhuma crítica real no desfile e sequer uma estrofe mais contundente do enfadonho samba-enredo da escola carioca. Lembrando que muitas vezes, tal falta de crítica cai bem ao gosto de alguns intelectuais de boutique (isto é, que não moram nestes ambientes, é claro!). O coro da escola pode fazer jus à hipocrisia que há em glamourizar a pobreza como um elemento "positivo" de nossa cultura ao pronunciarem que as favelas no Brasil são tão sagradas que é melhor deixarem do jeito que estão, ou seja, no lindo e fétido ambiente onde misturam explosivamente desarranjo social, embriaguez da endêmica violência e abandono do Poder Público. Aliás, para qualquer desavisado que venha a riscar a "estética da pobreza" será logo taxado como "reacionário" ou ao similar.

Neste ínterim sem uma gota de crítica social que algumas raras vezes rondaram o Sambódromo da Cidade Maravilhosa, serve como destaque a letra alucinógena do samba da escola: "Eu quero mais é ser feliz/ A minha estrela vai brilhar/ Oh! São Clemente, eternamente/ Vou te amar...".

O autismo político do típico brasileiro é a marca profunda de uma nação que, quando se levanta, para alguma coisa, é por coação asfixiante ou por histeria coletiva. Daí a longa distância de um país criado nas propagandas oficiais governamentais e a dura realidade do cotidiano.

Enquanto o samba pede passagem, a cidadania fica amordaçada em algum lugar dentro de uma fantasia de carnaval.

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