quinta-feira, 9 de outubro de 2025

A PSICANÁLISE: ENTRE A HIPOCRISIA E A RENDIÇÃO AO CHARLATANISMO IDENTITÁRIO

 


Foi com espanto que li o artigo de Christian Dunker, professor do Instituto de Psicologia da USP, publicado na Revista Jacobin. Conhecido por sua atuação no campo da Psicanálise e por seu trânsito fluente nas redes sociais, Dunker parece cada vez mais alinhado com uma visão que abandona a crítica rigorosa em nome de um engajamento superficial com pautas identitárias.

Ao mesmo tempo em que defende que a Psicanálise continue sendo ensinada fora da graduação, em centros específicos de formação — como sempre foi historicamente — Dunker propõe uma espécie de “Psicanálise decolonial”. O que isso significa, na prática, é abrir espaço para que concepções subjetivas, muitas vezes desprovidas de fundamento teórico consistente, ocupem o lugar da crítica e do método psicanalítico. A contradição é evidente: o que se apresenta como ampliação do saber pode ser, na verdade, sua diluição.

Essa guinada não é isolada. Ela acompanha uma tendência mais ampla de absorção acrítica de discursos identitários pelo meio acadêmico e intelectual. Muitas vezes, essa adesão parece menos motivada por compromisso com a verdade e mais por desejo de aceitação em nichos sociais digitalmente engajados. Nas redes, Dunker atua como figura simpática e bem-humorada, comunicando-se com uma audiência que consome conteúdo rápido e ideologicamente alinhado — uma espécie de classe média “descolada” em busca de referências culturais palatáveis.

A crítica aqui não é à necessidade de abertura da Psicanálise a novos contextos e vozes, mas à maneira como isso tem sido feito: com pouca reflexão crítica, substituindo o rigor por jargões e uma retórica que confunde diferença com valor epistêmico. Em nome da pluralidade, aceita-se como equivalente ao método psicanalítico qualquer narrativa que se reivindique "ancestral" ou "decolonial", mesmo que desprovida de lastro teórico ou clínico.

A Esquerda — que com razão combateu o charlatanismo da Extrema Direita, simbolizado por figuras como Olavo de Carvalho — hoje reproduz, no outro extremo, uma forma de obscurantismo travestido de progressismo. Há, nesse campo, uma tendência preocupante de santificar figuras e discursos que, embora revestidos de uma estética libertadora, operam com as mesmas distorções anticientíficas que tanto se combateu em outros contextos. As “olavices” de um lado encontram seus equivalentes no endeusamento acrítico de certos nomes e ideias do campo identitário.

O resultado disso é um ambiente acadêmico cada vez mais hostil à crítica e ao debate. Parte da comunidade universitária, antes combativa, tornou-se complacente. Contra a Extrema Direita, mostra-se corajosa; mas diante das pressões identitárias, comporta-se com timidez. A crítica é substituída pela conivência, e o discurso científico cede espaço a slogans vazios, práticas clientelistas e mecanismos de exclusão disfarçados de inclusão — como a adoção de critérios identitários para ingresso na Pós-graduação ou na seleção de docentes, em detrimento do mérito acadêmico.

Dunker, nesse cenário, parece mais interessado em “lacrar” para sua bolha do que em enfrentar os dilemas reais da Psicanálise contemporânea. Ao invés de defender o campo contra sua banalização e fragmentação, ele a submete à lógica da performance, das redes e das identidades como mercadoria. A Psicanálise — que sempre foi um saber incômodo, capaz de desestabilizar certezas — é transformada em instrumento de validação do narcisismo coletivo.

Se é verdade que a formação psicanalítica não precisa, necessariamente, ocorrer dentro dos cursos de graduação, também é verdade que abrir mão de seus métodos, critérios e fundamentos teóricos é condená-la à irrelevância. A Psicanálise perde sua força crítica quando se torna apenas mais uma linguagem simbólica em meio à cacofonia das “vozes invisibilizadas”, usada para justificar qualquer coisa — desde autoajuda espiritualizada até pautas corporativas identitárias.

Diante dessa ópera bufa, o que se exige é responsabilidade intelectual. Menos oportunismo e mais compromisso com o pensamento. A Psicanálise — como qualquer saber comprometido com a complexidade humana — não pode sobreviver se render-se a modismos, sejam eles autoritários ou supostamente libertários. A crítica deve ser feita de forma honesta, mesmo que desconfortável. Afinal, não é essa uma das vocações centrais da Psicanálise?

👉 PARA SABER MAIS: https://jacobin.com.br/2025/10/sobre-graduacoes-e-pseudoformacoes-em-psicanalise-no-brasil/

(Wellington Fontes Menezes)


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