quarta-feira, 30 de outubro de 2013

O risco da "mexicanização" em São Paulo



Na rabeira da onda de protestos de inverno, onde a repentina indignação de tudo e contra todos tomou partido de várias pessoas na cidade e para além dela, outro fator que passa muito despercebido da opinião pública é o quanto deste momento atual o crime organizado poderá tomar vantagem de toda essa onda catártica. Tal quadro deveria ser de preocupação real das autoridades governamentais e refletir suas consequências.

O estado de calamidade social diante dos sucessivos governos neoliberais, em particular, a hegemonia tucana em São Paulo que deixou brotar impunemente as facções criminosas, em particular o Primeiro Comando da Capital (PCC) dentro das cadeias paulistas. Nesse quadro, se faz necessário reportar à fatídico mês maio de 2006 onde todos os paulistas preferem esquecer, onde PCC impôs o maior toque de recolher da história desta cidade e mostrou a que veio e que não pretende ir embora tão cedo. Nos dias cruciais dos ataques do PCC contra alvos policiais e governamentais em São Paulo e que se espalhou para outros estados do país, somente entre 12 a 21 de maio de 2006, houve um macabro saldo de 564 mortos por arma de fogo no Estado de São Paulo (um total de 59 agentes públicos e 505 civis). Depois disto, incrivelmente de forma omissa, o Estado nada fez de concreto para desarticular tal facção, pelo contrário, que apenas fez se rearticular e se fortalecer. Enquanto alguns românticos acham que a máfia criminosa é alguma coisa como sendo "politicamente revolucionária" (somente com muita imaginação fértil acreditar em tamanha crassa bobagem!) e fechando os olhos para isto a espera do circo pegar fogo. Do outro lado, o Poder Público vem perdendo espaço diante de uma polícia truculenta, ineficiente e com sua perigosa banda pobre e corrupta favorecendo a criminalidade organizada.

Nesta terça-feira, 29/10, a manifestação dos moradores na zona norte da cidade de São Paulo (região de Vila Medeiros) tem um componente explosivo atípico de situações de manifestação. A partir de uma situação real, a morte de um jovem por policiais, deu origem a uma onda de vandalismo descontrolado e saques desconexos das áreas comerciais, mas de forma proposital: a promoção de um estado de caos. A boataria sobre "toque de recolher" foi lançada em alguns bairros da zona norte. O resultado é o esperado: população amedrontada, comércio fechou as portas e, às pressas, escolas dispensando os alunos. Do ponto de vista estratégico, qualquer ato de suposto abuso policial será usado por facções criminosas para levantar a ira dos moradores e, como objetivo maior, será impor o medo e, indiretamente, ganhar apoio popular da população contra a polícia. Lembrando que facções criminosas não são meros ladrões de galinha, ao contrário que muita gente bem versada nas letras gosta de fazer discursos de apologias com análises rocambolescas. É público e notório que em qualquer lugar do planeta, o crime organizado se articula de elementos que utilizam o crime com um meio de vida profissional, gerencialmente empresarial e altamente aparelhado.

A Polícia Militar, para variar, vem atuando de forma extremamente agressiva e violenta e, consequentemente, metendo os pés pelas mãos. A violência policial é tão assustadora e, por sinal, indica também uma ação deliberativa extra-oficial com caráter de “extermínio” de supostos suspeitos (isto não é nenhuma novidade dentro da história da Polícia Militar de São Paulo). Sabemos o quão é difícil a atuação contra a criminalidade, mas os números de baixas evidenciam uma polícia altamente letal e punitiva, fazendo as leis com o cano dos revolveres.  Quem está vigiando os vigilantes e suas ações? Se espasmos de violência explícita por parte dos agentes de segurança pública fossem sinais de eficiência policial, a cidade de São Paulo teria os mesmos níveis de criminalidade do Vaticano.

Tudo que as facções querem é usar os erros estratégicos da polícia e, por sua vez, suas lideranças criminosas sabem muito bem como uma parcela degenerada da polícia atua, afinal, muitos dos agentes de segurança desta banda podre estão na lista de pagamentos destas mesmas facções. Não será surpresa que o atual protesto da zona norte, desta terça-feira, não tenha ligações com os "salves" de facções criminosas visando o momento atual para promover "ensaios" de violência e terror, como ocorreu no famigerado maio de 2006 no Estado de São Paulo.

Os componentes são explosivos e o elemento simbólico do medo arraigado na cultura de uma cidade extremamente desagregadora e cruel é fundamental: onda catártica de indignação (sem lideranças específicas), áreas periféricas de extrema pobreza onde pessoas são relegadas à própria sorte, uma policia pressionada pela opinião pública e agindo de forma atabalhoada e extremamente violenta, movimentação de chefes de facções criminosas recusando a aceitar o Regime Disciplinar Diferenciado (a ficcional pérola prisional do governo tucano, o RDD), facções cada vez mais fortes economicamente (como mostrou o Ministério Público no caso do PCC) e um Estado que não consegue tomar conta de seu sistema prisional. Lembrando que o PCC vem construindo um controle simbólico em grande parte do sistema prisional do Estado, responsável por um terço de toda a população carcerária de Brasil.

O "boom" econômico dos governos Lula e Dilma ficou muito mais relegado ao plano econômico do que de inserção à cidadania. As quinquilharias eletrônicas e eletrodomésticas das Casas Bahia tiveram mais sucesso do que a promoção ampla e radical na infraestrutura do país que deveria priorizar o fim de áreas de miséria extrema nas grandes cidades, resgatando toda esta população marginalizada para um novo patamar de vida. Bastar dar um pequeno passeio em qualquer trem da CPTM para observar o quanto é grotesco o nível de distorção social desta cidade e sua vizinhança, por sinal, entre o centro e a periferia, perpetuam as intocáveis disparidades seculares. A regra é simples: onde não há um Estado atuante, o crime compensa sua ausência, ao modo dos criminosos, é claro!

É possível separar protestos legítimos de cidadãos e aqueles infiltrados pelo crime organizado? Como garantir a integridade dos direitos constitucionais do cidadão e ao mesmo tempo impedir novas táticas de guerrilha do crime organizado por controle geográfico? O grande risco é mergulhamos sorrateiramente numa situação que o Estado não consiga mais controlar nas zonas periféricas, induzidas pelas facções por meio do medo e da coação violenta. Lembremo-nos do cenário da Colômbia e, particularmente do México, onde a violência das facções criminosas faz parte do cenário cotidiano de muitas cidades desses dois países. A fórmula explosiva para o caos é sempre a mesma: pobreza, descaso social, polícia violenta e bandas podres atuantes, governos lenientes e pouco sensíveis às questões sociais. Portanto, o risco de uma "mexicanização" é muito alto na cidade de São Paulo, com “áreas livres” para o crime organizado e sem nenhum controle estatal, que por sua vez, é munida de uma polícia viciada e inoperante e, sintomaticamente, a naturalização da violência grotesca por parte dos elementos da sociedade. Neste cenário de barbárie imposta pela violência endêmica, quem perde é a democracia, os direitos humanos e uma sociedade minimamente civilizacional deslizando-se como um trágico filete de sangue.

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