Em um dos seus textos, o então Cardeal alemão, Joseph
Ratzinger, que posteriormente viria a ser o Papa Bento XVI, escreveu: “Vemos
agora que a humanidade nem precisa da grande guerra para tornar o mundo um
lugar inabitável”. Curiosamente mais tarde, ele próprio, na investidura de Sumo
Pontífice, renunciou ao posto máximo da Igreja Católica e jogou o catolicismo
romano numa das maiores crises de sua história, já marcada pelos midiáticos escândalos
sexuais e econômicos de seus líderes e assessores. A carne estava em pecado em
um mundo em que o pecado transgressivo (e, muitas vezes, salutar) é a norma
para “furar” a castração simbólica, transgredir a cultura real e sobreviver a
uma complexidade existencial sem parâmetros.
A Igreja Católica possui dogmas sacros e
premissas de um mundo que quase não se comporta mais e, se tornando assim,
apenas um belo e histórico relicário da cultura ocidental. Seria então um o
mundo um lugar onde a religião devesse correr atrás dos anseios emergenciais
dos seus adeptos ou ser um mero guardião de postulados relicários? O certo e o
errado, o bem e o mal, são questões que não mais interessam na Pós-Modernidade,
uma vez quem sua mecânica é a utilização de um avassalador liquidificador de
demandas como se preparasse uma vitamina com várias frutas. Notadamente, quase
em tom de ojeriza, o discurso da Igreja Católico foi se afastar dos mais pobres
e conviver com concordância leniente da opressão do capital. Com a clara opção
pela subserviência do poder, a indiferença pelo sofrimento dos que mais
necessitam da fé, seria então que a Igreja Católica, como um organismo mundial
decisório de poder, uma construção blasfêmica de si mesma?
Nem as ideologias políticas e nem o
conservadorismo religioso são matérias mais consistentes. O desencanto do mundo
reproduziu um olhar diferente de uma ordenação rígida e sem um centro definido,
onde todos acreditam poder fazer algum tipo de ação e ocupar de lugar no mundo
ou, simplesmente, se entregar à métodos de estímulos ou autodestruição
psicológica. Tornaram-se recorrentes os
ataques aos seus pilares fundantes da Igreja Católica e suas posições que a
sociedade hoje não aceita mais distancia o indivíduo pós-moderno do catolicismo
que vem do Vaticano.
A mercadoria destronou o santo, logo as
necessidades emergentes dos praticantes de plantão são muito mais pragmáticas e
materiais. De forma globalizante, em um mundo cada vez mais material, assim
como, por exemplo, a desconstrução do amor e da sexualidade, as ilações da fé
religiosa são trocadas para a emergência do engodo imediatista e o espetáculo
da "presença divina". A penitência
parcimônica da fé cedeu lugar ao gozo irrefreado na cultura do consumismo e dos
desejos materiais ilimitados. A promessa de consumo das massas subverteu a
lógica da espera paciente da vontade divina.
No Brasil, o maior país católico em quantidade
numérica do mundo, o avanço do neopentecostais e sua sanha por adeptos e lucros
foram extremamente significativos nas últimas décadas. Com o catolicismo em
baixa devido as insuficientes (para não dizer, irrisórias) ofertas para uma
nova demanda crescente, o mercado ficou aberto para conquistar novos clientes
para suas seitas, ou seja, os novos "convertidos" e desiludidos com a
"ineficiência" da doutrina católica. Na lógica de um mercado hiperativo,
em reclamando de Deus católico no PROCON daria resultado!
No lastro da instantaneidade dos desejos, as quadrilhas
de exploração da fé e religiões de vertentes mais materialistas se ergueram
como impérios com seus discursos mais sedutores para o crente que acha que Deus
demora demais para fazer sua "obrigação". Neste ínterim, comprar um
lote no Céu, o esforço da acumulação pessoal de bens materiais e as ofertas
generosas do crente para os empreendimentos religiosos se tornam símbolo de
status e aproximação de Deus pelo viés econômico das trocas simbólicas entre
capital e fé.
Várias vertentes criativas na pós-modernidade
criaram sua própria visão de Deus e igrejas "customizadas", ou seja,
adaptadas às necessidades do cliente consumidor de fé religiosa: o gay, o
descolado, o surfista, o skatista, o delinquente, o feminino, o virtual...
Portanto, o estilo da rigidez católico não sobrevive ao espaço das inovações
materiais, que a todo tempo precisa se reciclar para criar um novo produto.
Cada um ao estilo do interesse da demanda do cliente-praticante e sem
intermediários, ao estilo "just-in-time" ou qualquer outro criativo
processo industrializado. Logo, não é de se estranhar que até as manifestações
reivindicatórias, vistas nas últimas semanas no Brasil, seguem, quase sempre, o
mesmo padrão, ou seja, se tornaram mobilizações “customizadas” de acordo com a demanda
de cada grupo de manifestantes.
Como tempo é dinheiro recitada na retórica
capitalista, logo, o milagre tem que ser para ontem. Entre promessas, desejos e
esperanças, a religião é apenas mais um bom empreendimento a ser trabalhado
pelo capital e de forma mais lucrativa e imediata no grande vazio existencial
do homem pós-moderno.
É bom lembrar que o advento do Capitalismo se
deu com o destronamento de Deus como a grande figura castradora e a laicização
do mundo via a sacralização do Deus-mercado. De certo mesmo, o maior de todos
os deuses no mundo material é tão intangível quanto às doutrinas da fé, mas é
bem mais convincente do ponto de vista de sua praticidade: o dinheiro e seus
arautos econômicos.
As transformações sociais através de processos
produtivos de alta multiplicidade, reprodutibilidade e lucratividade se
processaram de forma nunca antes vista na história da civilização humana. A tal
ponto que economias primitivas e escravocratas como as origens históricas da
vida material brasileira se transformasse em apenas um século, em uma das
maiores potências para o capital internacional e uma sociedade bem
diversificada (particularmente a grande guinada do “boom” material do Brasil,
do ponto de vista de Estado-nação, se processou essencialmente no século XX).
No teatro de oportunidades possíveis e dentro do
leque de variedades igualmente possíveis no mundo ocidentalizado Pós-Moderno,
Deus se tornou apenas mais uma commodity, assim como o amor líquido, o sexo instantâneo
mercantilizado, e cada vez mais as ações do indivíduo são motivados pelo
individualismo, o isolamento real (que tentam se justificar sob uma vertente de
união "digitalizada e online") e a exacerbação do auto-interesse tão
típicos do atual modelo padronizado das sociedades ocidentalizantes.
Nos próximos dias, a visita ao Brasil, do
argentino Papa Francisco, o primeiro não-europeu em cerca de 1200 anos e o
primeiro da ordem jesuítica, provavelmente, se dará de forma muito mais
pragmática do que de seus antecessores papais. Talvez ele volte ao Vaticano com
uma maior impressão de que sua igreja precisa se adaptar para um mundo que se
processa com mudanças um tanto desnorteantes. Ainda ele poderá refletir que o
caminho para a superação da atual crise de sua Igreja possivelmente, será entre
a opção pelos mais pobres do mundo e a essência do Sagrado ou optar pelo
cinismo fisiológico mercantil típico dos neopentecostais à brasileira.
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