Em momentos políticos mais tensos
e críticos, não é raro lançamento de factóides lançados no ar com interesses
diversos e buscando apelar para a emoção de ocasião e o descontentamento cutâneo
dos indivíduos. No Brasil de tempos recentes, tal metodologia não é diferente. No
meio da tempestade dos últimos dias de uma enxurrada de mobilizações que
contemplou um sortilégio de demandas sócio-existenciais (entre legítimas,
urgentes e outras questionáveis), é de uma profunda irresponsabilidade e senso
crônico de rapinagem oportunista a criação de moinhos de ventos prosaicos para
uma Reforma Política. Por sinal, faltando cerca de um ano para as eleições
gerais para a promoção, à toque de caixa, de uma reforma sem norte e, pior
ainda, se utilizando de um plebiscito que deverá causar muito mais confusão do
que senso de realidade para a população.
Algumas questões merecem
destaques. Primeiramente, parece pouco legítimo que um Legislativo em fim de
mandato tenha condições políticas para dirimir uma reforma mais profunda no
sistema político-eleitoral, que por sua vez, afetará diretamente à este mesmo
grupo de políticos. Logo, parece pouco provável que algum político queira fazer
uma eutanásia eleitoral. Segundo, se a tão propalada Reforma Política que se
transformou repentinamente em prioridade nacional, e se é tão importante de
fato, porque até agora honoráveis congressistas não a fizeram há muito mais
tempo? Terceiro e, mais importante, quem de fato se beneficiará com uma Reforma
Política feita às pressas e no calor dos últimos acontecimentos no país? Seria
então uma mera troca de seis por meia dúzia e ficaria muito bem como sempre
antes fora assim?
Mais uma vez, para ilustrar a prosopopeia
de mais um novo embuste nacional, chamar o povo para potencialmente correr o
risco de votar contra si mesmo, tal como no equivocado referendo sobre o porte
de armas realizado em 2005, que por sinal, dando ganho favorável a sua
comercialização.
De concreto mesmo é o fato de que
a presidenta Dilma Rousseff se sentiu pressionada com as mobilizações das ruas
e, porque não dizer, isolada pela classe de política de plantão (principalmente
de sua caríssima “base aliada”) e, agora, busca jogar na mesa do Legislativo a
conta de tamanha balburdia no cenário político. Neste ínterim, noticiada pela
imprensa, as propostas sugeridas pelo Executivo que será levado ao Congresso
Nacional versarão sobre: a) forma de financiamento de campanhas (público,
privado ou misto); b) definição do sistema eleitoral (voto proporcional,
distrital, distrital misto, "distritão", proposta em dois turnos); c)
continuidade ou não da existência da suplência no Senado; d) manutenção ou não
das coligações partidárias; e) fim ou não do voto secreto no Parlamento.
Certamente, um pacotão de questões para ser destrinchado e debatido com mais
rigor e prudência.
Como é possível notar, no meio de
alguns embustes, tem algo alojado e nada trivial, e que tange a definição do
sistema eleitoral. Outras opções para constar no pacotão do plebiscito, estarão o
voto secreto e suplência no Senado, que por sua vez, são de uma indecência
explícita que somente interessam aos congressistas se esconder visando fazer as
velhas práticas chantagistas contra o Executivo (uma delas resultou no tal
“mensalão petista”, ou seja, práticas viciadas de quase todos os governos),
logo, seria desnecessário qualquer consulta: deve-se o voto do parlamentar ser
público para o interesse público e ser desnecessário qualquer suplência. Pior
ainda, dependendo como serão as perguntas e as campanhas publicitárias em torno
delas é bem capaz da população votar favoravelmente (por equivoco, desconhecimento,
ou perguntas mal formuladas na hora do pleito), as estas mazelas nefastas e
assim continuaremos a perpetuar o esquema de mensalões implícitos na política
brasileira.
Diga-se em alto e bom tom que uma
consulta popular, dita como “soberania popular”, é uma via legítima e
constitucional delineada no artigo 14 da Carta Magna e regulamentada na Lei
Federal No. 9709/98, como uma via de aproximação do Poder Público com a população.
Ainda versando com raízes de pouca prática de participação direta popular, a
consulta diretamente ao povo é raramente utilizada. Todavia é preciso ter
cautela com seus usos, principalmente no que realmente se intenciona a fazer
isto. Mais uma vez, corremos o risco de depararmos com perguntas subjetivas que
poderão ocasionar equívocos aos eleitores e, pior ainda, causar mais confusão e
debates desnecessários ou pouco produtivos para as especificas demandas atuais
da maioria dos brasileiros. Aliás, como sempre vem ocorrendo nos últimos
tempos, as grandes questões emergenciais nacionais são generalidades pífias que
pouco de fato vem se constituírem como elementos norteadores para mudanças
estruturais.
Se for para reformar a
representação e atuação política, por que não democratizar de fato todo o
sistema de representatividade? Por que não implantar uma via mais direta de
participação popular? Por exemplo, algumas
pautas simples, mas de grande impacto com chamariz da participação popular: a) eleições
diretas para subprefeitos e conselheiros de bairro para cidades de grande e
médio porte; b) obrigatoriedade de consulta popular de temas mais polêmicos e
que demanda maior esclarecimento por parte da população; c) maior autonomia da
população para propor pautas a serem implementadas pelo Executivo; d) consulta
popular sobre orçamento das três esferas de poder e escolhas de prioridades
para a construção de planos plurianuais; e) conselhos compostos de membros do
executivo, trabalhadores públicos e a sociedade civil visando a fiscalização
mais direta de recursos orçamentários com contas abertas e gastos justificados.
Se as pessoas estão tão motivadas para a manifestação e os políticos tão
interessados em “atender as demandas populares”, qual o problema de delegar à
população suas próprias escolhas diretas?
Ademais, se aproveitar das
diversas demandas sociais que rondaram as ruas para injetar uma disfarçada e
oportunista reforma constitucional é outro golpe matreiro contra a nossa frágil e,
ainda bem injusta, democracia. Certamente, uma Reforma Política por meio de uma
atropelada recauchutagem constitucional não é uma das prioridades nacionais,
exceto para alguns espertalhões da classe política sempre a espreita para se
aproveitar das oportunidades de rapina.
Nenhum comentário:
Postar um comentário