segunda-feira, 19 de janeiro de 2015

A cultura do lumpemproletariado: como transformar criminosos confessos em heróis nacionais





O Brasil ainda carrega o seu olhar a respeito de si mesmo de forma histérica: ou somos bons em tudo ou péssimos em qualquer coisa. Na cultura somos os melhores, apesar de tanta coisa de “gosto duvidoso” por aqui, já na política é tudo ruim, nada de aproveita. Daí, ao menos é visível uma contradição imediata: como poderia uma cultura “alta cultura” como a brasileira produzir tão podres políticos? Assim, criamos nossa cultura em meio às bordas da neurose do extremismo. Somos capazes de ficar solidário a um criminoso produzido instantaneamente pela mídia e esquecemos os diversos esquadrões da morte atuando pelo país. É preciso avançar para buscarmos compreendermos a presente cultura arraigada em nossa sociedade.

O conceito de lumpemproletariado foi trabalhado por Karl Marx o qual qualificou uma parte pouco grandiosa dos (não-)trabalhadores, ou seja, a massa amorfa de transgressores sociais, que na sua gênese, não seriam organizados e poderiam comprometer a própria organização dos trabalhadores. Neste contexto, envolveriam ladrões, assassinos, diversos tipos de transgressores da lei, desajustados e prostitutas. Um leque daquilo que poderiam ser visto como a margem da sociedade e das linhas de produção e de organização social e política.

A cultura da transgressão dá um falso ar de hiperpotência à todos aqueles que a produzem e daqueles que absorvem e cultuam passivamente e sem nenhum olhar crítico. Homens mais fortes do que sua insignificância existência e mulheres  hiper-sexuais perante uma sexualidade erotização infantilmente. É perceptível de parte significativa de letras de funk que, por exemplo, que além de fazer apologia a criminalidade, exalta nomes de traficantes e chefes de boca de fumo como “pobres vítimas” do destino (isto é o que a "sociologia da vitimização" não cansa de repetir e esquecer o sujeito como elemento central também de seus desejos). Neste percurso da falta de horizonte, agora até se pretende fazer um folhetim romanceado para levar as telas de cinema em cima da história do traficante brasileiro que se deu mal na Indonésia: foi condenado e executado pelo governo local neste último domingo, 18 de janeiro.

Longe de ser fazer “censura” na arte, mas é necessário refletir uma permissiva cultura do lumpemproletariado como elementos de valores sociais. Há poucos dias, a revista francesa Charlie Hebdo provou o gosto amargo e sanguinário ao criar uma postura política sistemática em charges satirizando a religião Islâmica. Ao apostar no achincalhamento público o resultado foi à ira dos que são sedentos por escapes irracionais de violência desmedida. Nada justifica o atentado à revista, porém é a forma de construir mundos cada vez mais impenetráveis e intolerantes política e culturalmente que delimita a falta de dialogo entre os povos. Há um limite que precisa ser definido entre a “liberdade de expressão” e o abuso deste conceito.

Oficialmente, o Brasil não adota a pena de morte dentro do seu Código Penal, mas extraoficialmente ela é praticada por vários agentes da lei que fazem das regras jurídicas seus valores cotidianos, os populares “esquadrões da morte”. A pena de morte estatal é mais grave violação da democracia e dos valores humanos. Isto deve ser sempre transformada em ponto de resistência contra a barbárie. Todavia, o "jeitinho brasileiro" de misturar e perverter alho com bugalhos poderá ser tão nefasto quanto a pena de morte, ao querer transmutar mais um traficante condenado em "herói nacional". O caso do brasileiro morto na Indonésia é um exemplo que nem todo malandro é tão esperto quanto se pensa e o fim poderá ser pior do que se imaginava em território desconhecido.

Não devemos (ou não deveríamos) apostar na violência com força motriz social e, certamente, teremos sempre como resultado fins trágicos. Todavia, não devemos acreditar que aqueles que se utilizam da canalhice e da esperteza, na aposta de passar a perna, ludibriar, viciar, matar ou deturpar o outro seria um "bom exemplo" social. Deveríamos ao mesmo refletir as qualidades exaltadas se realmente são tão úteis socialmente.

Vale destacar que há um romanceiro por parte de alguns grupos interessados que alardeiam que as drogas é a melhor coisa que já foi criada após a construção pictográfica de Deus e, tem gente de pés juntos, que acredita que o fim da violência de daria com o fim das drogas. É possível que devam ser imbuídos de alguma formula mágica pra acreditar em tal quimera. Uma coisa é o acesso controlado por parte de algumas drogas, outra questão totalmente diferente é o fim da violência social. Notadamente, já temos péssimos exemplos que são ressaltados socialmente entre eles: ex-militares golpistas, políticos corruptos, traficantes assassinos, artistas sem talento e imbecis genuínos, bundas e peitos, cabeças ocas, são elementos que são ostentados como valores nacionais.

O fato de serem "outsiders", tais elementos transgressores dá um verniz requintado de um "ar heroico" por parte daqueles que vivem em vidas socialmente comuns, previsíveis e sem maiores emoções.  Neste sentido, é sintomático que as visitas em cadeias públicas masculinas são verdadeiras orgias de sexo em meio à uma ”festa familiar” entre aqueles que já cometeram e foram condenados por um sortilégio de crimes. É usual encontrar garotas que se servem como "amigas sexuais" dos encarcerados. Claro, no Brasil das mazelas sociais, dentro das surreais condições insalubres das cadeias públicas, o sentido da pena pode se tornar uma festa do deus grego Baco que movimenta a economia das cidades que recebem presidiários! No mínimo há certa descaracterização do conceito de “penalidade” que não cabe aqui se estender a respeito.

Para a burguesia, o lúdico e inócuo culto aos valores transgressores é importante para desconstruir qualquer aparato de resistência dos trabalhadores contra a opressão real praticado pela exploração do capital. Portanto, na lógica capitalista de exploração, cultuar elementos do tráfico de drogas ou transgressores sociais como “heróis” pode ser feito sem a menor cerimônia, o que não pode (e se for feito é combatido!) é criar empecilhos contra o reinante capital e crítica ao modo operante de perversa e distorcida distribuição de renda.

A arte imita a vida e, nestes casos, com a ostentação da canalhice social, ou seja, a valorização da “cultura do lumpemproletariado”, logo, com a decorrência do “boom econômico” dos últimos anos no Brasil, surgiu uma suposta “nova classe média” que deseja ser consumista de Primeiro Mundo, mas ainda agrega valores tão desagregadores, frágeis e descartáveis de “último mundo”, ou seja, o endosso à barbárie. É preciso considerar que a distância entre a civilização e a barbárie é apenas um olhar que distingue elementos fraternos e a canalhice generalizada.

A promoção da violência é um fato que deve ser radicalmente combatido assim como a promoção dos agentes que fazem da violência um dos grandes mercados para se obter grandes ganhos financeiros a curtíssimo prazo (claro, pilhando deliberadamente o outro, ou seja, produto do roubo). Não devemos comemorar nenhum assassinato estatal via “pena de morte”, independe do crime praticando, e tampouco cultuar criminosos confessos (ou não) como “heróis nacionais”. Uma cultura de bons valores éticos é um elemento valoroso e fundante para uma democracia mais solidária e menos injusta.

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