domingo, 7 de fevereiro de 2021

NARCISO NO BERÇÁRIO

 


Quando a infantilização não tem idade, a projeção narcísica se torna o sacrossanto altar a ser ostentado.

A Pós-modernidade embriagada pelos valores do capital se constituiu em um retrocesso da razão e uma construção mítica da negação da maturidade do sujeito.

A adolescentização da vida, tal como numa propaganda de refrigerante, se forjou como uma resposta inconsciente ao medo e a insegurança diante de um mundo em decomposição das grandes certezas e forjado pela necessidade narcísica da aparência dos sujeitos.

Nesta lógica do imediatismo mágico, não basta parecer "sempre jovem", tem que montar o corpo como se fosse a idealização de uma idílica "juventude rebelde". Na prática, a projeção narcísica não passa do desejo de ser notado, reconhecido e validado pelo Outro.

Longe de ter alguma materialidade, as identitadades pós-modernas se constituíram na argamassa da subjetividade alimentada pela projeção narcísica do sujeito e de acordo com a modulação de seus voláteis desejos.

Importante salientar os valores ideológicos do capital tanto no linguajar mimetizado pelos sujeitos "pós-modernos", quanto na sua (inútil) tentativa de ser individualizar diante do oceano plasmado da unilateralidade do neoliberalismo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A ARAPUCA DO TERRAPLANISMO IDENTITÁRIO: QUEM LUCRA COM A CELEUMA DO SEXO DOS ANJOS?

 

Nada provoca mais polêmica gratuita do que mexer com a intimidade alheia. Assim como os mexericos sempre são campeões de audiência, a Pós-modernidade deu um lustro blasé na fofoca, com ares de intelectualidade, para vigorosos e flácidos debates nos cafés, happy hours e alguns tediosos seminários acadêmicos. A invocação do sexo dos anjos se tornou um fetiche em grande parte da intelectualidade acadêmica das humanidades, embriagada pelo canto da sereia da representatividade, diante do altar performático da santíssima trindade das identidades: sexo, gênero e raça.

O mundo pós-moderno, movido pelas engrenagens do capital, conseguiu o seu maior feito: a promoção da passividade social magnetizada pela crença irracional e narcisista, na metafísica do neoliberalismo. Nesta maravilhosa esteira do capital, no “moinho satânico” apontado por Karl Polanyi, sem uma mínima regulação estatal, tudo se torna mercadoria e tudo tem um preço (para quem pode pagar, é claro!).

No deserto que movimenta o cotidiano de sociedades fadadas a viverem de forma automatizada, a vida líquida, apregoada por Zygmunt Bauman, é nada além do que a ideologia do capital impregnada das mais articuladas formas, desde as concepções políticas, passando pela frágil arquitetura econômica e aterrissando até mesmo no meio das fantasias de alcova dos indivíduos.

Na lógica da atomização social, o sujeito se torna indivíduo ao perder sua subjetividade e se transforma em mero motor de alienações consumistas e da ignorância sistêmica. Adicionado a este motor, temos a embreagem do narcisismo. Quanto mais o sujeito tenta parecer "exótico", em um falso processo de individualidade, mais ele se torna uma caricatura do modelo neoliberal de sujeitos: desvalidos de conteúdos, embriagados de uma vida imediatista e esvaziada.

O interesse pela sexualidade é tão remoto, quanto os labirintos da curiosidade humana sobre si e sobre o mundo. Todavia, alguns pós-modernos querem “descobrir” a sexualidade, como se tudo fosse alguma novidade parida a partir do século XXI, ignorando o passado e projetando um véu de ineditismo que não condiz com a realidade. Seriam muitos destes ativistas que buscam se autopromoverem com pretensos mecanismos sexistas, tão inovadores como dizem, ou apenas marqueteiros a propagaram sensos comuns em vídeos, com odores de charlatanismo do Youtube?

As redes sociais permitem que muitos oportunistas ajam como “doutos” de conhecimento e se posam como “professores” do senso comum, ministrando “aulas” sobre tudo, com conteúdos dos quais nada dominam. O que se pode afirmar é que a dimensão da compulsão da sexualidade na Pós-modernidade se tornou um grande mercado de fetichismos, na busca frenética (e inútil) de preenchimento das crateras existenciais. Neste campo de alta lucratividade, há diversas formas de exploração pelo capital, para instigar fantasias e desejos de ávidos consumidores sedentos de algum “movimento na vida”. Logo, é um velho lugar-comum falar sobre qualquer coisa a respeito de sexualidade e, assim, conquistar consumidores. Ao deslumbrar incomensuráveis lucros, os vendedores de ilusões sabem que, quanto maior é a polêmica, maior é encorajado o desejo de mexerico do consumidor e, posteriormente, de inúmeras possibilidades de aquisição de bens ou serviços.

Em um mundo adoecido por uma pandemia de um vírus que provoca uma doença mortal, a COVID-19, e de um capitalismo mais mortífero ainda, o debate público se plasmou em um reino do infrutífero besteirol. Tudo para não fazer um único risco no espelho monopolístico do capital que hegemoniza a colonização da ideologia dominante, desde a queda do Muro de Berlim. Não é a toa que os novos eugenistas raciais, os tais "antirracistas" utilizam o piegas estratagema do alucinógeno "privilégio branco", dentro na nova quimera neoliberal que prega uma panaceia de explicação do mundo, o “racismo estrutural”: todos os brancos “geneticamente” seriam privilegiados e malvados e todos os negros seriam pobres criaturas ingênuas, dóceis e passíveis de serem vitimas de todos os infortúnios em suas vidas. Nesta profundidade da dimensão de um pires que comporta uma xícara de alucinógeno, não haveria espaço para luta de classes, mas sim uma imortalizada luta entre a eterna vítima negra e o garanhão branco doutrinador! Todavia, uma pergunta se porta no ar para os tais ativistas identitários de alma mater negra: em sociedades cuja presença negra seja ínfima ou nula, como explicar as diferenças sociais?

Derivado deste rocambole de retóricas flácidas, regado com muita imaginação, surge os tais “estudos da branquitude” no Brasil, como se fôssemos uma nação fundada por arianos que, por si só, conduziram sua genética de malefícios, ao longo dos séculos, no território tupiniquim. O espetáculo das caricaturas generalistas cria um teatro da vitimização que confunde o espectador e empobrece o debate público. Nesta esteira, os estudos acadêmicos também se tornam cada vez mais contaminados, com este rol de bobagens do senso comum, turbinado com grande overdose de imaginação preconceituosa e que não condiz com a realidade construída, em mais de quinhentos longos anos, de história das desigualdades brasileiras.

De antemão é bom que fique bem claro: não se nega a questão racial impregnada na sociedade brasileira, mas não será com pseudoteorias fantasiosas, incrementadas pelo capital que serão superadas chagas históricas. Nada disso seria apenas fumaça alucinógena gratuita, se não tivesse propósitos bem claros. Diante desta exibição minúscula de imaginação intelectual, as gritantes e assassinas diferenças sociais não mais seriam devidas ao acirramento da luta de classes, cujo poder coercivamente hegemônico está nas mãos das burguesias, mas tudo seria explicado por uma palavra mágica: o "preconceito". Ao buscar uma narrativa fantástica do irrealismo terraplanista para as desigualdades sociais, as explicações neoliberais do identitarismo visam atacar conceitos consagrados do marxismo e da luta de classes, preservando o capital e culpabilizando a percepção de cada indivíduo, perante uma suposta percepção de realidade calcada na aparência subjetiva.

A chamada “guerra de narrativas” é um nome pomposo para designar um perverso e caricatural revisionismo sócio historiográfico que busca difundir conceitos irreais e do senso comum, em substituição aos elementos consagrados em décadas de estudos e pesquisas acadêmicas e, pior ainda, “cancelar” todos que não se ajoelharem ao fanatismo das identidades e suas alucinações dos contos da Carochinha. Nesta matriz do ilusionismo fantástico dos terraplanistas identitários, o mundo seria então bipolar na narrativa pós-moderna das identidades: negros e racistas, homossexuais e homofóbicos, mulheres e machistas do patriarcado. Enfim, o terraplanismo identitário, cuja matriz é o universo umbilical da cultura de superfície, se resume em uma míope visão de berçário de um mundo de sujeitos: o “descolado” e o preconceituoso.

A simplória visão maniqueísta de mundo da bricolagem identitária se torna tão insana, anti-intelectual e fanatizada que apenas retroalimentam os mesmos fanáticos da extrema direita de quem, supostamente, seriam adversários. Lembrar que os estratagemas dos dois grupos, identitários e extrema direita, são tão parecidos que não seria exagero dizer que acabam se tornando, taticamente, irmãos siameses. Ao esvaziar a visão materialista histórica e dialética do mundo, ao abandonar a racionalidade, a razão e a percepção intelectual, as estruturas neoliberais da pós-modernidade reduzem o pensamento crítico a caricaturas de infantário de mundo.

Os arautos pós-modernos recorrem às ambivalências panfletárias, cujos motes são ampliar polêmicas, desenraizar um irracionalismo prejudicial ao desenvolvimento social, cultuar o anti-intelectualismo e, ao mesmo tempo, posam de “influenciadores” e, o principal, expurgam toda a culpa do capital por seu sistemático genocídio seletivo sobre a Terra. Nesta lógica, ao pulverizar a "culpa individual", o objetivo, no qual as grandes narrativas perdem sua força e o indivíduo se torna o centro do universo, em detrimento dos projetos coletivos que caducam por completo, visa o destino-manifesto do mercado reinando absoluto na terra plana neoliberal, dando vazão ao ego narcisista do eu-empreendedor-de-si-mesmo.

Quem fomenta tanta paranoia obsessiva narcisista? Quem lucra, sem cessar, bilhões em plena pandemia, onde milhões de vidas estão sendo devastadas? A quem interessa o debate do sexo dos anjos? Quem patrocina a estupidez dos fetiches periféricos e as histerias narcísicas? São os mesmos articuladores que sabem muito bem que, quanto maior o nível da imbecilização social, ou seja, da alienação das mais perversas possíveis, maior será o voluntarismo serviçal dos sujeitos, em nome dos senhores do capital.

Não há ilusões sobre esta imbricada e selvagem “guerra cultural”, imposta pelo capital e engendrada nos alicerces do que se poderia chamar “soft power”, empregando narrativas, ora subliminares, ora explícitas. O terraplanismo ideológico é uma ode à imbecilização coletiva, ou seja, uma apologia ao fetichismo pós-moderno e à ignorância que ceifa milhares de vidas diariamente. Nada mais curioso e sintomático do que a propulsão que tais ativistas do identitarismo dão ao empreendedorismo neoliberal, como se fosse tábua de salvação social: o fetiche de o sujeito virar “patrão” ou “patroa”, dentro de um Estado cuja interferência na economia fosse mínima. Até onde mesmo o identitarismo é tão “inovador” assim? Com o enfraquecimento das esquerdas de matriz marxista ou socialista, quem se interessaria em patrocinar tão avidamente, tantos grupos identitários, forjados dentro da própria esquerda que pulveriza o pensamento neoliberal, nos mais inacessíveis guetos sociais?

O negacionismo e o revisionismo, propalados por “narrativas” da extrema, direita são também utilizados como estratagema pelos ativistas identitários. Distorcer os fatos, corromper a verdade e difundir uma “nova verdade” que seja baseada nos interesses de grupos extremistas que, muitas vezes, acredita em um mundo refém de alucinógenas teorias conspiratórias de acordo com a freguesia: ora a culpa é do “globalismo”, ora a culpa é do “privilégio branco”. Um exemplo desta irracionalidade ativista é o movimento para derrubar estátuas em praça pública que, supostamente, não seriam “politicamente corretas”. Com a retórica da vulgata autoritária, se algo está fora das querelas da moral identitária, logo deverá ser derrubado em nome dos novos “bons costumes”. A irracionalidade e a contradição são elementos intrínsecos de movimentos cuja mobilização parte da suposta hegemonia de interesses narcíseos, tal como a extrema direita e o identitarismo neoliberal com pretensos “ares de vanguarda”.   

Ao mesmo tempo em que o terraplanismo ideológico distorce uma visão de mundo mais humanitária, ele contribui para incrementar a ideologia do capital, por sinal, cada vez mais forte, hegemônica e irrefreável. Quase todas as formas de crítica, colocadas no balcão do debate público, não deslumbram o destronamento ou, sequer, o questionamento do capital, mas sim fantasiam formas mais ou menos exóticas para incrementá-lo, nas diferentes sociabilidades e quadros econômicos. A pandemia que causou a maior crise sanitária de todos os tempos, apenas deixou escancarado um mundo cada vez mais desequilibrado economicamente, desguarnecido de alternativas, com a falência sintomática da crítica social e com populações inteiras ajoelhadas e subjugadas pelo martírio do capital à espera do tilintar da própria sorte.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

HOLOCAUSTO À BRASILEIRA: BOLSONARO APOSTA NO CAOS COMO PROJETO DE PODER

O Brasil se transformou em um verdadeiro pesadelo sem fim. Não há um dia de trégua para a lucidez mínima de quem sobrevive no Brasil, enquanto Jair Bolsonaro prossegue com a sua política de destruição massiva em todos os setores da sociedade. No vórtice da maior crise sanitária de todos os tempos, o país atingiu o incrível e macabro saldo de 8,5 milhões de contaminados e 210 mil mortos por COVID-19, em números oficiais do Ministério da Saúde. Diante deste genocídio, Bolsonaro faz de tudo para ampliar a extensão da pandemia e consegue mesmo diante dos inúmeros sepultamentos diários.

Sem contar as questões deficientes de logística e suprimentos para atendimento público aos contaminados pela COVID-19 por todo o país, resultado imediato da escassez de políticas coordenadas de combate à pandemia, o Brasil chegou até mesmo à monstruosidade da falta de oxigênio nos hospitais da cidade de Manaus.  Sintomaticamente, tal situação começa a se alastrar para outras capitais e cidades no interior do país. A sistemática e coordenada negligência do Governo Federal para desorganizar o atendimento público ao combate à pandemia é a política imposta por um genocida Ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, uma caricatura ambulante de um militar estúpido e fanfarrão que não passa de um fantoche das perversões assassinas de Bolsonaro.

A aposta de Bolsonaro é para o caos no país, daí a sua insana “política anti-vacina” e o impedimento de acesso às vacinas para imunizar toda a população. Bolsonaro e sua equipe de genocidas do Ministério da Saúde fizeram de tudo para atrasar todos os procedimentos para a vacinação em massa e colocou a ANVISA, agência de vigilância sanitária, no cabresto para dificultar ao máximo a concessão de aval para o uso emergencial das novas vacinas para combate à COVID-19. Outro exemplo da política em prol do holocausto à brasileira foi a questão da displicência para a compra de insumos para a produção de vacinas para abastecer os laboratórios nacionais.

Bolsonaro colecionou polêmicas absurdas com o governo da China para agradar o seu ídolo, o presidente estadunidense, Donald Trump. O resultado é a pouca atenção do governo chinês para a venda de insumos e produtos voltados para o tratamento e proteção contra a COVID-19 para o Brasil. Em meio à uma pandemia, a insanidade mundial diante da divisão internacional do trabalho é a dependência do planeta dos insumos farmacêuticos produzidos prioritariamente no parque industrial chinês. A desindustrialização mostrou o lado mais caótico da dependência brasileira aos mercados internacionais, em particular, a submissão à produção chinesa.

O caso das contendas estapafúrdias que Bolsonaro criou com o governo chinês, no campo da política externa, permitiu que o país se tornasse referência para piadas internacionais. A política externa bolsonarista fez com que a imagem do país tenha o mesmo nível daquilo que um gato enterra na areia. A recente história do Itamaraty, pautada por políticas externas com um certo pragmatismo da "Realpolitik" das Relações Exteriores, se transformou, mediante os milicianos de Bolsonaro, em uma casa de meretrício do sanatório povoada por alucinados irradiadores de ensandecidas teorias da conspiração e da visão deturpada da realidade. Curiosamente, ainda no plano internacional, no final de 2020, a “Organized Crime and Corruption Reporting Project” (OCCRP), uma plataforma de jornalismo investigativo, agraciou Bolsonaro com o título de “pessoa corrupta do ano de 2020”.

Diante do show de horrores patrocinado por Bolsonaro, eclodiu o velho oportunismo do governador de São Paulo, João Dória, em torno da "guerra das vacinas", visando apenas antecipar a corrida presidencial em 2022. Por sinal, o oportunismo sempre foi o estratagema de Dória que se elegeu na somatória grotesca da onda antipetista promovida pela grande mídia golpista e o espectro do bolsonarismo, usando à exaustão o patético slogan do “BolsoDória”. Diante do vácuo político da desorientada “oposição” à Bolsonaro, posando-se de mocinho no lançamento da campanha de vacinação "oficial" do estado de São Paulo, por sinal, que só existe na publicidade governamental, Dória é tão responsável pelo genocídio, mesmo tentando se fazer de “herói”, quanto o seu ex-ídolo e ex-aliado, Bolsonaro. Como toda a realidade brasileira, se transformou em um gigantesco espelho distorcido, apostando no desvario que assola a sociedade, entre a encenação do amor e do ódio, Dória se vende agora como o “anti-Bolsonaro”. Quem quer comprar esta embalagem vendida pelo caixeiro midiático do Palácio dos Bandeirantes, deve se atentar ao conteúdo impregnado de neoliberalismo nefasto e ao sorriso de cinismo sem nenhum pudor, das práticas políticas.

Ao contrário do que o senso comum possa inferir, o perverso Bolsonaro não é tão burro quanto parece. O mais escroto dos presidentes da “era democrática”, só se faz de boçal e promove o que sempre fez durante toda a sua vida inútil na Terra. É preciso deixar bem escancarada a política de promoção do holocausto à brasileira de Bolsonaro: promover o maior número de mortes possível, invocar a insanidade como plataforma política, ampliar a mentira e a desinformação para turvar o senso de direção da sociedade e, é claro, como um bom mafioso, proteger as práticas milicianas de sua família de psicopatas.

As perversas e genocidas elites econômicas desta nação que fizeram de tudo para derrubar a ex-presidente Dilma Rousseff, ainda toleram Bolsonaro somente devido às práticas genocidas da política do neoliberalismo suicida do tosco ministro da Economia, Paulo Guedes. Todavia, como era de se esperar, acreditar que a aplicação de políticas macroeconômicas diante de um país complexo como o nosso, seria o mesmo que administrar um boteco ou fazer algumas jogatinas de espertalhão em bolsa de valores, só poderia gerar retrocessos históricos e milhares de bocas famintas e adoecidas. Sedentas por lucros rápidos e fáceis, estas mesmas elites ainda não perceberam o quanto está sendo nociva ao desenvolvimento produtivo, a anti-política de Guedes, ao desestruturar os setores produtivos da economia industrial. Um sintoma desta passionalidade classista é a Rede Globo, histórica voz ativa das elites nacionais e responsável direta pelo golpe de 2016, condena a posição política de Bolsonaro em seus telejornais, mas não diz um pio quanto ao descalabro econômico de Guedes. 

Com uma desnorteada população cada vez mais exaurida pela pandemia, conformada com o oceano de doentes e mortos, desemprego estratosférico com ou sem algum auxílio para sobrevida, sem uma oposição política real e articulada, Bolsonaro aposta todas as suas fichas no caos e no golpismo para permanecer no cargo, com ou sem eleições em 2022. Não vamos nos iludir, pior do que uma pandemia avassaladora é ter um fascista no poder que ainda consegue cativar parte significativa do apoio popular, para seus projetos de irradiar um holocausto à brasileira.

Bolsonaro é um genocida que se orgulha de impor o caos sem pudor algum e o faz gargalhando. O monstro que as elites econômicas e seus papagaios neoliberais criaram precisa se detido o quanto antes: primeiro para salvar vidas, segundo para salvar a economia que chafurda na lama e em, terceiro lugar, evitar um conflito político sem precedentes em 2022. O circense 06 de janeiro de 2021, nos Estados Unidos, mostrou ao mundo como a extrema direita estadunidense pode ser destrutiva com sua coreografia de militantes bizarros, ao zombar de uma democracia festejada como a “suprema” do planeta. Com dores de cotovelo, após a derrota eleitoral que o impediu de ficar mais quatro anos no cargo, bastou o presidente Trump convocar sua horda de fanáticos da extrema direita para fazer zombarias no Capitólio. A lição do egocêntrico bilionário estadunidense foi dada: questionar o processo eleitoral, difundir mentiras sobre o voto popular, alucinar a matilha de apoiadores fanáticos com as mais delirantes narrativas e "deixar rolar a festa". O que vier será "lucro"! Assim como o seu onanístico ídolo Trump, Bolsonaro jamais teve o menor apreço à democracia e a qualquer coisa que faça algum sentido de realidade. Trump e Bolsonaro vivem em um mundo paralelo, narrado pela alucinação e perversão, agem como cães de guarda das gananciosas elites econômicas e rosnam contra os trabalhadores para se fingirem de fortes e se sustentarem no poder.

No Brasil, a situação será outra e bem pior, caso os episódios do Capitólio se reproduzam em terras de Pindorama no curso eleitoral de 2022, isto é, caso realmente haja eleições até lá, diante de um cenário completamente turbulento e com forte cheiro de esgoto golpista no ar. Vivemos sobre os escombros do golpe de 2016 e a ameaça ainda constante do fantasma de 1964 que ronda o imaginário fascista de muitos nostálgicos da alucinação política. No terreno onde vinga insegurança, medo e ódio, não há muito espaço para a sustentação das bases democráticas. Não foi à toa que um dia após a ANVISA liberar o uso emergencial da vacina que Bolsonaro fez de tudo para atrapalhar, diante de sua claque de fanáticos, soltando a seguinte pérola das catacumbas do golpismo para desfocar o sucesso midiático do seu desafeto, Dória: “Quem decide se o povo vai viver em uma democracia ou ditadura são as suas Forças Armadas. Não tem ditadura onde as Forças Armadas não a apoiam”. Em qualquer país que desse alguma mínima dignidade à democracia e à Constituição, Bolsonaro teria sido varrido do poder com tais declarações públicas, mas no Brasil, anestesiado pelos constantes golpismos, tudo foi encarado como mais uma pirraça de Bolsonaro.

Um dos fatos mais estarrecedores da fragilidade democrática brasileira foram as atuações midiáticas tão descontroladas do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Congresso Nacional para aplicar o farsante impeachment contra Dilma Rousseff, em 2016. Todavia, agora, apesar de todas as atrocidades genocidas de Bolsonaro, ambos os poderes fingem que nada acontece no país e a ação dos seus integrantes fica somente em algumas ponderações oscilantes para satisfazer a imprensa e a opinião pública! A conta do holocausto à brasileira também precisa ser cobrada em cima destes dois poderes que atuam esmagando a Constituição em 2016 e, agora, fazendo o mesmo com a permissividade do judiciário e do parlamento diante dos diversos crimes de responsabilidade de Bolsonaro. Passou da hora do processo de impeachment estancar a sangria bolsonarista em um país que debochou da sua própria democracia e deu margem para que 57,8 milhões de pessoas entronassem um genocida ao poder. É fundamental barrar Bolsonaro e sua milícia de assassinos e fanáticos que promovem a morte, rompendo qualquer fronteira com a sanidade civilizacional.

Nada é seguro de fato neste país, exceto a certeza que a sociedade brasileira perdeu o rumo e não mais consegue se encontrar. A situação nacional é turva, perigosa e genocida. Passamos de todos os limites civilizacionais e assistimos, diante da televisão, as pessoas morrerem sufocadas em hospitais, simplesmente, por causa de uma política proposital de extermínio em massa. Não há outro caminho: Bolsonaro e sua milícia precisa ser barrado, ou seguiremos passivos e desnorteados a contabilizar desgraçadamente os mortos. Impedir Bolsonaro de destruir ainda mais o país é uma desesperada tarefa de sobrevivência para a grande maioria dos brasileiros.


quinta-feira, 31 de dezembro de 2020

CRÔNICA DE UM ANO PARA NÃO SER ESQUECIDO

 

Fazer um “balanço de final de ano" é como jogar daquelas partidas de futebol onde o time de tão fraco, só espera não ser goleado e o empate, como dizia a anedota atribuída ao folclórico ex-técnico e jogador, Mário Jorge Lobo Zagallo, já seria um bom resultado. Mas o que dizer de um ano tão destrutivo e desalentador como foi o de 2020?

Primeiramente, uma coisa é certa: quando se aposta no erro, o resultado não poderá ser outro, senão a consagração da lambança! Nada repercutiu mais em nossas vidas do que um vírus que alterou nossos comportamentos, atitudes e escancarou o que tem de pior nos seres humanos: o novo coronavírus causador da famigerada COVID-19. Muitos de nós já estamos exauridos de ouvir falar do vírus que ceifou milhões de pessoas pelo mundo e nos nossos arredores. Porém, ignorar o vírus não faz ele e seus efeitos desaparecerem diante dos nossos olhos entediados. No nosso Brasil que enfrenta a pandemia com a resistência de um prego fincado na gelatina, se encontra hoje na vice-liderança mundial tanto em número de contaminados, quanto em número de mortos. Parabéns pela nossa incompetência e descaso governamentais! Tudo que foi feito para dar errado, simplesmente, deu errado! Incrível, não é? A pergunta que muitos fazem com menosprezo diante de números alarmantes de contágios e óbitos: “E daí?”.

Em segundo lugar, o que mais impressiona em momentos de crise é o que define qual nível de singularidade de sociedade vivemos e elaboramos nossas ações. O comportamento diante de situações adversas diz mais sobre o sujeito do que a narrativa que ele elabora sobre si mesmo. As famílias ficaram de alguma forma mais distanciada uma das outras, os rostos ficaram mais mascarados do que habitualmente e agregados com novos hábitos de conduta pessoal e coletiva. Desde as primeiras mortes até hoje, as pessoas tomaram algum tipo de medida de proteção individual ou, simplesmente, o abuso da cristalina indiferença ou negacionismo sobre os fatos. Nestes detalhes tão peculiares, os aspectos comportamentais orientam os laços sociais que interagem nos agrupamentos humanos. Neste contexto, outra pergunta que merecemos fazer: “Qual é o papel social de cada um diante do outro?”.

Em terceiro lugar, em um mundo cada vez mais frágil de elementos que sustentam simbolicamente a condição humana, como é possível caminhar e ter a coragem de não fraquejar diante das intempéries? Em momentos de epidemias, a morte é mais presente no imaginário popular. A reação à ela oscila entre a paranoia, o ceticismo e o sarcasmo. A visão que cada um tem sobre seus íntimos valores morais constitui a amálgama que irá fomentar a ação do sujeito perante a iminência da morte. Em uma sociedade que assiste mortes diárias por uma doença como a COVID-19, cada dia que se passa, a comoção se dilui e o que incomodava vira coisa rotineira. Nós temos a incrível capacidade de adaptação às mais diferentes situações.  Aceitamos com mais passividade uma situação degenerada do que buscarmos imprimir uma mudança significativa à ela.

Em quarto lugar, a rebeldia se mostra como uma brincadeira de criança e a posição de mudança social virou apenas um novelo romântico todo amontoado e embolorado. O nível de rebeldia hoje se dá na transgressão dos costumes dos comezinhos moralistas e não as grandes transições sociopolíticas. Em tempo de COVID-19, por exemplo, jovens aceitam ouvir qualquer coisa que emite ruído sonoro em festas clandestinas (ou não) em plena pandemia para se contaminarem e levarem o vírus aos seus familiares. Outra postura curiosa é recusar usar máscara de proteção individual ou usá-la, propositadamente, de modo incorreto colocando-a como se fosse um elemento de “fraqueza” ao exibir sua condição de “protegido”. Percebe-se que a transgressão se transformou em um elemento de bricolagem de um narcisismo infanto-juvenil e não mais de um agregador de desejos substanciais de mudança social.

Por fim, o quinto tópico a ser destacando se reduz no gozo da perversão que aflora em sociedades fragmentadas e não conseguem construir verdadeiros laços de solidariedade. O individualismo se tornou hoje um elemento patológico, fanatizado e autodestrutivo. Valores para além do ego do sujeito são satirizados em nome do mundo do próprio umbigo. A ação hedonista dos sujeitos aglomerando-se em praias, bares e ruas em plena pandemia expôs o nível da barbárie que a negligência do Poder Público patrocina numa sociedade cujos valores festejados são plasmados na ganância, no nível de autossatisfação imediata e na indiferença perante os projetos coletivos sociais. Neste ambiente, os lações sociais viram apenas adesismos oportunistas de uns com os outros impregnando uma fragilidade no tecido social tão volátil que tem duplo impacto no sujeito: o vazio existencial individualizado e a depreciação das relações sociais.

Nesta atmosfera, diante das fragilidades dos laços sociais e da alteridade, não é de se espantar que o país, voluntariamente, em 2018, entronou na presidência um ser tão grotesco, ignorante e abjeto para representar uma nação que se encontra em transe coletivo desde 2013.  Logo, diante do fatídico ano de 2020, não podemos nós dar o luxo de esquecer suas nefastas consequências: adentramos no abismo que construímos com ignorância, estupidez e violência diante de um teatro de absurdos consagrados como “verdades” postuladas na mídia e em redes sociais.

Vamos ser bem sinceros e objetivos: Não, não foi nenhum microrganismo como um vírus pandêmico que causou tantos destroços em nossa sociedade, mas nossa própria incapacidade de nos constituirmos como espécie humana perante a complexa arquitetura social. A ação virótica do vírus é de alta destrutividade, mas a organização de uma sociedade primada pela naturalização das disparidades sociais é mais letal do que qualquer doença contagiosa. Ao abandonarmos os mínimos valores que regem a organização social com solidariedade, igualdade socioeconômica e espírito crítico, aceitamos um horizonte de desgraças e, pior ainda, não nós responsabilizamos por nossas próprias ações sejam elas pessoais ou coletivas.

O ano 2020 foi tragicamente exemplar. Nossas feridas ficaram todas expostas, além de nossas ignorâncias, nosso desapreço com a vida alheia, nossas fragilidades e monstruosidades subjetivas e objetivas enquanto sujeitos sociais. Naturalmente, temos que fazer justiça: assistimos também a grandiosa ação de trabalhadores heroicos anônimos que dignificaram a insensata condição humana na batalha pela vida daqueles que estiveram e estão na linha de enfrentamento da epidemia, seja em recintos hospitalares, seja em ambientes que possibilitaram a manutenção da necessária sociabilidade. Certamente, são estes os bravos trabalhadores que merecem todo o respeito social e não patéticos “ídolos pop” que exaltam boçalidades na mídia e nas redes sociais. Exaltemos a luta daqueles que batalham contra o vírus e não aqueles ignóbeis que ajudam o vírus a proliferar!

Afinal, o que podemos aprender com tudo isto? Ao olharmos ao espelho e compreendermos a respeito da nossa finitude e fragilidade diante da vida será o iniciar de uma longa e tortuosa jornada por nossas mais íntimas percepções. Somos sujeitos sociais e elaborados diante de uma sociedade que disfarça com muita rapinagem os mecanismos ideológicos que transformam seres humanos em narcísicas marionetes sociais autofágicos que pouco acreditam em si mesmos e no sentido da própria vida.

Em 2020 eclodiu o que há de pior em nosso meio social, mas podemos fazer diferente disso?  A resposta é sempre positiva diante das possibilidades transformadoras da razão, da sensibilidade, da alteridade e do vigor do espírito criativo do ser humano, mas a questão central é: será que queremos ser melhores do que realmente nos esforçamos para nos degenerarmos com tanta displicência suicida? 

 

sábado, 21 de novembro de 2020

OPIÁCEOS E OUTROS BICHOS

Ao elegermos "inimigos" genéricos e imaginários, aparentemente invocamos uma batalha a ser travada com algum horizonte de vitória.

Apaziguar a alma em desencanto e sedenta de respostas para as angústias insolúveis. Porém para tanta ilusão, falta o substrato da realidade.

Elaborar "inimigos" é uma forma de sustentar a incapacidade de entender o mundo e gozar com a ignorância.

As guerras se travam para além das aparências. Na terra da subjetividade, a verborragia impera impondo o discurso do irrealismo passional!

A norma da inação é a construção de um arcabouço onde nossos medos se escondem e vaza, entre os poros, do inconsciente coletivo um primitivismo tão sedutor quanto destrutivo.

Para o sujeito, desprovido de uma consciência de classe e de mundo, sobra espasmos irrealistas e reducionistas de uma sociedade desigual e injusta que opera tanto pelo material, quanto pelo simbólico/imagético. O buraco segue logo após os espasmos da aparência.

O mundo não dá espaço para a essência e constitui o seu calabouço com suas imagens ideológicas, simbólicas e persuasivas.


terça-feira, 17 de novembro de 2020

O BRASIL PLASMADO NAS URNAS: UM BREVE BALANÇO DAS ELEIÇÕES NA PANDEMIA


Em meio à maior crise sanitária de todos os tempos, o Brasil resolveu insistir em fazer a manutenção do processo eleitoral municipal e ignorar os quase seis milhões de contaminados pelo novo coronavírus, Sars-Cov-2. Na mesquinhez da vida cotidiana bancada por uma elite insensível ao sofrimento da grande maioria da população, os interesses políticos imediatos se tornam superiores aos das vidas humanas. As eleições foram decorrentes de grandes aglomerações, com candidatos em campanha ao longo das últimas semanas e da movimentação deste domingo eleitoral.  Com o final do primeiro turno, as eleições na pandemia mostraram alguns sintomas que serão pontuados a partir de um breve esboço do panorama da política nacional do ponto de vista da arquitetura de poder constituído pelos municípios. Em todo o país, com máscara, álcool em gel e título na mão, o eleitor foi fazer a sua escolha de prefeitos e vereadores, marcando elementos norteadores de algumas considerações sobre a política imediata brasileira.

O primeiro ponto, no quadro nacional, notadamente, o grande perdedor foi Jair Bolsonaro. Com exceção do Rio de Janeiro e Fortaleza, os candidatos apoiados por Bolsonaro não decolaram em nenhuma outra capital. Os casos do Rio de Janeiro e Fortaleza, os candidatos bolsonaristas foram para o segundo turno das eleições de forma sofrível e baixa votação que se esperava de antemão. Muitos dos candidatos apoiados por Bolsonaro, como Celso Russomano, em São Paulo, esconderam ou disfarçaram, ao longo da campanha, o apoio dado daquele que foi o maior responsável pelas 165 mil mortes por COVID-19 neste país. Dois anos após a grande explosão do eleitorado extremista de direita que impulsionou a escolha de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, a questão mais importante desta eleição é o fato das candidaturas ligadas à extrema-direita demonstrarem estar em aparente refluxo eleitoral no país. Em 2020, o resultado das urnas mostrou uma perda de fôlego destas candidaturas que apoiam o extremismo político como forma de ampliar o primitivismo da sociabilidade brasileira. Todavia, isto não significa que teremos tempos com ares democráticos para os próximos pleitos.

Apesar desta perda de fôlego das candidaturas extremistas, observou-se, em segundo ponto, ainda na onda das eleições de Bolsonaro e sua truculência fascistizante refletida nas eleições de 2018, o ressurgimento de diversas candidaturas de militares, forças integrantes de polícias, delegados, juízes e militantes ligados às demandas da segurança pública. Diante da guinada ultraconservadora no debate político em parcela significativa da sociedade, tais candidaturas tiveram grande visibilidade e, como se previa, foi quase nulo o real debate político. Este é um nicho que irá perdurar enquanto ainda tiverem fôlego os estratagemas bolsonaristas, na sociedade. Fato preocupante é os principais partidos de esquerda, PT e PSOL, oferecerem este tipo de candidatos para o eleitorado, como é o caso da esdrúxula candidatura petista da Major Denice, em Salvador.

O terceiro ponto, a onda identitária ampliou-se ainda mais nesta eleição. Em nome de uma maior representatividade, foram promovidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as cotas partidárias para impulsionar “candidaturas negras”. Contudo, de forma genérica, em nome da representatividade, houve uma oferta dessas candidaturas e que tornou o debate da política mais maniqueísta, com a construção de um falso “trade off” entre negros versus brancos. Do ponto de vista da estratégia política, com a onda identitária forte, da esquerda à direita, muitos candidatos reivindicaram o misticismo da “ancestralidade negra” para si, em busca de se colocarem como herdeiros transcendentais da tradição da “cultura negra”. Com tal estratégia bem definida, tais candidaturas buscaram angariar simpatia e votos para uma causa que, na prática, se tornou recurso de um discurso unilateral e personalista. Na esteira das identidades, não faltou a exaltação à “força da mulher”, com as candidaturas “feministas” e, além delas, as candidaturas “transgêneras”. Apesar de corresponder a 50,6% da população brasileira, a questão da candidatura das mulheres merece destaque quanto à participação do percentual de prefeituras conquistadas, 12,2% somente no primeiro turno, conforme dados do TSE.

No quarto ponto, é perceptível uma onda de pessoas que ingressam na política, buscando lentamente substituir elementos mais conservadores. Há uma tendência de algumas democracias ocidentais colocarem estes novos atores para administrarem o capital. Um exemplo patente desta premissa foram as eleições estadunidenses e, por sinal, com reflexos no Brasil, onde as candidaturas identitárias que se inspiram em ideologias neoliberais, ganham visibilidade social e são patrocinadas tanto pela grande mídia, quanto pelos grandes grupos empresariais fomentadores de campanhas eleitores. Vale lembrar que o simples fato destas candidaturas estarem reunidas em partidos de esquerda, não quer dizer que tais candidatos comungam de ideias mais pertinentes a uma esquerda clássica, com bases marxistas.

No quinto ponto, observa-se uma eleição paradigmática em São Paulo. Apoiado pelo governador João Dória, o atual prefeito, Bruno Covas, foi para o segundo turno, com quase um terço dos votos válidos e disputará a prefeitura com Guilherme Boulos, do PSOL. Fato pertinente foi o mísero percentual de um pouco mais de 8% do leniente candidato do PT, Jilmar Tatto. Com erros estratégicos grotescos, em São Paulo, o PT amargou a pior votação dos últimos tempos na capital paulista, cidade esta que o partido governou em três mandatos: com Luiza Erundina (1989-1992), Marta Suplicy (2001-2004) e Fernando Haddad (2013-2016). Sem buscar uma coalização com os partidos de esquerda na capital paulistana, PT e PSOL disputaram os votos do eleitorado. Boulos, com mais carisma midiática do que o insosso Tatto, logo ganhou musculatura em sua candidatura e angariou tanto os votos do eleitorado petista e simpatizantes do partido, quanto o campo mais progressista não-atrelado ao petismo. Com pouco mais de 20% dos votos válidos, Boulos consolidou-se como uma liderança ascendente na política paulistana à esquerda. Todavia, caso deseje, de fato, ganhar a prefeitura da conservadora São Paulo, terá a missão de se distanciar das querelas identitárias de uma classe média, pretensiosamente ilustrada, do seu partido e voltar-se ao campo da realidade, buscando votos das periferias e dos trabalhadores.

O sexto ponto poderá ser observado na fragmentação da unidade das esquerdas. Tanto em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro, a desunião das esquerdas foi flagrante. No caso do Rio de Janeiro, Benedita da Silva do PT e Renata Souza do PSOL, naufragaram suas candidaturas em disputas fratricidas. Em São Paulo, nem mesmo a direção do PT acreditava que Tatto fosse para o segundo turno e, mesmo assim, insistiu com a candidatura, numa cena vexatória em termos de eleições majoritárias. Sem nenhum aceno real à candidatura de Boulos, o próprio PT contribuiu para sair do protagonismo do atual momento político. Há um saldo positivo em meio ao caos eleitoral para o PT, em ternos de votos para a vereança, onde conseguiu ter a liderança em número de votos e ainda obteve a honraria de ter o veterano Eduardo Suplicy como o vereador mais votado de São Paulo.  

O sétimo ponto desta análise, no calor do momento, visa a eleição em aberto para a presidência em 2022. Apesar da derrota sensível das alas bolsonaristas nas eleições deste ano e a perda de popularidade e de rumo do seu governo, Bolsonaro segue com uma parcela fiel do eleitorado que, atualmente, se encontra em um percentual de 30%, segundo pesquisas mais recentes. Importante destacar que os principais partidos da órbita da extrema-direita com laços estreitos com o bolsonarismo, segundo dados consolidados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de prefeitos eleitos no primeiro turno, tem-se o PSL, o Republicanos, o PSC, o Patriotas e o PRTB que, juntos, conquistaram cerca de 8,6% das prefeituras do país. Todavia, é importante destacar a ampliação das prefeituras do conjunto destas cinco siglas que passaram de 244 prefeituras em 2016, para quase o dobro, 467, em 2020.

A partir deste percentual, o oitavo ponto se revela com grande preocupação e requer maior atenção. O campo das esquerdas, aqui destacando os três principais partidos com representação na Câmara dos Deputados e na conquista de prefeituras: o PT, o PSOL e o PC do B, juntos conquistaram 229 prefeituras somente no primeiro turno destas eleições (sem a necessidade de um segundo turno), em um total de 5400 municípios. Este percentual significa apenas 4,2% de todo o conjunto dos municípios. Um aspecto é o recuo de 32% no número de prefeituras deste conjunto, o qual passou de 337, em 2016, para 229, em 2020. Somente o PT perdeu 75 prefeituras entre 2016 e 2020, ou seja, um recuo de quase um terço do seu mapa de administração nacional de municípios. Por outro lado, o crescimento das prefeituras conquistadas pelas siglas da extrema direita bolsonarista é significativo e representa praticamente o dobro das siglas à esquerda do espectro político. Tais números demostram os desafios de romper a bolha de mediocridade e conformista que se instalou no pensamento de esquerda brasileira atualmente. Em 2018, a subestimação da ascensão de Bolsonaro foi um exemplo da falta de estratégia do campo das esquerdas e do campo mais progressista. A decorrência de erros estratégicos que já datam desde 2013, diante dos protestos de inverno capturados pela direita, a qual culminou na derrubada da presidente Dilma Rousseff, possibilitou a maior ascensão do populismo da extrema direita da história do país. O reflexo da escalada do bolsonarismo da extrema direita no Brasil refletiu na explosão do número de assassinatos de candidatos nas eleições deste ano no país. Este ponto merece ser analisado com maior refinamento em outra oportunidade.

Um nono ponto que merece ser observado é o número de votos não válidos, ou seja, a somatória de abstenções ou ausentes, brancos e nulos. O reflexo direto da pandemia se fez presente nestes números, além do desinteresse popular pelas eleições. No Brasil, segundo o TSE, este percentual foi de 30,57% e, em particular, na cidade de São Paulo, 40,59%. Em termos comparativos, este número é deveras alarmante na cidade paulista, posicionando-a na primeira colocação geral entre os candidatos concorrentes à prefeitura, no pleito deste domingo, 15 de novembro. Trocando em miúdos, o grande vencedor das eleições em São Paulo foi o conjunto das abstenções, brancos e nulos!

E por fim, chega-se ao décimo ponto. O grande vencedor dessas eleições foram os partidos tradicionais da direita (MDB, PP, PSD, PSDB, DEM, PL e PTB) que juntos somaram 3417 prefeituras somente no primeiro turno das eleições de 2020. Número tão expressivos que corresponde a 63% de todos os municípios brasileiros! Diante desta realidade, a questão central é a escolha de um candidato aglutinador e que possa ampliar a massa de votos e ser competitivo para conquistar o eleitorado para a esperada sucessão de Bolsonaro.

Observando os dez pontos em destaque, sobressai-se uma predominância que ficou explícita ao logo da batalha do primeiro turno das eleições de 2020: nenhuma candidatura “puro sangue”, ou seja, totalmente composta por candidatos (titular e vice), no campo das esquerdas, sagrou-se vencedor em nenhuma cidade política ou economicamente com relevância no cenário nacional. Mais do que nunca, para o campo da esquerda e dos setores mais progressistas, é hora de baixar o salto da prepotência e ampliar a análise da conjuntura tendo em vista o arco de alianças políticas, caso deseje derrotar o desgoverno fascistóide de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

Dentro de alguns dias, teremos o segundo turno das eleições com 57 cidades, incluindo 18 capitais, para definirem seus prefeitos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. São cidades com maior aporte populacional, político e econômico e, por sua vez, merecerá uma análise mais pormenorizada e, posteriormente, será elaborada e divulgada.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

AS PRIMEIRAS PALAVRAS DE BIDEN

 


Após hollywoodiana ansiedade do desconexo processo de apuração de votos, a noite deste sábado, 07 de novembro, registrou o primeiro discurso do democrata Joe Biden como presidente eleito nas urnas. Conquistando os votos dos chamados "estados-pêndulos" (sem uma direção sistemática para qual seus eleitores votam, seja democrata ou republicano), Biden assegurou os votos necessários para a conquista do Colégio Eleitoral. Por sinal, desde o dia oficial do início da votação em 03 de novembro, diante de um sistema eleitoral confuso e ultrapassado, ainda não foram contabilizados os votos integralmente devido aos votos provenientes do correio. Nos Estados Unidos, há uma tradição singular que o eleitor pode fazer uso do mecanismo do voto pelo correio!

Com mais de 75 milhões de votos assegurados, um recorde histórico, em tom conciliador, centrado e conservador, Biden fez seu primeiro pronunciamento com otimismo e agradeceu aos familiares, seus apoiadores de campanha e exaltou a sua vice-presidente, companheira de chapa, Kamala Harris.  Foi mais protocolar do que a situação exigiria, mas Biden sempre foi da cepa conservadora do Partido Democrata.

Ciente que o processo eleitoral acirrado aprofundou as rachaduras imanentes na sociedade estadunidense, Biden afirmou que irá trabalhar para unir o país e será o presidente de todos os estadunidenses, independente de quem votou nele. Um recado explícito para tentar acalmar os ânimos dos eleitores mais afoitos e agressivos do derrotado extremista, Donald Trump. Por falar do atual presidente que fracassou nas urnas na sua tentativa de reeleição, Trump ainda não reconheceu sua derrota e afirmou que irá entrar na justiça contra a contagem dos votos. Além de um chauvinista canastrão, Trump é incapaz de reconhecer seus erros e derrotas, expondo o seu país aos vexatórios abalos institucionais!

Buscando pela prudência, a razão científica e humanitária, Biden lembrou dos mortos pela COVID-19 (o país é o atual campeão mundial de contaminados e com 240 mil mortos) e prometeu ação enérgica para conter a pandemia, assim que assumir o seu mandato, em 20 de janeiro de 2021.

Biden sabe que herdará um império em franca decadência e, drasticamente, piorou com herança da desastrosa administração Donald Trump. A perda de liderança ficou exposta na crise da pandemia do novo coronavírus a qual Trump se limitou ao papel obscurantista e irresponsável de negar a gravidade dos fatos, ter ações atabalhoadas para enfrentar a situação catastrófica, espalhou mentiras até mesmo por via do seu Twitter pessoal, comprou briga com governos locais que buscavam conter a doença e se confrontou sistematicamente com a direção e os cientistas da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O tom do discurso de Biden foi de um retorno ao "orgulho americano" e de um futuro presidente que fará de tudo para reconstruir o protagonismo derretido internacionalmente do seu país. O mundo está bem diferente de quando os Estados Unidos se mostraram como astutos "grandes vencedores" da Guerra Fria com a diluição da antiga potência-rival, a União Soviética, no início dos anos 1990. Em um planeta multipolar com a China, a Rússia e a União Européia como consolidados líderes regionais e globais, o planeta está cada vez menos dependente da influência política e econômica dos Estados Unidos.

O mandato de Biden será decisivo para o futuro do império estadunidense e quais as relações efetivas que os Estados Unidos farão com o planeta. Não adianta nutrir grandes ilusões: Biden foi eleito para governar em prol dos estadunidenses e será para o seu país que os interesses se voltarão no complexo tabuleiro da  política internacional. Traduzindo em linguagem usual: o que será bom aos Estados Unidos não significará, necessariamente, que será bom para o mundo.

Nada é tão simples neste lamaçal que se transformou explicitamente a democracia estadunidense. Lembrar ainda que a extrema direita, com seus grupos milicianos armados, segue ainda bem articulada e Trump, mesmo perdendo a eleição, conquistou o fantástico eleitorado de 71 milhões de votos! A sua legião de admiradores extremistas segue com uma fé inabalável nas escrotices oriundas da boca inescrupulosa de Trump. Nada é tão trivial e não será uma eleição confusa, como a que foi registrada, que irá apaziguar a situação tão repentinamente. O fascismo e suas variantes autoritárias são como uma erva daninha, ao se destruir algum nicho reaparecerá novamente com mais vigor.

Contudo, uma nova era se abrirá nos Estados Unidos do futuro presidente Biden. Deverá ser inaugurado um momento de sutura política e institucional interna com um recuo da escalada autoritária da extrema direita liderada por Trump e, quem sabe, a possibilidade de ares um pouco mais democráticos para inspirarem as cambaleantes democracias a resistirem à tentação fascista ao redor do globo. O futuro está sempre em aberto e a História, inevitavelmente, precisará ser escrita. A esperança é sempre uma boa companheira, porém a prudência permanece como a melhor conselheira.

 

(Wellington Fontes Menezes)

 

UM MERGULO EM QUEDA LIVRE NA LOUCURA EXTREMISTA DOS ESTADOS UNIDOS: SOBRE O VIGARISTA FASCISTINHA ESTADUNIDENSE ASSASSINADO E A CARA DE PAU DO "LOBBY FASCISTA"

  Na mesma semana a qual Jair Bolsonaro é condenado por formação de quadrilha golpista, um psicopata-mirim, provocador desonesto e espertalh...