sábado, 26 de setembro de 2020

QUANDO O ATIVISMO CEGO FAZ UM PÉSSIMO USO DA PSICANÁLISE

 


Quando o uso da Psicanálise se presta a um desnecessário papel de colocar mais areia no vendaval das orgias identitárias neoliberais, o resultado é a defesa do que não se compreende bem e, ao que parece, evita fazer tal trabalho.

Há uma confusão deliberada, em particular, no campo das esquerdas, entre o desejo do sujeito e o papel da consciência de classe, no insosso debate público, em plena desconstrução da razão em tempos de fascistização social.

O fetiche de uma suposta "descolonização do pensamento" (seja lá o que for isso!) faz o demagógico convite para um reencontro místico onde toda a verdade se encontra no narcisismo do sujeito e não na realidade material e historicamente construída.

Sigmund Freud que sempre foi um pensador do inconsciente da sociedade burguesa e que elaborou, com maestria, a difícil arte da subjetividade com a realidade, agora é invocado como defensor desta bricolagem pós-moderna de egos inflamados pelas leis do mercado de consumo! Uma operação falaciosa para descaracterizar o fundador clássico da Psicanálise. Não contente apenas com Freud, Jacques Lacan também foi colocado nesta barcaça furada.

Os ataques à razão seguem em nome de uma suposta "desconstrução moral e social", onde a responsabilidade das desigualdades sociais é destituída das opressões da sociedade de classes, para uma sociedade de moralistas do desejo narcisista. O elemento privado se torna o elemento público e é fundido numa operação que não tem mais fronteiras. O real e o simbólico se encontram no mesmo patamar e todo o saber historicamente construído é descartado, para dar vazão à pueril narrativa do sujeito.

Os estereótipos ganham vazão em todos os sentidos: seja para alimentar o mercado das múltiplas identidades de acordo com o desejo do cliente, seja para vociferar contra o malvado e genérico "homem branco hétero". A fantasia do parque de diversões identitárias é tão inesgotável quanto a capacidade do capitalismo em criar nichos de mercado.

O neoliberalismo que passou da esfera econômica nos anos 1970, atravessou o campo político e social e, agora, atinge o âmbito da cultura e do cognitivo. Nesta lógica panaceica, bastaria "empoderar o sujeito", um miraculoso empreendedor de si mesmo, para dar vazão às suas vicissitudes fetichistas e narcísicas e, por magia do inconsciente, todos os problemas estarão resolvidos.

O mundo das identidades descoladas da realidade é o da fantasia do ego à serviço da alienação do capital. O fetiche do "descolonizar o pensamento" é o novo bordão pós-moderno de aderir à onda anti-intelectual, negacionista e revisionista, o qual já está fazendo seus estragos sociais. Por sinal, estes são alguns dos estratagemas usados no campo dos neofascistas!

A Psicanalise é um pertinente instrumento de auxílio para a análise sociológica, porém ela não deve ser capturada por ativismos cegos, sem fazer as devidas reflexões dialéticas das relações que vão além de um psiquismo individualista e refém dos próprios desejos.


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