Quando o uso da Psicanálise se presta a um desnecessário papel de colocar mais areia no vendaval das orgias
identitárias neoliberais, o resultado é a defesa do que não se compreende bem
e, ao que parece, evita fazer tal trabalho.
Há uma confusão deliberada, em
particular, no campo das esquerdas, entre o desejo do sujeito e o papel da
consciência de classe, no insosso debate público, em plena desconstrução da
razão em tempos de fascistização social.
O fetiche de uma suposta
"descolonização do pensamento" (seja lá o que for isso!) faz o
demagógico convite para um reencontro místico onde toda a verdade se encontra
no narcisismo do sujeito e não na realidade material e historicamente
construída.
Sigmund Freud que sempre foi um
pensador do inconsciente da sociedade burguesa e que elaborou, com maestria, a
difícil arte da subjetividade com a realidade, agora é invocado como defensor
desta bricolagem pós-moderna de egos inflamados pelas leis do mercado de
consumo! Uma operação falaciosa para descaracterizar o fundador clássico da
Psicanálise. Não contente apenas com Freud, Jacques Lacan também foi colocado
nesta barcaça furada.
Os ataques à razão seguem em nome de
uma suposta "desconstrução moral e social", onde a responsabilidade
das desigualdades sociais é destituída das opressões da sociedade de classes,
para uma sociedade de moralistas do desejo narcisista. O elemento privado se
torna o elemento público e é fundido numa operação que não tem mais fronteiras.
O real e o simbólico se encontram no mesmo patamar e todo o saber historicamente
construído é descartado, para dar vazão à pueril narrativa do sujeito.
Os estereótipos ganham vazão em todos
os sentidos: seja para alimentar o mercado das múltiplas identidades de acordo
com o desejo do cliente, seja para vociferar contra o malvado e genérico
"homem branco hétero". A fantasia do parque de diversões identitárias
é tão inesgotável quanto a capacidade do capitalismo em criar nichos de
mercado.
O neoliberalismo que passou da esfera
econômica nos anos 1970, atravessou o campo político e social e, agora, atinge
o âmbito da cultura e do cognitivo. Nesta lógica panaceica, bastaria
"empoderar o sujeito", um miraculoso empreendedor de si mesmo, para
dar vazão às suas vicissitudes fetichistas e narcísicas e, por magia do
inconsciente, todos os problemas estarão resolvidos.
O mundo das identidades descoladas da
realidade é o da fantasia do ego à serviço da alienação do capital. O fetiche
do "descolonizar o pensamento" é o novo bordão pós-moderno de aderir
à onda anti-intelectual, negacionista e revisionista, o qual já está fazendo
seus estragos sociais. Por sinal, estes são alguns dos estratagemas usados no
campo dos neofascistas!
A Psicanalise é um pertinente
instrumento de auxílio para a análise sociológica, porém ela não deve ser capturada
por ativismos cegos, sem fazer as devidas reflexões dialéticas das relações que
vão além de um psiquismo individualista e refém dos próprios desejos.
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