domingo, 13 de setembro de 2020

A INTOLERÂNCIA DO CAPITAL À DEMOCRACIA

 

É uma ilusão acreditar na possibilidade de um capitalismo "livre", convivendo com o ideal de uma democracia robusta e plena. O cenário que vem se mostrando ao mundo é o de uma violenta reacomodação dos interesses dos capitalistas após a crise de 2008. Sintoma desta situação é o ressurgimento com grande força de uma onda de partidos políticos e líderes populistas de direita pregando capitalismo ultraliberal e, particularmente, o fim de direitos trabalhistas.

O fundamentalismo religioso e o irracionalismo culturalista são estimulados, tal como a onda das "identidades" que inventam uma miríade de sexualidades, alimentam um histrionismo egocêntrico do indivíduo contra valores coletivos e fantasiam míticos discursos étnicos de surreal ancestralidade, aos moldes dos contos da Carochinha.

Diante desta onda de retrocesso da razão e com a imposição autoritária, deve-se lembrar do refluxo dos partidos de esquerda na ação política e dos governos progressistas no continente americano. Casos mais notáveis são  dos Estados Unidos,  Brasil e Bolívia.

A subida do bilionário estadunidense, Donald Trump, ao poder, deu uma guinada radical na agenda reacionária de Washington. Foram poucos os presidentes dos Estados Unidos que falaram tão escancaradamente contra direitos dos cidadãos do próprio país e abusaram de atitudes autoritárias, tal como Trump. O cenário internacional refletiu a agenda ultraconservadora de Trump e, por sua vez, contribuiu para muitos políticos populistas de direita conquistarem cadeiras nos parlamentos e, diretamente, nos centros de poder executivo de seus respectivos países.

Na onda de Trump, temos o trágico caso brasileiro. Após o golpe de Estado de 2016, que derrubou a presidenta Dilma Rousseff, a sequência catastrófica da fragmentada democracia brasileira, em 2019, seguiu com a ascensão de uma junta miliciana de um inédito jaguncismo fascista de massiva popularidade, galgando ao poder. Na corrida eleitoral de 2018, ocorreu, por via de um fraudulento processo jurídico, a retirada do principal candidato das esquerdas e líder das pesquisas de intenção de voto, Lula da Silva, à presidência do Brasil. Sem um nome de consenso para a disputa eleitoral, um velho e medíocre político ultraconservador da extrema direita, Jair Bolsonaro, com a candidatura fascista foi eleito.

Em 2018, o então presidente Evo Morales, na Bolívia, ligado originalmente aos povos indígenas daquele país, foi derrubado com a subida de fascistas paramilitares religiosos, por via de um violento golpe de Estado.

Em todos os casos, contaram com a destacada anuência da justiça dos respectivos países. Um dos braços mais ativo da onda autoritária, o Poder Judiciário, participa com poder quase ilimitado, dentro das forças tripartites da República, tomando conta dos demais poderes, sempre com a justificativa da moralidade e a falaciosa sacrossanta missão do "combate a corrupção".

Utilizando-se apelos moralistas irracionais e angariando apoio das burguesia locais, os  fascismos, em diferentes estirpes, ganharam discursos, estratagemas, corpo, militantes e simpatizantes e, por fim, adentram nas democracias locais para impor uma ordem de subserviência aos donos do capital e à supressão de direitos trabalhistas e civis, eclipsando o horizonte da liberdade e da real justiça social.

A crise da democracia, ao redor do mundo, reflete a mudança da tolerância dos capitalistas aos regimes políticos. A construção democrática é um tear sempre muito complexo,  que pode, ou não, atender aos anseios mais imediatos dos capitalistas.

Apesar da complexidade dos fatos políticos, é pertinente ressaltar que as duas trágicas guerras mundiais do século XX tiveram, essencialmente, motivações econômicas movidas pelos interesses dos grandes capitalistas. O capitalismo nunca foi um fiel fiador da democracia liberal e a História sempre mostrou toda a mordaz intolerância do capital.



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