sexta-feira, 26 de novembro de 2021

O FEMINISMO PÓS-MODERNO OU COMO O CAPITALISMO MOLDA O DISCURSO DA EMANCIPAÇÃO DA MULHER VIA INTERESSES DO MERCADO

 


Na Pós-modernidade, o narcisismo é patológico, egoísta e perverso, em prol das demandas do mercado. O capitalismo é metabólico e se molda as diversas circunstâncias psicossociais da vida sociopolítica e econômica.

Na nova onda de modismos sociais, temos a retórica surreal do "arrependimento da maternagem" das mulheres. Sintoma tão bizarro, quanto neurótico, mas que pode ser compreendido pela vertente do capital que usa o discurso da "emancipação feminista" para alimentar o cárcere da ideologia.

O desejo da maternagem é unipessoal, ou seja, cabe â mulher, a decisão final da experiência de uma jornada intrinsicamente biológica e afetiva. Todavia, quando esta trajetória se transforma em discurso social, algo de muito estranho está por detrás de retóricas que se apresentam como genuínas e libertadoras. 

Na entrevista para a BBC, uma jovem feminista israelense que expele uma espécie de ódio pela maternidade e, de forma narcísica, encoraja outras mulheres a reproduzir o seu próprio sintoma. De acordo com seu depoimento, a maternidade soa quase como uma agressão ou pecado para as mulheres, um ato que impossibilita a vida plena diante da constituição biológica de gerar filhos. Logo, o “segredo da vida” não é a escolha da opção genuína de ter filhos, mas seria muito mais útil para as estruturas do capital a “liberdade da mulher”.  Tal mirabolante jogada esconde o discurso metamórfico do capital que trata servidão voluntária como “escolhas conscientes”. 

Tal discurso da “negação da maternagem” soa como canção de ninar para os ouvidos de rapina do capital. Para os doutrinadores do capitalismo, os trabalhadores não deveriam sequer ter vida biológica, se eles pudessem transformariam todos os trabalhadores em máquinas sem custos, para seus interesses de reprodutibilidade do capital e lucros ilimitados! Mais uma vez, temos aqui o conhecido jogo midiático da particularidade de casos pessoais (quase angelicais!) que tentam ser vendidos como uma espécie de regra moral e normalizadora de comportamento nas sociedades embriagadas de valores capitalistas. 

Visto de outro modo, a retórica que tenta ser implementada em questão é a da chamada “falácia da composição” da construção argumentativa: a partir de um caso particular, generaliza-se toda uma situação, como se ela tivesse as mesmas características da particularidade. Por sinal, pautar ideologias, normas e condutas culturais sempre foi uma prática prioritária da estrutura de dominação capitalista. 

Ademais, segue o mesmo cabedal de lugares-comuns do discurso culturalista identitário: culpa da "sociedade patriarcal", machismo, misoginia e negação das estruturas biológicas dos seres humanos. Parece um pacote “libertador”, mas como tudo se configura na essência do capital, é apenas aparência. 

Sintomaticamente, diante da retórica das identidades pós-modernas, no caso, sobre o "feminismo", nada é dito quanto aos exaustivos processos de produção profissional e tarefas domésticas das trabalhadoras, os quais não permitem espaço para a maternagem das mulheres. Claro, tudo para não atrapalhar os tais processos produtivos e não diminuir os lucros do patronato! 

Não é a toa que o discurso identitário é tão submisso aos valores da perversão capitalista. Nesta esteira da histeria da "guerra cultural", o capital despeja sua usina de querosene na  fogueira de irracionalismo que ele produz e usa seus papagaios ativistas para conquistarem corações e inconscientes dos bestializados de plantão. 


>> Link da entrevista na BBC: https://www.bbc.com/portuguese/geral-59410141


sábado, 6 de novembro de 2021

BEM-VINDO À MISÉRIA CULTURAL: A TRILHA SONORA DO JAGUNCISMO BRASILEIRO



Sob o ponto de vista cultural, o Brasil de Bolsonaro não foi mero casuísmo eleitoreiro. Precisam-se observar os elos de uma intrincada construção do que de pior foi gerado por uma cultura primitiva, fermentada no analfabetismo funcional da periferia das grandes metrópoles, aliada ao efêmero mundo dos novos-ricos do chamado “agrobusiness”, ou simplesmente, os negócios bilionários gerados no campo. 

Sintomaticamente, o "boom" da monocultura agrícola do Centro-Oeste do país ganhou enorme impulso nos anos de Lula e Dilma, no comando do Governo Federal, e a demanda de produtos do gênero no mercado internacional, em particular, o chinês. Com a crescente perda de poder político e participação da produção industrial no produto interno nacional, devido ao fenômeno da desindustrialização brasileira, é justamente neste lado do Brasil, os cercados do latifúndio, tão enraizados na cultura econômica e predatória brasileira, que se encontram os principais mandatários do capital financeiro do país. 

Retomando o poder político outrora perdido, o “agrobusiness” se consolida por grande parte, nas decisões políticas nacionais com uma numerosa e influente bancada no Congresso Nacional e, desta forma, permite sobrevida e sustentação política para o moribundo governo de Bolsonaro. Em troca deste apoio existencial, Bolsonaro concede aos donos do “agrobusiness” brasileiro, total liberdade para todas as formas de exploração, desde a intensificação de uso de agrotóxicos à livre devastação das florestas tropicais, em nome, exclusivamente, de ampliação dos lucros. Diante do império do “agrobusiness” na política brasileira, a extrema direita cresceu, a democracia se fragilizou ainda mais, as disparidades econômicas se aprofundaram e o flagelo da fome voltou a ser endêmica.

Voltando aos aspectos culturais, a expressão musical da amalgama "campo-cidade" é o popularizado "sertanejo universitário" (em detrimento ao velho e tradicional "sertanejo-raiz" vinculado diretamente ao campo), sem atrelar-se sentimentalmente com o campo, sob um tripé urbano ancorado em um narcisismo autofágico: "balada, bebida e mulher". Este "jaguncismo cultural" que permeia o campo e a cidade, é o gênero musical que expressa a desertificação neoliberal da futilidade dos tempos de liquidez pós-moderna e as relações sociais efêmeras, sob o manto de um hedonismo estéril, o descarte dos sentimentos, a mercantilização de quase todas as formas elementares da vida social e a sexualidade afoita e imediata da profundidade de um pires. 

A indústria cultural capturou este clima de desprezo pela sensibilidade humana, patrocinada pela tempestade neoliberal e catapultou uma série de "artistas" para se posarem com violas e chapéus de vaqueiro (imitando os “caubóis” estadunidenses)., trajando um vestuário despojado que tenta fazer remodelagem para um oportunista “estilo moderno”. Neste sentido, a qualidade musical não é a essência, mas sim o desempenho midiático dos artistas que atuam como cantores para entretenimento do público. Sob um pano de fundo do falso bucolismo urbano-campestre, esconde-se a ideologia do neoliberalismo sem rédeas, sem escrúpulos, exalando o perfume da terra com seus compostos orgânicos e a ostentação dos "vencedores" do capital rural do Centro-Oeste. 

A cidade de Goiânia serviu como uma espécie de polo irradiador desta cultura do jagunço moderno brasileiro, o qual cultiva todas as benesses que o dinheiro pode comprar e despreza qualquer coisa que seja progressista ou civilizacional em termos de coletividade. Alheio a toda a realidade da miséria brasileira e enfraquecimento das esquerdas e dos movimentos populares, o jaguncismo cultural se tornou um braço da extrema direita brasileira, ampliando seu “soft power” para além das cercas do latifúndio. Não é a toa que o jagunço e miliciano Bolsonaro ganhou apoio quase incondicional da turma das violas e dos acordes dos ícones musicais do "agrobusiness" do Centro-Oeste. 

O Brasil é um desafio para qualquer análise sócio-histórica, devido à sua complexidade dinâmica tão desequilibrada economicamente, quanto é assolada por uma burguesia tão perversa que faz o pobre Satanás ficar corado! Se não bastasse a desgraça cultural desta turma, ao estilo da "inveja do falo" freudiano, plasmou-se uma cepa "feminista" de mulheres que cultuam dos mesmos valores dos venerados "machos rurais": a “trepada” em motel, o choramingo por amores fúteis e a apologia à bebedeira de boteco. Para o suprassumo do "sertanejo feminista", o "feminejo", recorre-se a adoração masoquista pelo gozo da "traição machista", ou seja, a "tara pelos chifres amorosos".

Na narrativa do "feminejo", as mulheres são retratadas como objetos descartáveis e abusadas sentimentalmente por homens jagunços. Paradoxalmente, segundo a lógica do “feminejo”, estas mesmas mulheres não conseguiriam "sobreviverem" sem as truculências e as deslealdades desses homens supostamente amados. Na miséria cultural do “feminejo”, tudo circula no tripé da futilidade existencial: traição, bebedeira e choradeira. Tudo tão maduro quanto a população de um berçário! Supostamente, na ausência de qualquer sentimentalismo com mínimo de densidade que se aproxima da barbárie, habita uma crueza tão empobrecida que alimenta a “narrativa da mulher comum”, ou seja, aquela mulher que vive uma realidade habitada nas fantasias de boteco das composições do “feminejo”. 

O laço de uma neurose obsessiva por relações degeneradas é o que se traduz por "amor" nas melodias do "feminejo" que cultua o padrão de futilidade e esvaziamento emocional. Para delírio dos lucros do capital que parasita a miséria humana, há ainda quem defenda tais valores como "emancipadores" para as mulheres. Em pleno século XXI, padrões tão medíocres de valores humanos, ainda são cultuados como “avanços” para as mulheres. Por sinal, este conjunto de elementos é explorado exaustivamente pelo grande capital para domesticar padrões de comportamento e consumismo em massa.

Diante desta bizarra mistura de futilidades plasmadas pelo "feminejo", a indústria cultural batizou o com o insosso nome de "sofrência", o estilo musical de letras que apedreja a Língua Portuguesa, constrói rimas tão ricas quanto um salário mínimo e despeja um cenário de completa insignificância do processo civilizacional. Naturalmente, não se busca fazer aqui um patrulhamento inquisidor de uma estética musical, mas o quanto se torna visível uma mistura do jaguncismo parido pela extrema direita com o neoliberalismo na cultura brasileira. Os elementos toscos da cultura do jaguncismo tomaram o país e, até mesmo nas periferias dos grandes centros, tornou-se habitual o ecoar estridente das músicas da futilidade dos representantes de uma extrema direita, os quais substituíram a ausência de talento artístico, pelo turbinamento dos dólares do "agrobusiness" à disposição nas engrenagens da indústria cultural. 

O festival de grosserias que beira a repugnância são cantadas, sem nenhum constrangimento, pelas musas do "feminejo" que se enriqueceram à custa da miséria intelectual e cultural solidificada pela indústria da massificação de mercado. Vale ressaltar que a exploração da miséria humana não é exclusividade deste gênero musical, todavia, a cultura do jaguncismo soube potencializar a elaboração predatória deste nicho de consumismo. A miséria cultural é apenas mais um lastimável retrato de um Brasil que perdeu seu rumo histórico, com uma trilha sonora da obsolescência humana em prol da descartável e mercantil cultura do jaguncismo.

(Wellington Fontes Menezes)

terça-feira, 27 de julho de 2021

TRANSE SEM FIM: O TEATRO DOS INCENDIÁRIOS FANÁTICOS DA MEMÓRIA HISTÓRICA


 

1. O passado que não pode ser esquecido


Pouco depois da subida ao poder na Alemanha, entre maio e junho de 1933, em diversas cidades alemãs, os nazistas fizeram uma grande queima de "livros subversivos" para mostrar publicamente o novo horizonte cultural autoritário e nefasto que iria se estabelecer naquele país até a derrocada do Terceiro Reich, em 1945.

O tenebroso episódio entrou para a História como o “Bücherverbrennung”, a grande queima de livros orquestrada, particularmente, pelo Ministro da Propaganda do Terceiro Reich, Joseph Goebbels, um dos maiores mentores do Partido Nazista. Na prática, foi uma demonstração de força do novo regime que se erguia, mudando para sempre a História alemã e, ao mesmo tempo, uma revanche nazista contra a “intelligentsia” reinante na tão odiada República de Weimar.

Diante do cenário fantasmagórico, Sigmund Freud, o fundador da Psicanálise, ao saber que os seus livros arderam nas chamas da inquisição nazista, comentou, em tom jocoso, que seria um "avanço" ter queimado apenas seus livros, uma vez que poderia ter sido o próprio Freud a queimar nas chamas em tempos mais remotos. Neste sentido, merece destaque um antigo alerta do poeta alemão, Christian Johan Heinrich Heine (1797-1856): "Onde se queimam livros, acaba-se queimando pessoas”.

Anterior a este episódio, na Europa, entre o final da Idade Média e o Renascimento, foram inúmeras as pessoas suspeitas de heresia, blasfêmia, bruxaria e atentado às "Sagradas Escrituras" que foram parar na fogueira, durante a Santa Inquisição, um regime de coerção moral e religiosa imposto pela Igreja Católica Romana. Entre muitos selvagens assassinatos em nome de Deus, um dos ilustres personagens quase queimado, foi Galileu Galilei, destacado pesquisador e um dos pais da Física Clássica, simplesmente por publicar seus trabalhos de estudos dos astros, os quais se opunham aos conceitos ptolomaicos defendidos pela Igreja Católica.

Voltando à Alemanha nazista. Posteriormente, os símbolos do passado foram destruídos para impor a nova arquitetura da estética ideológica do nazismo. Não tardou muito para criar metástase: do culto da queima de livros para a construção de campos de extermínio, cujo dantesco símbolo maior foram as câmaras de gás, usadas, sistematicamente, para matar muito mais rápidos aqueles que eram odiados pelo regime de Hitler.

Uma verdadeira indústria do “genocídio assistido” foi instalada nestes diversos campos de extermínio espalhados em território ocupado da Polônia para matar, preferencialmente, judeus, sem contar outros milhares de ciganos, comunistas, socialistas, homossexuais e qualquer crítico, desafeto ou que ameaçasse o regime ditatorial comandado por Adolf Hitler. Ao todo, estima-se que cerca de três milhões e meio de pessoas foram exterminadas pela bestial política da “Solução Final”.



2.     Incinerar como espetáculo

A chamada “sociedade do espetáculo”, descrita por Guy Debord, é aquela que opera pela subjetividade performática e ilusionista em detrimento da materialidade da realidade. O consumismo capitalista opera em todas as esferas da vida, inclusive na atuação política que engloba desde movimentos sociais à partidos políticos. Queimar patrimônio histórico foi uma prática de nazistas e negacionistas em busca de colocar uma pá de cal no passado e apagar a História da memória das novas gerações.

Nada de novo no "front"! Neste sábado, 24 de julho, mais um dia nacional de protestos populares contra o desgoverno genocida de Bolsonaro, ao parasitar a manifestação paulistana, um grupo de fanáticos ateou fogo na estátua do Borba Gato, localizada no bairro de Santo Amaro, zona sul da cidade de São Paulo. A doença da destruição de patrimônio histórico não é uma particularidade psicótica nacional, mas está sendo talhada por um autoritarismo protofascista de identidades cada vez mais alucinógenas. É aberrante o jorro de ignorância aliada ao anacronismo da visão de mundo de militantes que se preocupam mais em fazer “performance” sensacionalista do que compreender os processos históricos.

Vale destacar que a controversa trajetória do bandeirante paulista, Manuel de Borba Gato (1649-1718) nunca foi uma figura exemplar, assim como diversas outras em qualquer parte do mundo. Todavia, é preciso compreender o significado histórico dos personagens antes de colocar o legado histórico no fogo do purgatório da Santa Inquisição do negacionismo e estupidez. Invocar, messianicamente, em uma espécie de “purificação histórica” é típico dos movimentos fascistas que buscavam destruir a História para inventar e entronar outra megalomaníaca no lugar. Salienta-se: não é o desejo de “defender” a estátua, mas se posicionar contrariamente à atitudes autoritárias, irracionais e racionarias. Ao buscar destruir o patrimônio histórico, se desvela um sintoma do modelo fascista de ocultar a verdade histórica e dar vazão a um revisionismo delirante e criminoso do passado.

Por outro lado, em nome de uma retórica marcada por uma neurose obsessiva persecutória, no campo do paiol de identidades fabricadas pela onda da Pós-modernidade, seus militantes enxergam racismo, machismo, fobias em todos os lugares, inclusive em estátuas históricas situadas em locais públicos. Além do vandalismo do patrimônio histórico, o fanatismo militante identitário fez fotocópia dos estratagemas nazistas, especialistas em destruição da memória, para ocultar o passado com um irresponsável e abobalhado "ato revolucionário", contribuiu para que a História seja incendiada da realidade e jogada para debaixo do tapete da ignorância.

Na falta de horizontes mais realistas, uma parte das esquerdas bateu palmas para um troglodita esquerdismo circense. Esta mesma esquerda que se julga “ilustrada” se conforma com um estranho gozo protofascista de queimar patrimônio histórico (seja ele nefasto ou não). Ao incendiar a estátua do Borba Gato, os responsáveis, possivelmente, acreditaram estar "purificando" a História dos indesejáveis "seres escravocratas". Na lógica da “purificação histórica”, qual serão os próximos alvos? Monumentos, museus, praças com nomes ou designações “não-purificados” e, segundo a doutrina do fanatismo identitário, qualquer coisa que alucina, poderá ser o “alvo”!

O caminho da bestialidade fanática é conhecido de forma atemporal. A inquisição do fanatismo identitário neoliberal do jardim da infância queima hoje estátuas, depois museus e, logo chegará às pessoas. No curso da História, não existe “purificação histórica”, tal como os nazistas pretendiam, mas as decorrências dos processos históricos que precisam ser bem entendidas por todos aqueles que vivem sobre a Terra, sob o risco de serem engolidos pela alienação social.
 

3. Qualquer abdução que alucina

No meio de uma histórica pandemia viral, na qual o criminoso governo de Bolsonaro colocou terra sobre 550 mil mortos até o momento, o episódio do incêndio da estátua de Borba Gato merece, ao menos, uma atenta reflexão e responsabilidade histórica, particularmente, no campo progressista. Diante do esvaziamento programático das esquerdas, impulsionada e patrocinada pelo capital, ganhou força parasitária o besteirol fanático protofascista identitário como cavalo de Tróia dentro do campo da própria esquerda.

Por incrível que possa parecer, desde 2013, em particular, há um insólito caminho pelo qual o campo da esquerda brasileira não se cansa de dar farta munição ideológica para a direita e seus extremos operarem seus estratagemas. Basta lembrar os episódios do baluarte da alucinação dos “vinte centavos” que foram manejadas pela direita e resultaram na abertura da Caixa de Pandora dos zumbis que estavam no armário do autoritarismo brasileiro. Para quem não se recorda, em junho 2013, os protestos estudantis puxados pelo então “Movimento Passe Livre (MPL)”, criticaram o aumento das passagens de transportes públicos na cidade de São Paulo. Para seus entusiastas, tal movimento ficou conhecido como “jornadas de junho”.

Curiosamente, os protestos pontuais que estavam circunscritos em São Paulo foram reverberados para todo o Brasil, constituindo-se, então, em uma das maiores alucinações histéricas coletivas de todos os tempos. O senso comum dominava o transe coletivo, e muitos saíam para as ruas para protestarem em um objetivo específico, logo a narrativa midiática encontro um alvo que estava guardado para ser atacado: o Partido dos Trabalhadores no poder desde 2003. A partir daí, o coreto estava armado para uma das maiores construções golpistas de todos os tempos no Brasil e com total organização e cumplicidade dos grandes meios de comunicação.  

O fato era que pela primeira vez na História do Brasil redemocratizado, um governo do Partido dos Trabalhadores sofreu um violento protesto tal como foi contra o prefeito Fernando Haddad por parte de uma militância ruidosa. A bandeira dos “vinte centavos” foi empunhada e representava no acréscimo nas novas tarifas de ônibus da cidade de São Paulo. Uma ocasião perfeita para um grande golpe na democracia brasileira. Lembrar que a isca nos “vinte centavos” foi encampada por parte das esquerdas e, por sua vez, a direita acabou abocanhando todo o poder que estava queimando nas mãos dos Partidos dos Trabalhadores na gestão de Dilma Rousseff, culminando no trágico golpe de Estado de 2016. 

Dos irritadiços estudantes pseudo-revolucionários de 2013 aos alucinados da extrema direita que saíram das catacumbas e se enrolaram na camisa amarelada da Seleção Brasileira pedindo o “Fora Dilma”, o país passou por um processo histérico e traumático que conduziu ao poder o mais ignorante representante do Baixo Claro da Câmara dos Deputados, Jair Bolsonaro entronado presidente em 2018. Por sinal, a tragédia do cavalo de Tróia dos “vinte centavos” se tornou inesgotável para as alegres comadres esquerdistas e nenhuma lição foi aprendida!

Para além do Borba Gato, a suicida cegueira política se tornou a matriz da ação atabalhoada das esquerdas carentes de pragmatismo e ideias sobre a própria mudança da realidade. Quanto mais alucinada a “performance” de grupos orientados por uma histeria narcisista e bajulados pelo capital em nome de um oportunista “estratégia da vitimização”, mais as esquerdas, globalmente, abraçam como se fosse a “vanguarda do movimento”. Portanto, diante deste cenário de alucinação ideológica das esquerdas, reduzidas à esperança messiânica e a “performance identitária”, temos uma emblemática atuação da chamada “Síndrome de Estocolmo”, onde as vítimas se identificam com seus algozes. 

Diante das patacoadas de parte significativa das esquerdas que segue produzindo péssima leitura de conjuntura política, quem ganha fôlego é o projeto de destruição da sociabilidade brasileira. Nas mãos da horda de Bolsonaro, o Brasil continua sua escalada histórica de derretimento em todas as esferas possíveis e ainda se mantém no cargo por que é apoiado por uma burguesia tão medíocre quanto o próprio representante nacional das milícias do Rio de Janeiro no Planalto.

É preciso lembrar ainda que um período eleitoral é sempre um paradoxo, poderá ser longe para quem está em julho de 2021, mas muito próximo de 2022. Em curto prazo, poderá Bolsonaro, o insaciável Centrão e a rapinagem dos militares ganharem fôlego para emplacar a eleição do próximo ano ou a tentativa de um golpe, o que for mais conveniente primeiro em nome da queima total da fragilizada democracia brasileira. A prudência política requerer mais pragmatismo e menos alucinação em tempos de turbulência política e apodrecidos ares fascistizantes na sociedade.

Aos alegres apoiadores do circo do irracionalismo performático, pergunta-se: querem que a boçalidade infanto-juvenil protofascista se transforme em estilingue de batalha política? Ademais, segue mais uma questão: é pela via do irracionalismo que o campo da esquerda quer travar batalha contra o fascismo miliciano? E, por fim, mais uma indagação com o propósito de ser uma sugestão reflexiva: será que não aprenderam nenhuma lição do teatro catastrófico de 2013, com os desfiles juvenis das "jornadas de junho", as que serviram como “boi de piranha” para pavimentar o trator golpista da extrema direita no Brasil?

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Wellington Fontes Menezes – Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense (UFF).



sexta-feira, 16 de julho de 2021

A PERVERSA MANIPULAÇÃO DOS IGNORANTES



Depois do vendaval psicótico que assolou o país, com a derrubada de uma presidenta legítima e o entronamento do maior representante das milícias do Rio de Janeiro que passou 30 anos parasitando o baixo clero da Câmara dos Deputados, muitos doutores em Política formados nas universidades WhatsApp e Facebook, agora, se dizem "cansadinhos" de política. Será cansaço ou mera mudança nas escolhas objetais de taras obsessivas?
 
Tadinho dos machões e machonas consumidores e reprodutores agressivos de dejetos das redes sociais, as quais apoiaram o desmonte da mínima sociabilidade que existia no país sem sequer imaginarem o que estavam fazendo ao darem tiros de bazuca nos próprios pés e de todos os demais!
 
Muitos destes "doutores" da alienação trocaram o discurso da pseudo-política para se transformarem,  instaneamente, no meio da pandemia, em doutores em virologia e especializados em imunologia e vacinas! Diversas vezes, criaram e difundiram as mais insanas narrativas a respeito do novo coronavírus, a apologia do irreal tratamento precoce e a negação ou demonização das vacinas. Grande parte da produção destas "fake news" é de grupos ou pessoas da extrema direta ligados direta ou indiretamente ao próprio desgoverno de Bolsonaro!
 
Nunca o termo "república das bananas" se encaixou tão bem ao Brasil. Em meio a um retrocesso sem parâmetros de um país desgovernado, o desemprego e miséria são avassaladores e o custo da ignorância é astronômico. Quanto ao maior genocídio da história do país decorrente de uma pandemia com quase 550 mil mortos, a indignação popular é quase nula.
 
Conduzida por uma burguesia genocida,  o Brasil se encontra à deriva e vive na base do "salve quem puder". Com mínima ou escassa assistência social, a sorte foi lançada aos brasileiros mais precarizados que lutam entre a necessidade latente de se alimentarem e a opressão sanitária de um vírus mortal.
 
De caos em caos, assim se alicerça a destrutiva e perversa sociedade brasileira, desde os delírios do fanatismo infanto-juvenil dos protestos de 2013 até o macabro latifúndio de covas do covidário sem fim com chancela governamental.
 
O país se afundou num mar de ignorância e alucinação promovida pela onda delirante da grande mídia brasileira e se alastrou nas redes sociais. Por outro lado, as propostas para sair do abissal atoleiro são pífias, insuficientes,  sebastianas. Algumas delas são puro delírio!
 
Nunca a estupidez política e a alienação social causaram tantas vítimas em tão pouco tempo. No meio da avalanche da destruição, se encontra  o estado da catarse da ignorância dos últimos anos. Sem perspectivas a curto prazo, o horizonte se embriaga nas trevas de um destino sem rumo. Tempos tenebrosos!

 
(Wellington Fontes Menezes)


terça-feira, 13 de julho de 2021

BRASIL, O CIRCO


Fazendo uma analogia alegórica a um velho bordão do inesquecível Tim Maia, no Brasil da pós-modernidade naufragado no mar de colírio alucinógeno, nem Salvador Dalí acreditaria em algumas situações...

- Prostituta é doce e romântica, podendo ser ídolo pop;
- Gigolô é homem de bem e pastor;
- Mulher valorosa é a preta empoderada;
- Travesti veste farda e bate continência;
- Traficante bom é aquele ungido por Jesus Cristo: "Glória a Deus!".
- Há mais tipos sexuais do que estrelas no céu;
- Militares e juízes são as duas castas intocáveis as quais toda população deve obediência;
- Camelô é empresário;
- Feminista comemora  cota de gênero para exploração em trabalhos precarizados;
- Cotismo é mágica da meteórica mobilidade social;
- Tudo é preconceito; se não é, logo será;
- Quem não cobra propina, bom sujeito não é;
- "Empresa cidadã" é aquela que explora trabalhadores fazendo campanha em prol da "diversidade";
- A "inveja do falo" é o ponto fundante do ativismo de esquerda anti-marxista;
- Negro é 500% da população;
- Todo branco é racista e todo negro é vítima;
- Para ser racista, basta nascer branco;
- Para combater o racismo, basta entregar todas as benesses aos ativistas que "oportunizam" a diversidade racial (só a eles, que fique claro!);
- Ser golpista vira "anti-fascista";
- Progresso é ter negros e "personas sexuais"  com o mesmo direito de ganhar a miséria salarial dos brancos;
- O Brasil é bicolor e nunca houve miscigenação;
- Normalizar a neurose é "inclusão".
- Homens fantasiados de mulheres sabem mais sobre mulheres do que as donzelas do "sexo frágil";
- Qualquer um que faz uma live em redes sociais tem mais credibilidade do que o sujeito com anos de estudos e publicações.
- Não existem brasileiros, mas cerca de 210 milhões de africanos fazendo estada no país (exceto os brancos, que são "nativos mauzinhos");
- Qualquer maluco vira presidente;
- A esquerda só se preocupa com eleições e o patrulhamento narcisista;
- Toda a miséria e ignorância são perdoadas em nome da "representatividade";
- Não existe mais luta de classes, mas o empoderamento para galgar status midiático;
- A Globo só fala verdade quando fala mal do PT;
- Wakanda é a Meca dos negros;
- Não precisa combater a miséria, basta ter representatividade quando se tem aparição midiática;
- Todos os problemas do país se resumem na crença do racismo estrutural;
- Para copiar os judeus, criou-se o neo-mito da "diáspora negra";
- A África é um planeta uniforme, governado por uma nobreza preta, progressista, democrática, empoderada, criadora de toda a cultura da Terra (que, posteriormente, foi roubada pelos europeus brancos!) e desfruta da tecnologia de Wakanda;
- Só existe intolerância por parte dos brancos, pois "negro é lindo";
- Cantada de brasileiro é "assédio", porém cantada de gringo é "romance";
- É desnecessário pensar, basta emitir opiniões em assuntos que sequer saiba do que se trata;
- Não precisa ter argumentação para nenhum debate, apenas se limite a propagar que o outro é preconceituoso;
- Na pandemia, escolhe-se vacina como se estivesse no self service;
- Pobre apoia e bajula rico e odeia o outro pobre;
- A verdade é o que mostra as correntes de WhatsApp e as lives das redes sociais;
- Ser negacionista é ser revolucionário;
- Anunciar taras sexuais é (também) revolucionário (mesmo que não seja realmente verdadeira!);
- Aparência vale mais que aposta premiada do jogo do bicho;
- Passe 30 anos sendo eleito por voto eletrônico, mas, quando sentir que poderá perder uma eleição, brigue pelo voto impresso para evitar "fraude";
- O genocídio é naturalizado;
- A ignorância é uma benção e dança ao som de funk e “sertanojo”;
- Não precisa ter neurônio, basta ter "lugar de fala";
- Empreendedorismo é a solução para um oceano de desempregados;
- Tudo é culpa do homem branco hétero, mas ele pode se redimir caso patrocine ONGs voltadas para a "diversidade";
- O Deus bom é negro gay trans lésbico queer assexual;
- “É verdade este bilhete”!
 

(Wellington Fontes Menezes)

domingo, 13 de junho de 2021

A URGÊNCIA DE UMA VACINA PARA A DOENÇA DO MILITARISMO GOLPISTA NO BRASIL

 


O golpismo é a espinha dorsal do parasitismo jagunço militar brasileiro. Os militares nunca deixaram de apoiar Bolsonaro e seguirão à frente do poder somente para fazer o que melhor entendem: ocupar cargos, parasitar verbas, propagar a ideologia jagunça de Jeca Tatu e retroceder o país.

Lembrar que sobrevivemos diante de um governo civil com militares nos principais cargos no Governo Federal. Todo o desastre genocida da pandemia foi responsabilidade direta de militares parasitando o primeiro escalão do Ministério da Saúde, incluindo até mesmo um patético general que nunca soube fazer um curativo, no cargo de ministro! 

Nos comezinhos da República do genocídio, temos um desgoverno militar sem levantar baionetas na gestão da barbárie de Bolsonaro. Foi construído o "mito" do patriotismo e eficiência dos militares. Tudo não passou de apenas um mero mito tão mentiroso quanto às mentiras jorradas na boca de Bolsonaro.  Um exemplo da falta de escrúpulos do militarismo brasileiro foi, em pleno cataclismo pandêmico, os ociosos hospitais militares se recusarem a atender pacientes civis, diante de filas quilométricas em busca de socorro nos hospitais públicos. Outro exemplo é a insistência por parte do ministro-general pela propagação da famigerada cloroquina, cientificamente comprovada ineficaz contra a COVID-19. Será que realmente esta turma da farda verde-oliva é tão patriota quando é vendida sua mitológica imagem de sacrossanta guardiã da nação?

Achando-se invencível e dona do rebotalho institucional que vaga na República destruída pelo militarismo miliciano, as baixas patentes copiaram a insubordinação dos tubarões das patentes mais altas. Neste caso, Bolsonaro aposta suas fichas para conquistar seu sonho de golpe de Estado clássico com ajuda de policiais militares, tal como uma seita de jagunços fardados para servir de inúteis e agressivos boçais. Observando este apoio, Bolsonaro projeta uma linha de crédito especial para financiamento de imóveis para policiais que deverá ser anunciada nos próximos dias.

Um dos maiores erros da restauração da democracia, após o golpe de 1964, foi deixar impunes as monstruosidades causadas pelos militares golpistas. Nenhum militar golpista foi punido por seus assassinatos e destruição. Mas o maior deles foi ter promulgado uma Constituição, em 1988, tão dócil que favoreceu a continuidade do parasitismo militar no país.

Bolsonaro sabe que pode fazer o que quiser que nada irá acontecer com sua imagem de cavaleiro (ou motoqueiro!) do apocalipse brasileiro. Nem mesmo um genocídio pandêmico de meio milhão de mortos foi capaz de cessar sua insanidade perversa e de sua milícia de psicopatas. Diante do espetáculo da morte, Bolsonaro tem um público fiel de sociopatas de cerca de 30% do eleitorado que aplaude a toda e qualquer insanidade que ele defeca da sua boca de bueiro.

O compromisso de Bolsonaro é liderar a corrupção e as atrocidades para a sua milícia se fartar e promover a destruição do país. A tentativa explícita de golpe de Estado por parte de Bolsonaro e sua milícia é uma questão de tempo.

Qual o papel real das Forças Armadas? O que fazem estas instituições belicosas além de aglomerarem homens em quartéis, fazerem exaustivamente exercícios físicos e de guerrinha na selva, entoar cantigas de guerra em jogral e aqueles com patentes superiores aposentarem com salários estratosféricos? Sem inimigos externos, apenas internos, o Brasil urge pela necessidade de reparos constitucionais para colocar as Forças Armadas no seu devido lugar, ou seja, de fato, ser  usada como auxiliar na proteção do Estado brasileiro e não apenas parasitar o erário nacional. Ademais, é preciso aprofundar o debate para a extinção das polícias militares que nada servem de concreto para amenizar o estado de segurança dos cidadãos civis e, na prática, atuam muito como um corpo de agentes assassinos e transgressores dos Direitos Humanos por parte do Estado.

Não é possível que a sociedade brasileira ainda permaneça indiferente e passiva diante das atrocidades militares que usavam a tortura como modo de operação para acuar, amedrontar e matar supostos “inimigos” do regime militar. O tempo passa e a poeira do esquecimento orquestrado tenta encobrir, mas a injustiça permanece sem as devidas punições e retratações dos crimes dos velhos e caquéticos generais que impuseram ao país. Jamais a sociedade poderá ignorar o nefasto histórico de militares que apenas usam o Estado para seus interesses particulares disfarçados de corporativos.

O militarismo golpista está no âmago da fragilidade democrática do país desde às suas “origens republicanas” e constitui como uma trágica doença deletéria e permanente que vem assombrando e chantageando a sociedade brasileira. Desde que Bolsonaro assentou-se na cadeira do Planalto, a conspiração golpista não parou de exalar seu fétido odor de morte e destruição. Cada vez mais acuado devido às pressões internas e externas devido ao genocídio perpetrado pela junta miliciana no poder, Bolsonaro não dará trégua até perpetrar, de fato, um golpe de Estado o qual ele tanto anuncia aos quatro cantos desde que saiu expurgado do exército e foi parar na vida política dos rincões fluminenses. Até o final de 2022, teremos o desenrolar das atrocidades do vírus e os atentados diários da junta militar-bolsonarista contra a moribunda democracia brasileira.  

 

Wellington Fontes Menezes é Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais (Universidade Federal Fluminense/UFF)

segunda-feira, 31 de maio de 2021

A PANDEMIA DE ESTUPIDEZ E O REBOTALHO CIVILIZATÓRIO

 


O que esperar da civilização quando a estupidez é cultivada como elemento central da cultura? Ao desvalorizar ou minimizar os estudos das Ciências, em prol de outros proselitismos narcisistas na Educação, um ensino voltado para a superficialidade da castração intelectual promove a falta de construção crítica do sujeito-aluno. Por sinal, a Educação é um sintoma dos processos políticos, econômicos e culturais que transita e transforma uma sociedade.

         Na trama neoliberal para domesticação social, o dito cidadão, ou seja, aquele sujeito às amarras neoliberal do capital, não consegue ver além do mero horizonte umbilical. Impregnado por subjetividades promovidas pela indústria cultural, o seu mundo não passa de meia dúzia de bricolagens cotidianas, as quais ele não consegue elaborar com um nível maior de profundidade.

           Neste percurso da fragilidade excessiva da condição humana pós-moderna sob a égide do capital, a liquidez das relações sociais, como apontou Zygmunt Bauman, se torna inevitável: nada é para durar e tudo é tão perene e instável como uma bolha de sabão. A indiferença e o medo do outro se tornam elementos de uma coletividade que não se enxerga, paradoxalmente, como participante de um coletivo! Temos então mais uma demonstração das contradições inatas do capitalismo que resulta na promoção da "sociedade dos inimigos" que tanto é cultivada pelas barbáries de uma atroz burguesia para enjaular e colocar todos contra todos entre as classes trabalhadoras e miseráveis.

Na esteira da esquizofrenia, os debates da esfera pública se transformam em um teatro do sanatório, uma vez que nada relevante é questionado e um punhado de polêmicas tolas conquistam vultos de uma demência coletiva. Na onda da destruição dos saberes, em prol da estupidez coletiva, professores e intelectuais são destituídos de seus postos como referências de conhecimento, para ser entronada uma horda de ignorantes e oportunistas que se utilizam das redes sociais, como se fossem um palanque eletrônico de uma imensa "feira do rolo", diante de um oceano de estupidez. 

Durante a pandemia, a escola voltou a ficar em evidência. Não por ela ser uma entidade de importância vital para a Educação da sociedade, mas como depósito de crianças cujos pais não mais aguentam ficar em isolamento social com a sua prole! Mais uma vez, se revela a distorção que vem sendo nutrida na sociedade: o conhecimento no posto de bricolagem descartável e a estupidez como espetáculo! Os impactos com a pandemia atingiram sem piedade os mais pobres. No caso mais específico das famílias de trabalhadores e desempregados, a fome e a falta de estímulos para a Educação compactuam com a falta de estrutura para o ensino à distância. Uma perda significativa de aprendizado já tem sido observada em decorrência dos diversos problemas oriundos da fragilidade do sistema educacional e agravado com a pandemia. Sendo assim, mais um convite para a estupidez crônica, voluntária ou não, aprofunda ainda mais o fosso social.  

Ainda no campo da pandemia, a estupidez foi a maior responsável por quase meio milhão de mortos no Brasil, até o momento, e milhões de contaminados. Todo o aparelhamento do governo federal nas mãos da milícia de Jair Bolsonaro produziu uma série de insanidades para desinformar a sociedade, contaminar e sabotar, ao máximo, a aquisição de vacinas contra a COVID-19. Nunca a estupidez genocida estatal matou tantos brasileiros e em tão pouco tempo na história do país. Vivenciamos um genocídio que já deixa marcas horripilantes para as futuras gerações terem ojeriza de nossa geração de bestificados. 

Como desgraça pouca é mera retórica diante da realidade, o farelo cultural não para de produzir estupidez. Ao optar pelo desígnio narcísico do sujeito, outro grupo de fanáticos anti-intelectuais ganhou espaço na agenda da estupidez pós-moderna, os chamados identitários. Na onda do revisionismo histórico e cultural, típico das hordas fascistas, os identitários reduzem todo o pensamento à militância histérica e a pregação deste grupo é produzir uma nova onda moralizante da Santíssima Trindade Identitária, cuja visão de mundo se resume em uma tríade de neuroses obsessivas: a infantilização da sexualidade, o alucinado revanchismo racial e o fomento das disputas de pré-adolescentes a respeito dos gêneros durante o recreio escolar! Ao abandonar a complexidade das estruturas socioeconômicas e políticas moldada pelas perversões do capital, os militantes desta simplificação de mundo se embriagam em superficiais elementos narcísicos que buscam operar por via da panfletagem de uma espécie de naturalização de “antagonismos estruturais culturalistas”. 

Nada mais sintomático é observar que uma “nova moral”, típica de adolescentes querendo descobrir o mundo, é objeto de “empoderamento” do mercado neoliberal. Claro, toda esta “militância empoderada” conta a participação ativa e as bênçãos do capital para criar novos nichos de mercado e atender a novas demandas de consumidores que pulsionam novos fetiches de consumismo. Na onda onde tudo é “preconceito” para “cuidar do meu corpo”, todos são inimigos, exceto o afago das idiossincrasias do mercado. O pior de tudo é observar uma parte significativa de uma esquerda política, sem melhor juízo ou senso crítico, embarcando nesta estupidez sem tamanho, promovida por um “neoliberalismo cognitivo”. 

Por mais que a estupidez seja uma desgraça para o conjunto da humanidade, ela oferece espetaculares lucros para o capital que, simultaneamente, mantêm o controle social das massas populares, as quais não enxergam que são exploradas e, pior ainda, sequer se mobilizam efetivamente para sair deste julgo de dominação! 

A ideologia imposta pelo capital em suas diversas variantes é um vírus tão poderoso que nem mesmo o fantasma de antigas vacinas "revolucionárias" parece coibir a contaminação. A estupidez como espetáculo, seja em redes sociais, seja em programas televisivos, demonstra que o processo de imbecilização social é uma perversa construção cultural. Não foi a toa que o Brasil, desde 2013, embarcou na onda da loucura social dos protestos que resultou em um golpe de estado em 2016 e a ascensão da escória miliciana ao poder, em 2018. Com a pandemia, o teatro tétrico da estupidez megalomaníaca brasileira ganhou sua cereja gigantesca sobre o bolo de milhares de covas ao logo das terras de cemitério pelo país. 

A estupidez que a indústria cultural impõe como, por exemplo, os dejetos sonoros produzidos pelos divulgadores de músicas no país são alarmantes. O escroque civilizatório da estupidez produziu uma trilha sonora onde se torna emblemático o estrume pastoso em que o capital quer transformar o país. Não é a toa que verdadeiros boçais, sem nenhum talento para sequer balbuciar algumas palavras, se tornam "astros" de uma plateia que não se importa de ser enganada e, pior ainda, ser reduzida ao mesmo nível de excremento dos seus "ídolos". A decadência cultural é mais um sintoma da destruição corrosiva do capital e a adestração da sociedade para se conformar com a barbárie programada. 

O desafio que poucos conseguem enxergar é, de fato, uma colossal e turva batalha civilizacional. Uma nova era de subdesenvolvimento se instalou no país com todo o sortilégio de perversões nos tonéis gigantescos de estupidez para arquitetar uma sociedade tão tosca quanto passiva. Nossa estupidez não é um fato fortuito de uma depressiva decadência inevitável, mas um mecanismo de controle social que os donos do capital e seus subalternos diretos impõem para manter as velhas rédeas do poder em nome da exploração e miséria física e psíquica de milhões de seres condenados à própria sorte.

 

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Wellington Fontes MenezesDoutor em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF); Mestre em Ciências Sociais (UNESP); Bacharel e Licenciado em Física (USP).

sexta-feira, 30 de abril de 2021

ILUSÕES PÓS-PANDEMONÍACAS

 


Há um otimismo exagerado em algumas análises que se nutrem da queixa do "cansaço da pandemia", acreditando que todo o mal-estar gerado, trará um "mundo melhor", quando a humanidade domesticar o novo coronavírus. Será possível acreditar em um "nirvana pandêmico" de purificação da consciência humana, ou tudo acabará numa volúpia hedonista de criança mimada?

Uma visão poliana seduz muitas das análises otimistas, mas não resiste muito tempo diante da realidade. Tudo parece ser promissor, se não fosse pelo fato de que o progresso não é linear e, tampouco, como se as estruturas sociais não sofressem diferentes impactos sistêmicos, de acordo com a região. Por outro lado, hedonismo sem recursos econômicos é como "praia de paulistano" com um vazio na carteira: visitar vitrine de "shopping center" sem poder comprar suas mercadorias.

Diante da realidade, se o vírus ataca a todos, nem todos tem os mesmos mecanismos de proteção. Europa, Estados Unidos, China e os ricos países asiáticos sairão das turbulências pandêmicas muito melhor, se comparados ao resto de mundo, na pós-pandemia.

O otimismo exagerado cria uma blindagem contra o senso crítico e as ilusões cavalgam sem destino. Da ansiedade na descoberta de vacina contra o vírus, chegou-se à guerra por seu acesso. A disparidade entre ricos e pobres segue fazendo o mesmo percurso conhecido: quem pode mais, vacina primeiro! Logo, vacinadas prioritariamente por terem recursos para pagar às grandes farmacêuticas, serão estas regiões que darão os primeiros saltos para a estabilização econômica. O resto do globo ficará com a xepa do que sobrar, se sobrar algo!

Neste sentido, nas localidades  de maior desenvolvimento econômico, haverá uma demanda reprimida resultante do período de pandemia. Logo, diante da possibilidade de retomar o "velho normal", acenderá o consumismo e os desejos imediatistas. Assim os capitalistas e seus serviçais farão de tudo para atender de pronto a todos aqueles que tiverem recursos econômicos para trocar dinheiro por gozo irrefreável e ilimitado. Para a inflexível ordem do capital, tudo é bem claro: ou "money", ou nada!

No caso brasileiro, graças aos esforços devassos do desgoverno de Bolsonaro, teremos um saldo histórico em mortos por COVID-19, como sendo o mais genocida do mundo. No Brasil que vê destruída sua sociabilidade de forma avassaladora, há um descontrole que é um verdadeiro hospício do terror, com uma economia em recessão sem freio e um povo dividido entre os aplausos sádicos para o genocídio diário e a covardia coletiva aceitando passivamente a morte.

Da devassidão pandêmica ao suposto alívio pós-pandêmico, temos a clareza de que a humanidade continuará a ser o que sempre foi: fantasticamente brilhante quando os interesses se restringem aos egoísmos narcísicos e, por interesses do capital, leniente quando se trata de ampliar os horizontes solidários, referentes a um mundo por mais equidade socioeconômica. Porém, em detrimento de toda a realidade fratricida, há aqueles que preferem viver fazendo o desmedido uso do colírio do delírio civilizacional e do hedonismo como destino.


Para ler maishttps://brasil.elpais.com/cultura/2021-04-27/caminhamos-pros-novos-anos-loucos-de-hedonismo-pos-covid.html

quinta-feira, 18 de março de 2021

POPULISMO IDENTITÁRIO NA ANPOCS

 


 "Neste ano, teremos 20% de reserva de vagas para pesquisadores/as pretos/as, pardos/as, trans ou com deficiência que participem dos SPGs ou GTs como expositores/as de paper. No caso das Mesas Redondas, não serão habilitadas propostas que não contemplem ao menos uma pesquisadora como expositora. As Ciências Sociais brasileiras estão atravessadas, ainda, por desigualdades regionais que se fazem ainda mais significativas no cenário atual de desfinanciamento da educação e da pesquisa. Assim, também são observados critérios de representatividade regional na seleção de propostas. Essas Políticas visam estimular que a diversidade constitutiva da comunidade de cientistas sociais se faça presente nas mais variadas áreas temáticas que compõem a programação do Encontro e se guiam pela autodeclaração dos/as pesquisadores/as no momento da submissão de seus resumos." 

                                                                    🔸🔸🔸

Acima, temos um fragmento da chamada para o Encontro Anual da “Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais” (ANPOCS) para a edição de 2021. A organização deveria zelar por critérios técnicos para a pesquisa científica na área de Ciências Sociais, mas parece enveredar no desnecessário e preocupante percurso do modismo que ecoa diante de um sedutor populismo identitário, o qual começa a grassar nos meios acadêmicos e nas pesquisas científicas.

Preocupa-se quando as escolhas sobre pesquisas científicas não são pertinentes aos critérios técnicos e científicos, mas supostamente subjetivos e identitários! Qual o sentido de fazer cotas para a pesquisa científica, se os trabalhos são submetidos aos pareceristas do evento, supostamente de forma anônima, conforme são as regras de submissão?

Ao se optar pelas cotas, o efeito não é de privilegiar os diferentes, mas acentuar as desigualdades de quem está do lado que, supostamente, carece delas, precisando de privilégios para serem reconhecidos como “pesquisadores”. Nesta “inclusão excludente”, a ANPOCS, no seu afã populista identitário, parece que, ironicamente, esqueceu-se de incluir os povos originários. Se a premissa que está sendo imposta é a pauta identitária em detrimento do mérito científico, será que eles não seriam também interessantes ou haveria outros motivos mais ocultos para não incluí-los?

É importante ressaltar: uma questão é o acesso à universidade pública diante das disparidades da Educação Básica brasileira, mas outra questão bem diferente se situa no nivelamento de conhecimento e de produção científica. Logo, parece pouco plausível a distinção por meio de cotas para um suposto nível de conhecimento entre os pesquisadores. Qual o critério de escolha de trabalhos acadêmicos para congressos científicos? Qual a lógica da autodeclaração de etnia, gênero ou sexualidade para a submissão dos trabalhos científicos? Se os sujeitos atingiram a capacidade de serem pesquisadores e estão imersos em uma crise de desvalorização da Educação e da Ciência, logo, indistintamente, afeta a todos que fazem pesquisa científica.

Diante do quadro tenebroso que a Ciência vem sofrendo no Brasil pós-golpe e o massacre da política genocida de Bolsonaro, não parece que existam ilhas de privilégios nas Ciências Sociais, como permite suscitar a convocação para os trabalhos do Encontro da ANPOCS. Por sinal, no Brasil, as Ciências Sociais já ficam à margem diante do minguado fomento de financiamento de pesquisa, em comparação as demais Ciências. Afinal, qual a lógica da obsessão de adentrar no reino do irracionalismo em nome do populismo das identidades, tão patrocinado pelo neoliberalismo e seus arautos ideológicos?

O proselitismo e a demagogia são os piores meios para uma suposta "superação das desigualdades sociais", via descarte do mérito da pesquisa em um congresso científico! Lembrar que os revisionistas e negacionistas rejeitam a Ciência em nome de seus esdrúxulos dogmas subjetivos e identitários!

Na lógica do pensamento mágico identitário, basta colocar um elemento "representativo" da Santíssima Trindade Identitária, para que todo o conhecimento aflore por osmose, as injustiças sociais se evaporem como fumaça de chaminé de escolhas papais e a verdade se firme como um prego fincado na gelatina! Diante dos fatos, causam demasiada surpresa os quesitos impostos na construção do Encontro Anual da ANPOCS. Lastimável que chegamos ao ponto da demagogia populista nas organizações científicas, as quais deveriam zelar pela pesquisa científica em Ciências Sociais.

Para que servem os estudos e pesquisas arduamente trabalhados se o que vale, no final, é a subjetividade do sujeito em nome da sua suposta identidade egoica e alegóricas dimensões sociais? No meio de uma pandemia de irracionalismo, parece que a ANPOCS foi severamente contaminada. Sendo assim, é preciso ser vacinada com a Ciência para evitar o vírus do obscurantismo e do irracionalismo! Não é possível aceitar que o populismo identitário se torne a nova onda negacionista dentro da Ciência, e que é mais grave ainda, em nome de supostas subjetividades reprimidas de demandas que podem ser justas socialmente, mas que não combinam com a objetividade que a pesquisa científica necessita, para se oferecer como mecanismo de conhecimento real para a humanidade.

domingo, 7 de março de 2021

GETÚLIO VARGAS

Datada de 24 de agosto de 1954, a carta de suicídio de Getúlio Vargas (1882-1954) é considerada um dos grandes documentos políticos da história contemporânea brasileira. Controverso, mas incisivo líder revolucionário de 1930, Vargas instalou uma ditadura e flertou com o fascismo até o início da Segunda Guerra Mundial. Apesar da empreitada autoritária, foi astuto e camaleônico e, quando se sentiu isolado politicamente, abraçou o populismo e acabou nos "braços do povo". Vargas, foi um conciliador de classes com olhar progressista e, certamente, foi o político mais importante do país no século XX. Considerado o "pai dos pobres", com uma série de leis que beneficiou a regulação do trabalho assalariado, contudo, Vargas impulsionou a dinâmica capitalista nacional e contribuiu para fomentar a riqueza da burguesia nacional. O político da terra de São Borja (RS) foi fundamental na transição do Brasil recém-republicano imerso em políticas provinciais para uma estrutura centralizada de poder de Estado.



NÃO BASTA FINGIR RESPONSABILIDADE, É PRECISO TER RESPONSABILIDADE


Há momentos que exigir um responsável bom senso jornalístico é pedir água no deserto. Em geral, a BBC Brasil que, ao contrário de muitos veículos de imprensa que fizeram o país ir para a cova do golpismo, faz uma boa cobertura sobre a pandemia. Porém, nesta confusa reportagem em destaque, o veículo de imprensa de matriz inglesa, deixa margem para os negacionistas genocidas atuarem com suas narrativas psicotizadas da morte.

Diante da gravidade monstruosa da segunda onda de COVID-19 patrocinada pelo desgoverno assassino de Jair Bolsonaro, ao questionar entre "imunização natural" (infecção via contágio) e "imunização artificial" (estímulo de anticorpos via vacinação), permite uma leitura que pode induzir a população ao entendimento de que, se deixar contaminar para uma "auto-imunização", é mais rápido do que gastar bilhões em vacinas! Observemos o perigo desta possível e deletéria conclusão de botequim!

A chamada "imunização de rebanho" por contágio é puro genocídio e expõe toda a população a dilacerantes sofrimentos e mortes desnecessárias, ao sabor da voracidade do vírus. Só uma vacinação eficaz e massiva será capaz de salvar vidas e minimizar sofrimentos.

Neste sentido, uma reportagem mal redigida ou desorientada é, para o leitor, tão nociva quanto o maremoto de "fake news" que circulam nas redes sociais, perversamente, de modo a confundir e imbecilizar amplos segmentos da população.

A informação correta e amparada em bases científicas é fundamental numa guerra genocida diante de vírus mortífero, onde a canalhice sistêmica de uma burguesia monstruosa e assassina levou, impiedosamente, o país ao nível mais abissal do precipício social.

Não basta fingir uma suposta "ética jornalística", é preciso atuar de forma fidedigna aos princípios da veracidade dos fatos, sem induzir o leitor a equívocos ou interpretações dúbias, referentes às informações fornecidas.

domingo, 7 de fevereiro de 2021

NARCISO NO BERÇÁRIO

 


Quando a infantilização não tem idade, a projeção narcísica se torna o sacrossanto altar a ser ostentado.

A Pós-modernidade embriagada pelos valores do capital se constituiu em um retrocesso da razão e uma construção mítica da negação da maturidade do sujeito.

A adolescentização da vida, tal como numa propaganda de refrigerante, se forjou como uma resposta inconsciente ao medo e a insegurança diante de um mundo em decomposição das grandes certezas e forjado pela necessidade narcísica da aparência dos sujeitos.

Nesta lógica do imediatismo mágico, não basta parecer "sempre jovem", tem que montar o corpo como se fosse a idealização de uma idílica "juventude rebelde". Na prática, a projeção narcísica não passa do desejo de ser notado, reconhecido e validado pelo Outro.

Longe de ter alguma materialidade, as identitadades pós-modernas se constituíram na argamassa da subjetividade alimentada pela projeção narcísica do sujeito e de acordo com a modulação de seus voláteis desejos.

Importante salientar os valores ideológicos do capital tanto no linguajar mimetizado pelos sujeitos "pós-modernos", quanto na sua (inútil) tentativa de ser individualizar diante do oceano plasmado da unilateralidade do neoliberalismo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A ARAPUCA DO TERRAPLANISMO IDENTITÁRIO: QUEM LUCRA COM A CELEUMA DO SEXO DOS ANJOS?

 

Nada provoca mais polêmica gratuita do que mexer com a intimidade alheia. Assim como os mexericos sempre são campeões de audiência, a Pós-modernidade deu um lustro blasé na fofoca, com ares de intelectualidade, para vigorosos e flácidos debates nos cafés, happy hours e alguns tediosos seminários acadêmicos. A invocação do sexo dos anjos se tornou um fetiche em grande parte da intelectualidade acadêmica das humanidades, embriagada pelo canto da sereia da representatividade, diante do altar performático da santíssima trindade das identidades: sexo, gênero e raça.

O mundo pós-moderno, movido pelas engrenagens do capital, conseguiu o seu maior feito: a promoção da passividade social magnetizada pela crença irracional e narcisista, na metafísica do neoliberalismo. Nesta maravilhosa esteira do capital, no “moinho satânico” apontado por Karl Polanyi, sem uma mínima regulação estatal, tudo se torna mercadoria e tudo tem um preço (para quem pode pagar, é claro!).

No deserto que movimenta o cotidiano de sociedades fadadas a viverem de forma automatizada, a vida líquida, apregoada por Zygmunt Bauman, é nada além do que a ideologia do capital impregnada das mais articuladas formas, desde as concepções políticas, passando pela frágil arquitetura econômica e aterrissando até mesmo no meio das fantasias de alcova dos indivíduos.

Na lógica da atomização social, o sujeito se torna indivíduo ao perder sua subjetividade e se transforma em mero motor de alienações consumistas e da ignorância sistêmica. Adicionado a este motor, temos a embreagem do narcisismo. Quanto mais o sujeito tenta parecer "exótico", em um falso processo de individualidade, mais ele se torna uma caricatura do modelo neoliberal de sujeitos: desvalidos de conteúdos, embriagados de uma vida imediatista e esvaziada.

O interesse pela sexualidade é tão remoto, quanto os labirintos da curiosidade humana sobre si e sobre o mundo. Todavia, alguns pós-modernos querem “descobrir” a sexualidade, como se tudo fosse alguma novidade parida a partir do século XXI, ignorando o passado e projetando um véu de ineditismo que não condiz com a realidade. Seriam muitos destes ativistas que buscam se autopromoverem com pretensos mecanismos sexistas, tão inovadores como dizem, ou apenas marqueteiros a propagaram sensos comuns em vídeos, com odores de charlatanismo do Youtube?

As redes sociais permitem que muitos oportunistas ajam como “doutos” de conhecimento e se posam como “professores” do senso comum, ministrando “aulas” sobre tudo, com conteúdos dos quais nada dominam. O que se pode afirmar é que a dimensão da compulsão da sexualidade na Pós-modernidade se tornou um grande mercado de fetichismos, na busca frenética (e inútil) de preenchimento das crateras existenciais. Neste campo de alta lucratividade, há diversas formas de exploração pelo capital, para instigar fantasias e desejos de ávidos consumidores sedentos de algum “movimento na vida”. Logo, é um velho lugar-comum falar sobre qualquer coisa a respeito de sexualidade e, assim, conquistar consumidores. Ao deslumbrar incomensuráveis lucros, os vendedores de ilusões sabem que, quanto maior é a polêmica, maior é encorajado o desejo de mexerico do consumidor e, posteriormente, de inúmeras possibilidades de aquisição de bens ou serviços.

Em um mundo adoecido por uma pandemia de um vírus que provoca uma doença mortal, a COVID-19, e de um capitalismo mais mortífero ainda, o debate público se plasmou em um reino do infrutífero besteirol. Tudo para não fazer um único risco no espelho monopolístico do capital que hegemoniza a colonização da ideologia dominante, desde a queda do Muro de Berlim. Não é a toa que os novos eugenistas raciais, os tais "antirracistas" utilizam o piegas estratagema do alucinógeno "privilégio branco", dentro na nova quimera neoliberal que prega uma panaceia de explicação do mundo, o “racismo estrutural”: todos os brancos “geneticamente” seriam privilegiados e malvados e todos os negros seriam pobres criaturas ingênuas, dóceis e passíveis de serem vitimas de todos os infortúnios em suas vidas. Nesta profundidade da dimensão de um pires que comporta uma xícara de alucinógeno, não haveria espaço para luta de classes, mas sim uma imortalizada luta entre a eterna vítima negra e o garanhão branco doutrinador! Todavia, uma pergunta se porta no ar para os tais ativistas identitários de alma mater negra: em sociedades cuja presença negra seja ínfima ou nula, como explicar as diferenças sociais?

Derivado deste rocambole de retóricas flácidas, regado com muita imaginação, surge os tais “estudos da branquitude” no Brasil, como se fôssemos uma nação fundada por arianos que, por si só, conduziram sua genética de malefícios, ao longo dos séculos, no território tupiniquim. O espetáculo das caricaturas generalistas cria um teatro da vitimização que confunde o espectador e empobrece o debate público. Nesta esteira, os estudos acadêmicos também se tornam cada vez mais contaminados, com este rol de bobagens do senso comum, turbinado com grande overdose de imaginação preconceituosa e que não condiz com a realidade construída, em mais de quinhentos longos anos, de história das desigualdades brasileiras.

De antemão é bom que fique bem claro: não se nega a questão racial impregnada na sociedade brasileira, mas não será com pseudoteorias fantasiosas, incrementadas pelo capital que serão superadas chagas históricas. Nada disso seria apenas fumaça alucinógena gratuita, se não tivesse propósitos bem claros. Diante desta exibição minúscula de imaginação intelectual, as gritantes e assassinas diferenças sociais não mais seriam devidas ao acirramento da luta de classes, cujo poder coercivamente hegemônico está nas mãos das burguesias, mas tudo seria explicado por uma palavra mágica: o "preconceito". Ao buscar uma narrativa fantástica do irrealismo terraplanista para as desigualdades sociais, as explicações neoliberais do identitarismo visam atacar conceitos consagrados do marxismo e da luta de classes, preservando o capital e culpabilizando a percepção de cada indivíduo, perante uma suposta percepção de realidade calcada na aparência subjetiva.

A chamada “guerra de narrativas” é um nome pomposo para designar um perverso e caricatural revisionismo sócio historiográfico que busca difundir conceitos irreais e do senso comum, em substituição aos elementos consagrados em décadas de estudos e pesquisas acadêmicas e, pior ainda, “cancelar” todos que não se ajoelharem ao fanatismo das identidades e suas alucinações dos contos da Carochinha. Nesta matriz do ilusionismo fantástico dos terraplanistas identitários, o mundo seria então bipolar na narrativa pós-moderna das identidades: negros e racistas, homossexuais e homofóbicos, mulheres e machistas do patriarcado. Enfim, o terraplanismo identitário, cuja matriz é o universo umbilical da cultura de superfície, se resume em uma míope visão de berçário de um mundo de sujeitos: o “descolado” e o preconceituoso.

A simplória visão maniqueísta de mundo da bricolagem identitária se torna tão insana, anti-intelectual e fanatizada que apenas retroalimentam os mesmos fanáticos da extrema direita de quem, supostamente, seriam adversários. Lembrar que os estratagemas dos dois grupos, identitários e extrema direita, são tão parecidos que não seria exagero dizer que acabam se tornando, taticamente, irmãos siameses. Ao esvaziar a visão materialista histórica e dialética do mundo, ao abandonar a racionalidade, a razão e a percepção intelectual, as estruturas neoliberais da pós-modernidade reduzem o pensamento crítico a caricaturas de infantário de mundo.

Os arautos pós-modernos recorrem às ambivalências panfletárias, cujos motes são ampliar polêmicas, desenraizar um irracionalismo prejudicial ao desenvolvimento social, cultuar o anti-intelectualismo e, ao mesmo tempo, posam de “influenciadores” e, o principal, expurgam toda a culpa do capital por seu sistemático genocídio seletivo sobre a Terra. Nesta lógica, ao pulverizar a "culpa individual", o objetivo, no qual as grandes narrativas perdem sua força e o indivíduo se torna o centro do universo, em detrimento dos projetos coletivos que caducam por completo, visa o destino-manifesto do mercado reinando absoluto na terra plana neoliberal, dando vazão ao ego narcisista do eu-empreendedor-de-si-mesmo.

Quem fomenta tanta paranoia obsessiva narcisista? Quem lucra, sem cessar, bilhões em plena pandemia, onde milhões de vidas estão sendo devastadas? A quem interessa o debate do sexo dos anjos? Quem patrocina a estupidez dos fetiches periféricos e as histerias narcísicas? São os mesmos articuladores que sabem muito bem que, quanto maior o nível da imbecilização social, ou seja, da alienação das mais perversas possíveis, maior será o voluntarismo serviçal dos sujeitos, em nome dos senhores do capital.

Não há ilusões sobre esta imbricada e selvagem “guerra cultural”, imposta pelo capital e engendrada nos alicerces do que se poderia chamar “soft power”, empregando narrativas, ora subliminares, ora explícitas. O terraplanismo ideológico é uma ode à imbecilização coletiva, ou seja, uma apologia ao fetichismo pós-moderno e à ignorância que ceifa milhares de vidas diariamente. Nada mais curioso e sintomático do que a propulsão que tais ativistas do identitarismo dão ao empreendedorismo neoliberal, como se fosse tábua de salvação social: o fetiche de o sujeito virar “patrão” ou “patroa”, dentro de um Estado cuja interferência na economia fosse mínima. Até onde mesmo o identitarismo é tão “inovador” assim? Com o enfraquecimento das esquerdas de matriz marxista ou socialista, quem se interessaria em patrocinar tão avidamente, tantos grupos identitários, forjados dentro da própria esquerda que pulveriza o pensamento neoliberal, nos mais inacessíveis guetos sociais?

O negacionismo e o revisionismo, propalados por “narrativas” da extrema, direita são também utilizados como estratagema pelos ativistas identitários. Distorcer os fatos, corromper a verdade e difundir uma “nova verdade” que seja baseada nos interesses de grupos extremistas que, muitas vezes, acredita em um mundo refém de alucinógenas teorias conspiratórias de acordo com a freguesia: ora a culpa é do “globalismo”, ora a culpa é do “privilégio branco”. Um exemplo desta irracionalidade ativista é o movimento para derrubar estátuas em praça pública que, supostamente, não seriam “politicamente corretas”. Com a retórica da vulgata autoritária, se algo está fora das querelas da moral identitária, logo deverá ser derrubado em nome dos novos “bons costumes”. A irracionalidade e a contradição são elementos intrínsecos de movimentos cuja mobilização parte da suposta hegemonia de interesses narcíseos, tal como a extrema direita e o identitarismo neoliberal com pretensos “ares de vanguarda”.   

Ao mesmo tempo em que o terraplanismo ideológico distorce uma visão de mundo mais humanitária, ele contribui para incrementar a ideologia do capital, por sinal, cada vez mais forte, hegemônica e irrefreável. Quase todas as formas de crítica, colocadas no balcão do debate público, não deslumbram o destronamento ou, sequer, o questionamento do capital, mas sim fantasiam formas mais ou menos exóticas para incrementá-lo, nas diferentes sociabilidades e quadros econômicos. A pandemia que causou a maior crise sanitária de todos os tempos, apenas deixou escancarado um mundo cada vez mais desequilibrado economicamente, desguarnecido de alternativas, com a falência sintomática da crítica social e com populações inteiras ajoelhadas e subjugadas pelo martírio do capital à espera do tilintar da própria sorte.

TRUMP NÃO FOI UM (NOVO) ACIDENTE DA HISTÓRIA. FOI UMA ESCOLHA!

  Quase todas as tentativas de explicação que surgem do campo de uma Esquerda, magnetizada pelo identitarismo, é de uma infantilidade atroz,...