sábado, 21 de novembro de 2020

OPIÁCEOS E OUTROS BICHOS

Ao elegermos "inimigos" genéricos e imaginários, aparentemente invocamos uma batalha a ser travada com algum horizonte de vitória.

Apaziguar a alma em desencanto e sedenta de respostas para as angústias insolúveis. Porém para tanta ilusão, falta o substrato da realidade.

Elaborar "inimigos" é uma forma de sustentar a incapacidade de entender o mundo e gozar com a ignorância.

As guerras se travam para além das aparências. Na terra da subjetividade, a verborragia impera impondo o discurso do irrealismo passional!

A norma da inação é a construção de um arcabouço onde nossos medos se escondem e vaza, entre os poros, do inconsciente coletivo um primitivismo tão sedutor quanto destrutivo.

Para o sujeito, desprovido de uma consciência de classe e de mundo, sobra espasmos irrealistas e reducionistas de uma sociedade desigual e injusta que opera tanto pelo material, quanto pelo simbólico/imagético. O buraco segue logo após os espasmos da aparência.

O mundo não dá espaço para a essência e constitui o seu calabouço com suas imagens ideológicas, simbólicas e persuasivas.


terça-feira, 17 de novembro de 2020

O BRASIL PLASMADO NAS URNAS: UM BREVE BALANÇO DAS ELEIÇÕES NA PANDEMIA


Em meio à maior crise sanitária de todos os tempos, o Brasil resolveu insistir em fazer a manutenção do processo eleitoral municipal e ignorar os quase seis milhões de contaminados pelo novo coronavírus, Sars-Cov-2. Na mesquinhez da vida cotidiana bancada por uma elite insensível ao sofrimento da grande maioria da população, os interesses políticos imediatos se tornam superiores aos das vidas humanas. As eleições foram decorrentes de grandes aglomerações, com candidatos em campanha ao longo das últimas semanas e da movimentação deste domingo eleitoral.  Com o final do primeiro turno, as eleições na pandemia mostraram alguns sintomas que serão pontuados a partir de um breve esboço do panorama da política nacional do ponto de vista da arquitetura de poder constituído pelos municípios. Em todo o país, com máscara, álcool em gel e título na mão, o eleitor foi fazer a sua escolha de prefeitos e vereadores, marcando elementos norteadores de algumas considerações sobre a política imediata brasileira.

O primeiro ponto, no quadro nacional, notadamente, o grande perdedor foi Jair Bolsonaro. Com exceção do Rio de Janeiro e Fortaleza, os candidatos apoiados por Bolsonaro não decolaram em nenhuma outra capital. Os casos do Rio de Janeiro e Fortaleza, os candidatos bolsonaristas foram para o segundo turno das eleições de forma sofrível e baixa votação que se esperava de antemão. Muitos dos candidatos apoiados por Bolsonaro, como Celso Russomano, em São Paulo, esconderam ou disfarçaram, ao longo da campanha, o apoio dado daquele que foi o maior responsável pelas 165 mil mortes por COVID-19 neste país. Dois anos após a grande explosão do eleitorado extremista de direita que impulsionou a escolha de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, a questão mais importante desta eleição é o fato das candidaturas ligadas à extrema-direita demonstrarem estar em aparente refluxo eleitoral no país. Em 2020, o resultado das urnas mostrou uma perda de fôlego destas candidaturas que apoiam o extremismo político como forma de ampliar o primitivismo da sociabilidade brasileira. Todavia, isto não significa que teremos tempos com ares democráticos para os próximos pleitos.

Apesar desta perda de fôlego das candidaturas extremistas, observou-se, em segundo ponto, ainda na onda das eleições de Bolsonaro e sua truculência fascistizante refletida nas eleições de 2018, o ressurgimento de diversas candidaturas de militares, forças integrantes de polícias, delegados, juízes e militantes ligados às demandas da segurança pública. Diante da guinada ultraconservadora no debate político em parcela significativa da sociedade, tais candidaturas tiveram grande visibilidade e, como se previa, foi quase nulo o real debate político. Este é um nicho que irá perdurar enquanto ainda tiverem fôlego os estratagemas bolsonaristas, na sociedade. Fato preocupante é os principais partidos de esquerda, PT e PSOL, oferecerem este tipo de candidatos para o eleitorado, como é o caso da esdrúxula candidatura petista da Major Denice, em Salvador.

O terceiro ponto, a onda identitária ampliou-se ainda mais nesta eleição. Em nome de uma maior representatividade, foram promovidas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), as cotas partidárias para impulsionar “candidaturas negras”. Contudo, de forma genérica, em nome da representatividade, houve uma oferta dessas candidaturas e que tornou o debate da política mais maniqueísta, com a construção de um falso “trade off” entre negros versus brancos. Do ponto de vista da estratégia política, com a onda identitária forte, da esquerda à direita, muitos candidatos reivindicaram o misticismo da “ancestralidade negra” para si, em busca de se colocarem como herdeiros transcendentais da tradição da “cultura negra”. Com tal estratégia bem definida, tais candidaturas buscaram angariar simpatia e votos para uma causa que, na prática, se tornou recurso de um discurso unilateral e personalista. Na esteira das identidades, não faltou a exaltação à “força da mulher”, com as candidaturas “feministas” e, além delas, as candidaturas “transgêneras”. Apesar de corresponder a 50,6% da população brasileira, a questão da candidatura das mulheres merece destaque quanto à participação do percentual de prefeituras conquistadas, 12,2% somente no primeiro turno, conforme dados do TSE.

No quarto ponto, é perceptível uma onda de pessoas que ingressam na política, buscando lentamente substituir elementos mais conservadores. Há uma tendência de algumas democracias ocidentais colocarem estes novos atores para administrarem o capital. Um exemplo patente desta premissa foram as eleições estadunidenses e, por sinal, com reflexos no Brasil, onde as candidaturas identitárias que se inspiram em ideologias neoliberais, ganham visibilidade social e são patrocinadas tanto pela grande mídia, quanto pelos grandes grupos empresariais fomentadores de campanhas eleitores. Vale lembrar que o simples fato destas candidaturas estarem reunidas em partidos de esquerda, não quer dizer que tais candidatos comungam de ideias mais pertinentes a uma esquerda clássica, com bases marxistas.

No quinto ponto, observa-se uma eleição paradigmática em São Paulo. Apoiado pelo governador João Dória, o atual prefeito, Bruno Covas, foi para o segundo turno, com quase um terço dos votos válidos e disputará a prefeitura com Guilherme Boulos, do PSOL. Fato pertinente foi o mísero percentual de um pouco mais de 8% do leniente candidato do PT, Jilmar Tatto. Com erros estratégicos grotescos, em São Paulo, o PT amargou a pior votação dos últimos tempos na capital paulista, cidade esta que o partido governou em três mandatos: com Luiza Erundina (1989-1992), Marta Suplicy (2001-2004) e Fernando Haddad (2013-2016). Sem buscar uma coalização com os partidos de esquerda na capital paulistana, PT e PSOL disputaram os votos do eleitorado. Boulos, com mais carisma midiática do que o insosso Tatto, logo ganhou musculatura em sua candidatura e angariou tanto os votos do eleitorado petista e simpatizantes do partido, quanto o campo mais progressista não-atrelado ao petismo. Com pouco mais de 20% dos votos válidos, Boulos consolidou-se como uma liderança ascendente na política paulistana à esquerda. Todavia, caso deseje, de fato, ganhar a prefeitura da conservadora São Paulo, terá a missão de se distanciar das querelas identitárias de uma classe média, pretensiosamente ilustrada, do seu partido e voltar-se ao campo da realidade, buscando votos das periferias e dos trabalhadores.

O sexto ponto poderá ser observado na fragmentação da unidade das esquerdas. Tanto em São Paulo, quanto no Rio de Janeiro, a desunião das esquerdas foi flagrante. No caso do Rio de Janeiro, Benedita da Silva do PT e Renata Souza do PSOL, naufragaram suas candidaturas em disputas fratricidas. Em São Paulo, nem mesmo a direção do PT acreditava que Tatto fosse para o segundo turno e, mesmo assim, insistiu com a candidatura, numa cena vexatória em termos de eleições majoritárias. Sem nenhum aceno real à candidatura de Boulos, o próprio PT contribuiu para sair do protagonismo do atual momento político. Há um saldo positivo em meio ao caos eleitoral para o PT, em ternos de votos para a vereança, onde conseguiu ter a liderança em número de votos e ainda obteve a honraria de ter o veterano Eduardo Suplicy como o vereador mais votado de São Paulo.  

O sétimo ponto desta análise, no calor do momento, visa a eleição em aberto para a presidência em 2022. Apesar da derrota sensível das alas bolsonaristas nas eleições deste ano e a perda de popularidade e de rumo do seu governo, Bolsonaro segue com uma parcela fiel do eleitorado que, atualmente, se encontra em um percentual de 30%, segundo pesquisas mais recentes. Importante destacar que os principais partidos da órbita da extrema-direita com laços estreitos com o bolsonarismo, segundo dados consolidados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de prefeitos eleitos no primeiro turno, tem-se o PSL, o Republicanos, o PSC, o Patriotas e o PRTB que, juntos, conquistaram cerca de 8,6% das prefeituras do país. Todavia, é importante destacar a ampliação das prefeituras do conjunto destas cinco siglas que passaram de 244 prefeituras em 2016, para quase o dobro, 467, em 2020.

A partir deste percentual, o oitavo ponto se revela com grande preocupação e requer maior atenção. O campo das esquerdas, aqui destacando os três principais partidos com representação na Câmara dos Deputados e na conquista de prefeituras: o PT, o PSOL e o PC do B, juntos conquistaram 229 prefeituras somente no primeiro turno destas eleições (sem a necessidade de um segundo turno), em um total de 5400 municípios. Este percentual significa apenas 4,2% de todo o conjunto dos municípios. Um aspecto é o recuo de 32% no número de prefeituras deste conjunto, o qual passou de 337, em 2016, para 229, em 2020. Somente o PT perdeu 75 prefeituras entre 2016 e 2020, ou seja, um recuo de quase um terço do seu mapa de administração nacional de municípios. Por outro lado, o crescimento das prefeituras conquistadas pelas siglas da extrema direita bolsonarista é significativo e representa praticamente o dobro das siglas à esquerda do espectro político. Tais números demostram os desafios de romper a bolha de mediocridade e conformista que se instalou no pensamento de esquerda brasileira atualmente. Em 2018, a subestimação da ascensão de Bolsonaro foi um exemplo da falta de estratégia do campo das esquerdas e do campo mais progressista. A decorrência de erros estratégicos que já datam desde 2013, diante dos protestos de inverno capturados pela direita, a qual culminou na derrubada da presidente Dilma Rousseff, possibilitou a maior ascensão do populismo da extrema direita da história do país. O reflexo da escalada do bolsonarismo da extrema direita no Brasil refletiu na explosão do número de assassinatos de candidatos nas eleições deste ano no país. Este ponto merece ser analisado com maior refinamento em outra oportunidade.

Um nono ponto que merece ser observado é o número de votos não válidos, ou seja, a somatória de abstenções ou ausentes, brancos e nulos. O reflexo direto da pandemia se fez presente nestes números, além do desinteresse popular pelas eleições. No Brasil, segundo o TSE, este percentual foi de 30,57% e, em particular, na cidade de São Paulo, 40,59%. Em termos comparativos, este número é deveras alarmante na cidade paulista, posicionando-a na primeira colocação geral entre os candidatos concorrentes à prefeitura, no pleito deste domingo, 15 de novembro. Trocando em miúdos, o grande vencedor das eleições em São Paulo foi o conjunto das abstenções, brancos e nulos!

E por fim, chega-se ao décimo ponto. O grande vencedor dessas eleições foram os partidos tradicionais da direita (MDB, PP, PSD, PSDB, DEM, PL e PTB) que juntos somaram 3417 prefeituras somente no primeiro turno das eleições de 2020. Número tão expressivos que corresponde a 63% de todos os municípios brasileiros! Diante desta realidade, a questão central é a escolha de um candidato aglutinador e que possa ampliar a massa de votos e ser competitivo para conquistar o eleitorado para a esperada sucessão de Bolsonaro.

Observando os dez pontos em destaque, sobressai-se uma predominância que ficou explícita ao logo da batalha do primeiro turno das eleições de 2020: nenhuma candidatura “puro sangue”, ou seja, totalmente composta por candidatos (titular e vice), no campo das esquerdas, sagrou-se vencedor em nenhuma cidade política ou economicamente com relevância no cenário nacional. Mais do que nunca, para o campo da esquerda e dos setores mais progressistas, é hora de baixar o salto da prepotência e ampliar a análise da conjuntura tendo em vista o arco de alianças políticas, caso deseje derrotar o desgoverno fascistóide de Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

Dentro de alguns dias, teremos o segundo turno das eleições com 57 cidades, incluindo 18 capitais, para definirem seus prefeitos, como São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre e Recife. São cidades com maior aporte populacional, político e econômico e, por sua vez, merecerá uma análise mais pormenorizada e, posteriormente, será elaborada e divulgada.

quarta-feira, 11 de novembro de 2020

AS PRIMEIRAS PALAVRAS DE BIDEN

 


Após hollywoodiana ansiedade do desconexo processo de apuração de votos, a noite deste sábado, 07 de novembro, registrou o primeiro discurso do democrata Joe Biden como presidente eleito nas urnas. Conquistando os votos dos chamados "estados-pêndulos" (sem uma direção sistemática para qual seus eleitores votam, seja democrata ou republicano), Biden assegurou os votos necessários para a conquista do Colégio Eleitoral. Por sinal, desde o dia oficial do início da votação em 03 de novembro, diante de um sistema eleitoral confuso e ultrapassado, ainda não foram contabilizados os votos integralmente devido aos votos provenientes do correio. Nos Estados Unidos, há uma tradição singular que o eleitor pode fazer uso do mecanismo do voto pelo correio!

Com mais de 75 milhões de votos assegurados, um recorde histórico, em tom conciliador, centrado e conservador, Biden fez seu primeiro pronunciamento com otimismo e agradeceu aos familiares, seus apoiadores de campanha e exaltou a sua vice-presidente, companheira de chapa, Kamala Harris.  Foi mais protocolar do que a situação exigiria, mas Biden sempre foi da cepa conservadora do Partido Democrata.

Ciente que o processo eleitoral acirrado aprofundou as rachaduras imanentes na sociedade estadunidense, Biden afirmou que irá trabalhar para unir o país e será o presidente de todos os estadunidenses, independente de quem votou nele. Um recado explícito para tentar acalmar os ânimos dos eleitores mais afoitos e agressivos do derrotado extremista, Donald Trump. Por falar do atual presidente que fracassou nas urnas na sua tentativa de reeleição, Trump ainda não reconheceu sua derrota e afirmou que irá entrar na justiça contra a contagem dos votos. Além de um chauvinista canastrão, Trump é incapaz de reconhecer seus erros e derrotas, expondo o seu país aos vexatórios abalos institucionais!

Buscando pela prudência, a razão científica e humanitária, Biden lembrou dos mortos pela COVID-19 (o país é o atual campeão mundial de contaminados e com 240 mil mortos) e prometeu ação enérgica para conter a pandemia, assim que assumir o seu mandato, em 20 de janeiro de 2021.

Biden sabe que herdará um império em franca decadência e, drasticamente, piorou com herança da desastrosa administração Donald Trump. A perda de liderança ficou exposta na crise da pandemia do novo coronavírus a qual Trump se limitou ao papel obscurantista e irresponsável de negar a gravidade dos fatos, ter ações atabalhoadas para enfrentar a situação catastrófica, espalhou mentiras até mesmo por via do seu Twitter pessoal, comprou briga com governos locais que buscavam conter a doença e se confrontou sistematicamente com a direção e os cientistas da Organização Mundial da Saúde (OMS).

O tom do discurso de Biden foi de um retorno ao "orgulho americano" e de um futuro presidente que fará de tudo para reconstruir o protagonismo derretido internacionalmente do seu país. O mundo está bem diferente de quando os Estados Unidos se mostraram como astutos "grandes vencedores" da Guerra Fria com a diluição da antiga potência-rival, a União Soviética, no início dos anos 1990. Em um planeta multipolar com a China, a Rússia e a União Européia como consolidados líderes regionais e globais, o planeta está cada vez menos dependente da influência política e econômica dos Estados Unidos.

O mandato de Biden será decisivo para o futuro do império estadunidense e quais as relações efetivas que os Estados Unidos farão com o planeta. Não adianta nutrir grandes ilusões: Biden foi eleito para governar em prol dos estadunidenses e será para o seu país que os interesses se voltarão no complexo tabuleiro da  política internacional. Traduzindo em linguagem usual: o que será bom aos Estados Unidos não significará, necessariamente, que será bom para o mundo.

Nada é tão simples neste lamaçal que se transformou explicitamente a democracia estadunidense. Lembrar ainda que a extrema direita, com seus grupos milicianos armados, segue ainda bem articulada e Trump, mesmo perdendo a eleição, conquistou o fantástico eleitorado de 71 milhões de votos! A sua legião de admiradores extremistas segue com uma fé inabalável nas escrotices oriundas da boca inescrupulosa de Trump. Nada é tão trivial e não será uma eleição confusa, como a que foi registrada, que irá apaziguar a situação tão repentinamente. O fascismo e suas variantes autoritárias são como uma erva daninha, ao se destruir algum nicho reaparecerá novamente com mais vigor.

Contudo, uma nova era se abrirá nos Estados Unidos do futuro presidente Biden. Deverá ser inaugurado um momento de sutura política e institucional interna com um recuo da escalada autoritária da extrema direita liderada por Trump e, quem sabe, a possibilidade de ares um pouco mais democráticos para inspirarem as cambaleantes democracias a resistirem à tentação fascista ao redor do globo. O futuro está sempre em aberto e a História, inevitavelmente, precisará ser escrita. A esperança é sempre uma boa companheira, porém a prudência permanece como a melhor conselheira.

 

(Wellington Fontes Menezes)

 

terça-feira, 3 de novembro de 2020

ELEIÇÕES NOS ESTADOS UNIDOS: A LATINIZAÇÃO DA DEMOCRACIA E O FEITIÇO DO FEITICEIRO

Esta semana será decisiva para os Estados Unidos: a eleição que escolherá aquele que possuirá, como poder máximo, a primazia genocida de apertar o botão que detonaria toda a vida na Terra.

A maior potência bélica do planeta escolherá seu novo gerente majoritário. De um lado, o canastrão bilionário Donald Trump tentará sua reeleição, cuja administração está marcada na história, como a causadora do maior desastre sanitário, devido à negligência governamental com relação aos riscos oriundos da pandemia do novo coronavírus. Do outro lado, quase octogenário Joseph "Joe" Biden, ex-vice-presidente de Barack Obama, que tentará ser o novo presidente de uma potência em franca decadência.

Tanto o republicano Trump, quanto o democrata Biden, tem em comum serem velhos ricaços que falam para o seu público, o velho dito da "América para os americanos". Nos debates televisivos, a senadora afro-americana Kamala Harris, vice de Biden pareceu ser mais proeminente do que Mike Pence, vice de Trump. Tal qual no Brasil e no protagonismo dos vice-presidentes na história, em casos de presidentes anciãos, o vice se projetará ao poder. Um fato que não pode ser descartado nesta tumultuada disputa eleitoral.

Os interesses estadunidenses no globo se ampliaram com o seu crescimento econômico consistente e colossal. Lembrar que, até o final do século XIX era provinciana política estadunidense, a qual passou a operar em uma lógica que a tornou maniqueísta, durante o ingresso do país na Primeira Guerra Mundial: o mundo, então, se divide em dois, os americanos e seus interesses globais e os outros. É importante ressaltar a guinada colonialista dos Estados Unidos no século XX e sua supremacia como potência militar após a Segunda Guerra Mundial.

A guerra fria travada com a antiga União Soviética aperfeiçoou substancialmente o seu parque industrial bélico e ampliou a demanda por domínios coloniais, seja do ponto de vista econômico, seja do ponto de vista ideológico. Isto inclui também interesses geoespaciais com investimentos pesados no ramo astronáutico.

Para os entusiastas do modelo democrático estadunidense colocando-o como um totem da história, ao estilo de Francis Fukuyama, é importante estar atento. A arquitetura do regime estadunidense é para consumo próprio, ou seja, para os interesses das burguesias locais. Para quem está situado ao lado dos "outros", logo, o resto do planeta não-estadunidense e que não faz parte dos interesses de Washington, não adianta ter delírios sobre a "democracia americana": ela é bem clara, ela serve somente aos estadunidenses!

Em meio às eleições, a pandemia do novo coronavírus se aproxima dos 240 mil mortos e 10 milhões de contaminados, em números acumulados com COVID-19 em solo estadunidense. Em um clima eleitoral dos mais disputados e confusos da história recente dos Estados Unidos, Trump já se antecipou e fez declarações sobre sua indisposição em deixar o poder, caso seja derrotado em sua escalada na busca de novo mandato. Fato inédito na história institucional da orgulhosa "grande democracia da América". Alguns de seus apoiadores com perfis psicopatas estão armados, os chamados "supremacistas nacionalistas", ou seja, milicianos fascistas integrantes de grupos de extrema direita estadunidense, estão dispostos a entrar em combate em nome de Trump. Nunca a democracia estadunidense esteve tão ameaçada ao ponto de se assemelhar a um esboço cinematográfico de guerra civil em tempos recentes!

Na onda identitária do cínico "politicamente correto" estadunidense, tem-se as contendas raciais entre brancos, afro-americanos, mestiços, amarelos... Os nascidos na América, ou convertidos pelo "green card", podem se matar no plano interno, porém se o assunto é o patrocínio de golpes de estado e destruição de países alheios, suas lideranças estão juntas! Se "vidas negras importam", leia-se, "vidas americanas importam", o que vem, além disso, é mera demagogia produzida por Hollywood, para criar a imagética de uma "potência cordial e cidadã do mundo".

Para o Brasil, embriagado com a insensatez genocida de Bolsonaro, o cenário pouco se alterará com a eleição de qualquer um dos dois postulantes. O país entrou em uma política suicida de subserviência nunca observada na sua história. Os interesses de Washington se tornaram os próprios interesses automáticos da turma de Bolsonaro, com o seu vira-latismo ensandecido e irresponsável. Na gestão de Bolsonaro, a matriz das relações exteriores brasileira, o Itamaraty, se tornou uma espécie de embaixada dos interesses da Casa Branca. É inacreditável o nível de promiscuidade presente nas bolorentas políticas de relações exteriores brasileira na gestão catastrófica de Bolsonaro.

Nos próximos dias que se estenderão por meses, haverá um processo de ampliação da tensão política nos Estados Unidos. Ao contrário das principais democracias mundiais, o processo eleitoral estadunidense é uma roleta russa, cujo resultado nem as principais pesquisas eleitorais conseguem captar com certeza mediana. O processo eleitoral é lento, caótico, ultrapassado e poderá até distorcer a vontade popular, resultando em confusões gritantes, tal como ocorreu na primeira eleição de George, o controverso filho do ex-presidente Bush, que, mesmo perdendo na votação da população, diante de um cenário conturbado nas eleições de 2000, ganhou no Colégio Eleitoral.

Outro exemplo catastrófico da distorção proporcionada pelo sistema eleitoral dos Estados Unidos deu margem ao triunfo de Trump. As pesquisas eleitorais mostraram um cenário o qual daria vantagem à então democrata Hilary Clinton, em disputa com Trump, em 2016. Após os votos apurados, se confirmou a vantagem popular para Hillary que ficou com 48,18% dos votos válidos contra 46,09% de Trump. Contudo, no Colégio Eleitoral, a situação se inverteu, Trump foi consagrado vencedor com 304 votos, contra 227 de Hillary. Isto se dá pela representação dos estados na federação que compõe o intrincado sistema político dos Estados Unidos onde alguns estados tem mais representatividade política do que outros. A composição do Colégio Eleitoral representa este mosaico distorcido entre o voto da população e a sua representatividade.

Brigas internas, escândalos sobre fraudes eleitorais, contendas políticas buscando ser resolvidas no braço pelas ruas, judicialização das disputas eleitorais, negação dos resultados da eleição pela parte vencida e clima de golpe de estado, são exemplos que contribuem para um "caldo de cultura" destrutivo que os Estados Unidos fomentam e ofertam ao mundo, ao longo de sangrentos anos, em especial, aos países latino-americanos.

Agora, como se vê, "o feitiço está se voltando contra o feiticeiro", tudo no formato de uma dantesca tragédia ao estilo hollywoodiano e sem direito ao Oscar.

TRUMP NÃO FOI UM (NOVO) ACIDENTE DA HISTÓRIA. FOI UMA ESCOLHA!

  Quase todas as tentativas de explicação que surgem do campo de uma Esquerda, magnetizada pelo identitarismo, é de uma infantilidade atroz,...