quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Retrato da "naturalização" do golpe: Diante da democracia estuprada de que adianta uma “carta de piedade”?


Dentro de um golpe de estado, não existem regras uma vez que a Constituição já foi estuprada. Logo, qualquer tentativa de diálogo com golpistas é entrar na lógica do golpe, aceitar como natural o delinear do estupro do processo democrático. Neste sentido, é achar, ainda, que eles, a quadrilha que operou o golpe, irá reconduzir a democracia por livre e espontânea vontade.

Para mostrar o teatro para o mundo e para os brasileiros que acreditam na falsa retórica golpista alardeada nos últimos tempos que é derrubando presidentes que se avançará com a democracia, ainda segue a farsa dos trâmites do golpe disfarçado de um prosaico “impeachment”. O atual estágio das ações dos setores golpistas é fazer a "naturalização" do golpe, isto é, tratar que a derrubada de um presidente sem nenhum vínculo com crimes constitucionais é algo normal e "democrático" à luz da Carta Magna. Neste sentido, a presidenta legitimamente eleita e deposta, Dilma Rousseff, nesta terça-feira, 16/08, divulgou uma poliana carta para os golpistas senadores procurando estabelecer um insólito “diálogo” com vossas excelências golpistas e dizer que ela merece ser reconduzida ao cargo. Ainda o desfecho teatral do "impeachment" ainda não encerrou sua exibição circense. 


Observando alguns pontos de vista, a tal “carta de piedade” de Dilma para os seus carrascos do golpe é sonoramente inócua dentro de um processo que já foi acordado pelos quatro setores que se articularam à margem dos interesses da maioria da sociedade para alinhavar o atual golpe de estado: um Congresso Nacional mafioso e corrupto, um sistema judiciário igualmente podre e corrupto, uma grande mídia que utilizou métodos fascistas de propagandear as informações para a derrubada de Dilma e o todo o macro-sistema de poder econômico que desestabilizou sensivelmente a economia manifestada na liderança nefasta da FIESP.  Com toda a rede conspiratória armada, com um mínimo de reflexão, escrever para golpistas é o mesmo que a vítima de estupro telegrafe para seu agressor para cessar a brutal violência.


Conforme ressaltado, o golpe já foi consumado e o que temos agora é apenas e tão somente um teatro. A farsa podre e nefasta para as câmeras e escritas passionais de jornais igualmente golpistas. O próprio PT, partido da presidenta que foi alijado do poder e vem sendo estraçalhado pelo braço golpista pertencente aos togados do judiciário, parece não entender o momento histórico e de forma estúpida, suicida e eleitoreira deu as costas para Dilma e, em pleno delírio oportunista, padecendo de uma neurose obsessiva em torno de eleições. O apelo ao “quanto pior, melhor” para uma vindoura volta de Lula parece uma bizarra matemática oportunista de um cartesianismo amadorístico que somente pode viver nas cabeças de pessoas altamente estupefatas pelo poder e cegas de senso de leitura de conjuntura política.  Erros prepotentes e cálculos políticos chinfrins que mostram o quão é abissal o fosso político do país que inviabilizará qualquer busca do resgate da democracia estuprada e para, simultaneamente, afastar a fascistização da sociedade.


Quando irão devolver nossa frágil democracia? Há aqueles que acreditam que tudo será em um passe de mágica! Que tipo de eleições presidenciais teremos em 2018 dentro de um golpe de estado e tendo o maior de todos os mafiosos instalado no Superior Tribunal Federal (STF) e presidindo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nada menos que o pulha de toga, o “meritíssimo” Gilmar Mendes? Aliás, será que teremos as tais eleições da forma mais angelical com muitos preconizam com uma fé ufanista? Quem acredita em processos eleitorais onde golpistas é quem decidirão todos os seus ritos processuais? Como é possível confiar na Justiça de um país onde os principais mafiosos golpistas estão encabeçando os principais centros decisórios do Poder Judiciário?


Os demais setores das esquerdas padecem de um profundo autismo entre dores de cotovelo do petismo e os prazeres da zona erógena onanista do messianismo revolucionário. Sem contar com a leva de sectários que vivem gozando com seus falos narcísicos a pureza de seus supostos caráteres em detrimento de todo o derretimento das liberdades democráticas do país. As centrais sindicais e os movimentos sociais se calaram de vez, já se conformaram com a naturalização do golpe. A tão prometida greve geral ficou apenas no papel, como retórica decorativa do “Não vai ter golpe”. O bordão falhou e veio o lastimável golpe com a destruição avassaladora da Constituição e retrocessos terríveis para as questões sociais que nada disto fizeram coro mais efusivo dentro da sociedade brasileira mergulhada em um medonho sonambulismo. 


O que temos hoje é um silêncio delirando na zona de conforto dos setores que mais estão mais sofrendo com o golpe e sequer conseguem articular com mais ímpeto seu grito de indignação. Vale a pena ressaltar que diante da crise existencial que paira as esquerdas, a direita e os seus extremos políticos vem tratorando com toda a força e pulverizando o que mais sabe fazer: evocar o discurso do ódio social, o patriotismo autista seletivo e o retrocesso dos direitos sociais como mola-mestra de uma construção política que mais beira sem retoques o retrato pulsional do fascismo à brasileira.


O estado de tragédia parece não ter fim em um país que há menos de uma década acreditava que o ponto alto de um neo-desenvolvimentismo seria sediar os perdulários Jogos Olímpicos, ou seja, o suprassumo da megalomania petista de um Brasil deslumbrado por um crescimento lastreado em acordos frágeis com a grande burguesia e uma classe política amplamente corrupta. Uma fina ironia de toda a conjuntura é que o ciclo petista e a democracia da “Nova República”, inaugurada após o processo de redemocratização do pós-golpe de 1964, chegaram ao fim às vésperas da abertura das Olimpíadas, marcada para ser a apoteose petista de uma “nova etapa da vida nacional”.

O grande acordo de classes ruiu, as ilusões da amalgama de interesses tão distintos caíram por terra e o que sobrou é um país abraçado em tentáculos fascistas. Neste oceano trágico, a “carta de piedade” de Dilma soa mais um episódio burlesco dentro da tragédia política do golpismo em curso que assola o país. A crise se aprofunda no Brasil e parece que quase nenhum setor minimamente organizado parece perceber com mais densidade a catástrofe instalada e a profundidade do fosso que nós metemos com mais um trágico golpe no país. Turvo Brasil mergulhado em um futuro obscuro e suicidamente retrógrado.

Um comentário:

  1. Excelente texto. Infelizmente me sinto como se estivesse em um pesadelo do qual não consigo sair!

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