Toda
avaliação dos fatos no momento de sua digestão corre o risco de ser parcial ou
equivocada. Todavia é preciso assumir a realidade das intempéries para que se
possam contribuir para franjas de debates e discussões. Logo, as seguir,
algumas breves observações no "balanço das micaretas" deste domingo,
13 de março de 2016.
O
termo “micareta” é o que melhor o autor consegue traduzir pela percepção
visual, alegórico, predominação do amarelo em “homenagem” a camisa da Seleção
Brasileira de futebol e conteúdo festivo, que lembra as típicas manifestações
carnavalescas tão profícuas no país.
Sendo
assim, alguns pontos são possíveis de destacar a partir das micaretas, ou seja,
os atos promovidos em diversas cidades do país patrocinados por partidos tidos
como “oposicionistas” do governo Dilma, a saber: PSDB, DEM, PP, parte do PMDB e
grupos de direita e extrema-direita, inclusive alguns deles suspeitos de
receberem dinheiro de empresas "filantrópicas" estadunidenses (como o
Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua). Ao contrário das edições anteriores registradas
no ano passado, este ato de 13 de maio é o primeiro oficialmente declarado
pelos partidos oposicionistas do governo Dilma:
1.)
Ao contrário do mote do seus organizadores que seria um “movimento contra a
corrupção” (sic), efetivamente foram manifestações escancaradamente anti-PT e
contra as figuras da presidenta Dilma e, principalmente, o ex-presidente Lula
(o líder do PT e que não exerce nenhum cargo público ou político desde que saiu
da presidência, em 2010). O nível de conhecimento político dos seus
participantes foi escandalosamente alarmante, alicerçado com um viés surreal
(pedidos em cartazes de todo sortilégio de desejos sem fundamentação política
ou até mesmo desejo de morte da figura de Lula) e, o mais preocupante, um nível
de niilismo pseudo-politizado irresponsavelmente perigoso;
2.)
A priori, a questão da participação popular foi amplamente dos setores mais
privilegiados da sociedade e descontentes com o legado do PT de inserção dos
mais pobres na vida econômica. Pouco se viu críticas sobre a questão econômica,
supostamente seria um nível de descontentamento da crise que assola parte do
país, mas sobressaiu-se o máxima da "corrupção" exclusivamente
petista. Por detrás de um verniz supostamente "apartidário" ou
"apolítico", ressalta-se estruturalmente a luta de classes
interiorizada na sociedade brasileira;
3.)
O jogo político transbordou numa seara de grande perigo de alucinação dos afetos.
A deflagração da política do ódio pelo ódio fomentado pelos grandes meios de
comunicação e extravasado pelas redes sociais, além de um declarado ódio contra
o PT, vem ecoando com muita força o ódio pela política, inclusive, o ódio pela
democracia. Aqui, segundo participantes, a democracia sendo sentida como
sinônimo de "fracasso econômico" para alguns e/ou também de
“inviabilidade da vida social”. Este último, temos um discurso fortemente
conservador de extrema-esquerda e a crítica mordaz pelas ações sociais
promovidas dos governos Lula/Dilma (o “Bolsa Família”, um programa de
redistribuição de renda, foi um dos mais citados como “retrocesso” do país);
4.) O nível de rejeição e intolerância pelo
governo Dilma a partir da demanda dos participantes pareceu ser bem nítida que
pouco importa que a presidenta Dilma faça a partir de agora. Uma vez que para
os defensores de sua “expulsão do poder” (aqui, serve qualquer saída, inclusive
a defesa da “intervenção militar” como alguns grupos apregoam em redes sociais
e em cartazes exibidos em praça pública), ou seja, execram-na independente se
ela tiver alguma suposta ligação real com corrupção ou se seria uma insegura “má
gestora da economia”. O ódio apregoado e mal disfarçado de “crítica politica” é
contra a figura da mulher Dilma (perceptível pelo número de cartazes de
insultos misóginos) e contra o que ela representa como suposto governo
"exclusivamente petista ou comunista". Todavia, é do encontro quase
irreal de uma mosca azul conseguir que algum dos participantes definirem com
mínimo de exatidão o que seria um “governo comunista”. O pedido de
“impeachment” da presidenta por parte dos participantes foi uma questão muito
mais de desejo narcísico e não de motivos substanciais para destituição do
cargo;
5.)
Uma certeza categórica: a grande mídia pode ser definida simbolicamente do
ponto de vista de um protagonismo ideológico traduzido em mobilizações “apolíticas”
perante os elementos constituintes da sociedade, o “maior partido político” do
país. A grande mídia com seus braços em todos os meios de comunicação foi quem
criou todas as condições para que pessoas comuns e completamente
despolitizadas, ignorantes da política como prática e como teoria, se
transformassem em perfeitos “zumbis” cheios de rancor e ódio sem alicerçar
maiores fundamentos que pudessem traduzir a natureza perceptível dos fatos.
Vale ressaltar o poderoso monopólio de comunicação, nas modalidades de mídia
impressa, digital, televisiva e radiofônica, que exerce de forma peremptória as
Organizações Globo, o grupo Abril e, em São Paulo, os dois principais jornais
do estado, a Folha e o Estado, entre outros grupos como o Grupo Bandeirantes, a
rádio Jovem Pan e o canal do governo do Estado de São Paulo, a TV Cultura,
transformado em braço jornalístico do governador Geraldo Alckmin;
6.)
Sob aspectos da dimensão partidária, a direita continua desorganizada como
braço político sem um nome de consenso definido. Em plena Avenida Paulista,
cidade de São Paulo, berço dos protestos paulistas, a hostilidades contra os
presidenciáveis tucanos para 2018, o governador Geraldo Alckmin e o senador
Aécio Neves mostraram a derrocada dos planos de capitalização eleitoral imediata
das micaretas promovidas pelo próprio PSDB, região do principal celeiro
eleitoral do partido;
7.)
Nitidamente se percebeu, por parte de muitos participantes, um clamor por
medidas autoritárias e truculentas deram vozes mais agudas à um fascista como o
deputado Jair Bolsonaro. Curiosamente, Bolsonaro foi político mais aclamado
como “mito” (talvez o único) por muitos participantes presentes no ato onde ele
compareceu ao lado do novo “herói nacional”, graças a sua projeção midiática e
hipertrofia de suas ações sensacionalistas, o juiz Sérgio Moro, responsável
direto pela investigação dos supostos desvios da Petrobrás, apelidado de
“Operação Lava Jato”. Sintomaticamente, um deputado fascista representante das
forças policiais e um juiz como “heróis nacionais” foram os elementos mais
lembrados pelos participantes, em especial, Moro, como uma espécie de “redentor
da dignidade brasileira”;
8.)
É razoável compreender que estamos definitivamente num período político muito conturbado
(um sintoma de “clima de incertezas”), onde a razão e a responsabilidade vem
perdendo forças bruscamente para a insanidade e histeria coletiva. Sintomático
que nas vésperas dos protestos encabeçados pelo PSDB, na noite da sexta-feira,
11 de março, sem maiores explicações, a Polícia Militar de São Paulo tenha
invadido a subsede do Sindicato dos Metalúrgicos em Diadema, no momento que a
entidade fazia um ato pró-Lula. A Caixa de Pandora aos poucos vai se abrindo e
o serpentário começa a mostrar as suas garras, não apenas na desertificação da
política, mas que reflete diretamente nos ânimos da vida cotidiana com ensaio
de agressividade supostamente por motivação política;
9.)
Diante de uma visível e estéril polarização ideológica e afetiva entre pró-PT e
anti-PT, alicerçada cotidianamente pela grande mídia e fomentada a cada “fato
novo” oriundo dos vazamentos seletivos inquisitórios da Operação Lava Jato,
neste ínterim, tanto as esquerdas fragmentadas quanto os intelectuais
progressistas simplesmente parece se manterem imóveis ou sonolentos. Logo,
sobre o silêncio de uma contraposição que possa se mostrar contrária a sanha
reacionária que naufraga o país, o processo de “fascistização da sociedade”
avança dada vez mais e, como sintoma foi visto a partir dos protestos de 2013,
agora, parece não ter controle desejo por parte dos "abridores" da
Caixa de Pandora;
10.)
Há um vazio político muito perigoso, o qual somente a figura de Lula, como o PT
e seus simpatizantes desejam, é muito pouco ou insuficiente para ocupar no momento,
uma vez que sobre ele toda a mídia centra fogo cerrado contra sua figura
política. Ademais, o governo Dilma a cada semana se encontra mais enfraquecido
pelas circunstâncias políticas e por um Congresso Nacional profundamente
oportunista, reacionário e chantagista. No campo da direita, conforme já
indicado, há outro vazio com alguns postulantes, mas sem consenso no atual
estágio do atoleiro político. Daí o sensível risco de "salvadores da
pátria" surgem para satisfazer o nível de ansiedade produzido pelo clima
hostil e histérico que se contra parte da população assumidamente dos setores
mais privilegiados. Neste sentido, figuras completamente hostil à democracia
como o fascista Jair Bolsonaro ou neo-heróis midiáticos, como o juiz Sérgio
Moro podem ser paridos como tais “salvadores” em meio à fogueira de
acontecimentos atropelados pela razão e guiado apenas pelas trevas do
oportunismo;
11.)
Para finalizar, não é apenas o governo Dilma que se encontra em risco de golpe
de estado, das mais diversas formas e modalidades, mas a própria democracia que
se encontra em perigo. Justamente nesta segunda demanda que mora todos os mais
preocupantes níveis de tensão desde o início da redemocratização do país na
segunda metade dos anos 1980.
Diante
da Caixa da Pandora do destino brasileiro, o surrado mote “contra a corrupção”
é o cacoete da direita de dizer qualquer coisa que não tem nenhuma sustentação.
Como se fosse uma guerra higienizadora entre os puros e impuros beirando a um obscuro
fanatismo. O “combate a corrupção” é a demanda daqueles que na falta absoluta
de idéias e projetos, procuram se envernizar de um conceito que todos estão de
acordo. Afinal, quem é a favor da corrupção? Logo, a falácia é apenas um
“cavalo de Tróia” para a projeção de elementos que podem transformar a atual
democracia em um terreno fértil para aventuras golpistas, conforme o Brasil já
assistiu e foi alvo de retrocessos de perversas orquestrações.
É
tempo de reflexão e profunda sensibilização, pois o que está em jogo não é
apenas um governo de uma dada presidenta ou partido político, mas o presente e
o futuro de um país que parece estar perdendo o nível mínimo de sobriedade dos
elementos que comandam as instituições vitais para a condução democrática, nas
três esferas do poder, justamente em momentos, como este agora, que em as
situações mais agudas tendem a demandar prudência e responsabilidade. A
História serve como fundamental retrovisor e o presente não pode ser
simplesmente um jogo de mero oportunismo sem rédeas dos atores políticos o qual,
torrencialmente, poderá comprometer todo
o futuro democrático do país.
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