quinta-feira, 12 de novembro de 2009

Washington D.C. e as Ilusões da Obamania: Contradições do Capitalismo no Coração do Império


Quem poderia imaginar que dentro do coração do maior império da história da humanidade convive um “outro país” mais similarmente parecido com as mais pobres regiões africanas do que a exuberância sedutora do Primeiro Mundo? Para os arautos de plantão do capitalismo tal disparidade é apenas uma “excrescência” dentro do sistema. Para quem não cai na sedução do dogma da beatitude do “livre mercado”, a questão é exemplarmente contundente. Vale a pena destacar a matéria do jornalista Sérgio Dávila para o UOL Notícias sobre as visíveis contrições do sistema capitalista no berço político do império estadunidense (Assista ao vídeo abaixo).


Dávila relata os números da cidade de Washington D.C. (abreviatura de Distrito de Colúmbia), capital dos Estados Unidos. A matéria tem como mérito trazer a tona um sombrio recorte dentro de Washington, a qual o jornalista denomina simplesmente de um "país sem nome" com uma grande quantidade de população negra imersa em índices africanos de HIV e alarmante criminalidade.



América subsaariana

Na capital do império do primeiro presidente negro da história, dos 590 mil habitantes de Washington, 56% são negros. Os índices de infectados com o vírus da AIDS na população adulta de Washington é de inacreditáveis 7% e contrasta com a média de 0,6% do restante do país. Em termos de comparação, segundo o Ministério da Saúde (2007), no Brasil o índice é o mesmo da média da população estadunidense: 0,6%. Os números alarmantes de infectados por HIV na população de Washington acompanham os índices de países africanos mais pobres, tais como Serra Leoa e Costa do Marfim. Até mesmo o falido Estado do Haiti na América Central que está sob ocupação de militares da Força de Paz da ONU possui índices semelhantes a Washington.


Capital mundial do império político e dona de decisões que podem devastar belicamente o planeta, paradoxalmente a cidade Washington goza de índices de criminalidade comparáveis aos das grandes cidades brasileiras. Para conter a onde de violência, a polícia da capital estadunidense recorreu aos bloqueios policiais em bairros mais violentos e passou a realizar triagem de moradores. Semelhante à situação de guerra, como Afeganistão ou Iraque, a polícia local somente liberava a entrada das pessoas que moravam nos bairros. Sob protestos de moradores locais, tais práticas locais de segurança pública foram suspensas. Em Washington, o índice de crimes violentos é de quase 1500 por cem mil habitantes enquanto que no restante do país são três vezes menores: 454 por cem mil habitantes. O apartheid social em Washington se evidencia com mais força na apresentação das estatísticas sociais. Segundo Dávila, em média, há mais negros em situação de pobreza em Washington do que outras regiões do país. Também em Washington desponta com inglórios índices de maiores números médios de população de analfabetos, doentes, mães solteiras e jovens mortos. As contradições entre os ocupantes da Casa Branca e seus vizinhos depauperados mais próximos são sensíveis.



Crise, promessas e encruzilhada obamista

No olho do furacão da crise financeira mundial eclodida em 2008, os Estados Unidos estão longe de uma recuperação da antiga solidez de sua economia, mesmo ainda gozando de prestígio internacional e a manutenção de um mercado atrativo. Após um ano da posse de Barack Obama, a expectativa de uma mudança na estrutura social da população negra nos Estados Unidos vem paulatinamente caindo perante os duros números da realidade.


Herança de sucessivas adminstrações conservadoras e cujo clímax se processou na Era George W. Bush, a tragédia do neoliberalismo para os estadunidenses mais pobres é incalculável. Projetado como a esperança da população negra, Obama prometeu ser a “mudança que a América precisa”. Fortalecido com um sedutor movimento apelidado de “obamania”, eleito com um entusiasmo sem paralelo histórico e grande expectativa nas últimas décadas, Obama esta sendo consumido pelo seu próprio prestígio e promessas de campanha. O tempo continua impiedosamente a girar os ponteiros do relógio e a “mudança” não surge no horizonte das famílias negras estadunidenses imersas na pobreza. Logo, a esperança declina com a magnitude inversa que demora as prometidas e propaladas reformas da administração Obama. Como era esperado, sem a materialização da mudança prometido na campanha eleitoral, o apoio popular à administração Obama vem sofrendo queda vertiginosa. Para exemplificar o desgaste obamista, a aprovação no Congresso estadunidense do controvertido projeto de reforma do sistema de saúde de Obama (algo similar à implantação do programa brasileiro do Sistema Único de Saúde – SUS) foi um calvário político que deixou riscos políticos e a sensação para os seus adversários que o presidente não é “intocável”. No início deste mês, as eleições para membros do Congresso estadunidense também sofreram impacto com o declínio da popularidade de Obama resultado em derrota do seu partido, o Democrata. Naturalmente, a Casa Branca negou qualquer vínculo com a imagem do presidente. Mais uma vez, torna-se patente que não se mudam arcaicas estruturas sociais dentro dos prazos prometidos em campanhas eleitorais mesmo utilizando a maior de toda “boa-fé” dos sistemas eleitorais de uma democracia de livre mercado. Mesmo agraciado precocemente com o Nobel da Paz, a natural projeção do semblante de Obama como líder mundial não minimiza o fardo de ser a mudança que até agora não vingou para boa parte dos eleitores estadunidenses mais carentes e desamparados.



Darwinismo social e a ilusão da democracia neoliberal

Trocando em miúdos e deixando de lado os comezinhos acadêmicos, o capitalismo é um sistema desequilibrado entre “espertos” e “otários”. Cinicamente alguns adoram rotular tal regime como a “terra das oportunidades”, ou seja, a ficção da mobilidade social no meio da guerra da sobrevivência. Fazendo uso de uma alegoria poética, podemos comparar o sistema capitalista com um restaurante. Para uns “espertalhões” do capital, o almoço é sempre grátis. A burocracia dos bem letrados arruma e serve a mesa, e, se fizer um bom serviço, até ganha a gorjeta. Aos munidos de criatividade artística, tocam algum instrumento e fazem shows para animar o ambiente. Os proletários de várias cores e etnias fazem a comida, lavam os pratos e levam o lixo para fora do recinto. Do lado de fora, próximo da porta do restaurante, pares de muitas mãos estendidas e com alguma sorte receberão alguma esmola e restos de comida para que não criem a ousadia de atacar a despensa do restaurante.


A realidade mostra que no capitalismo, as ações políticas são apenas forjadas para a administração do grande capital e das forças produtivas. Nitidamente é possível perceber o discurso falacioso (em geral, bem arquitetado) entre democracia, liberdade e igualdade no sistema capitalista como se fosse possível misturar tais ingredientes e num passe de mágica chegaríamos ao Paraíso prometido em livros sagrados. A economia de mercado com ranço neoliberal suprime a idéia de liberdade e igualdade para uma expressão dona de uma estrelada magnitude sedutora: “oportunidade de mercado”. Impulsionada pelo capital, a democracia é uma mera abstração do “desejo das urnas” com o livre exercício do consumo dos cidadãos.


As contradições socioeconômicas no coração político do império estadunidense são mais uma face evidente das contradições intrínsecas do engenhoso tear capitalista. Mesmo com todo um furor midiático ao estilo da obamania, é impossível um sistema social mais equilibrado ou ambientalmente mais sustentável dentro de um modelo econômico que privilegie apenas a voraz sanha pelo lucro do capital e exploração permanente da mais-valia. Os poderes da tríade do regime democrático neoliberal (executivo, legislativo e judiciário) situam na primeira e na última instâncias como os grandes gerenciadores do sistema de continuidade das forças produtivas capitalistas. Qualquer alteração na estrutura da democracia neoliberal somente será possível sua materialização a partir de fortes pressões de grupos coesos e articulados dentro da sociedade. Como a luta pela sobrevivência da massa trabalhadora, desempregados e refugos humanos contra o poder econômico do capital não é possível escolher regras ou etiquetas, o emprego da força e da violência não poderão ser descartados ou desvalidados. Ressaltando que o monopólio da violência, ou seja, o emprego das forças públicas de polícia e repressão, é exercitado livremente e impunemente pelo Estado a serviço das forças do capital.


São Paulo, Pequim, Berlim, Bombaim, Tóquio, Moscou, Nova Iorque ou Washington. Cada um ao seu modo, mas todos com o mesmo retrato. Seja qual for o pólo de representação simbólica do capital (uma vez que o capital flui pelos dutos econômicos do planeta), é possível encontrar nos seus interstícios a permanente contradição entre os números da geração de bens materiais e financeiros e os números das discrepâncias sociais da pobreza. A cidade de Washington é um relevante exemplo que a democracia neoliberal é um exuberante espetáculo de magnetismo tácito e intrínseca desigualdade. Portanto, sem criar falsas esperanças, na democracia neoliberal políticos como Obama são eleitos não para fazerem a propalada justiça social, mas somente salvaguardar as forças produtivas e a organização do hiperespaço capitalista.






Fonte do Vídeo: Blog do Sérgio Dávila. Disponível em: http://sergiodavila.blog.uol.com.br/
Acesso em 11 de dezembro de 2009.

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