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É uma louraça belzebu, provocante
Uma louraça Lúcifer, gostosona
Uma louraça Satanás, gostosona e provocante
Que só usa calcinhas comestíveis e calcinhas bélicas
Dessas com armamentos bordados
Calcinha framboesa, calcinha antiaérea, calcinha de morango, calcinha Exocet
[...]
Pelo rádio da polícia ela manda o seu recado
Alô, polícia!
Eu tô usando
Um Exocet - Calcinha!
("Kátia Flávia", Fausto Fawcett)
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Que o Brasil é um país da farsa e retórica hipócrita não é de causar estranheza a ninguém. Gabamo-nos por construir uma Suíça diplomática do Terceiro Mundo, mas geralmente esquecemos-nos dos números da barbárie explícita da nossa própria Faixa de Gaza escondida nas periferias e rincões pelo país afora. Nos holofotes umbilicais de São Paulo, a Avenida Paulista não espelha o Brasil e tampouco devemos acreditar que tal horizonte pictográfico será palco nos próximos anos da “realidade nacional” apesar das promessas do neoliberalismo-keynesiano. Para os ares da política a partir do eixo tucano-petista, uma nova elite dirigente eclodiu no cenário nacional e mais performático do que as anteriores com misto de sindicalistas emergentes de centrais sindicais e neocapitalistas criaram uma amálgama que podemos identificar como sendo um desenvolvimento “retro-modernista” de uma refundação capitalista à brasileira com maior desenvoltura hipertrofiada da construção capital-trabalho.
Ares políticos, ares sociais. Novos tempos não substituíram velhas e atormentadas práticas. Um celeiro internacional da prostituição e exploração infantil cujas mulheres continuam são exportadas com rótulo de qualidade “made in brazil” como gado para os prostíbulos do mundo inteiro (ironias do agrobusiness!). Adolescentes pobres se prostituem dançando nuas em troca de pedras de crack e alguns tostões em bailes da “cultura funkeira”. Apresentamos peitos siliconados e nádegas avantajadas sacolejantes ao mundo em troca dos dólares do turismo sexual disfarçado da maior “festa popular” do planeta. Ainda patrocinamos concursos machistas de “misses” para todos os gostos e pecuária de corte: “miss Brasil”, “miss penitenciária”, “miss universitária”, “miss garota da laje”, “miss dos maiores glúteos”, “miss mirim” (!) e corre a fértil imaginação à bel prazer. Aplaudimos entusiasticamente e adoramos ostentar a beleza do açougue de “nossas mulheres”. Nas listas imbecilizadas da “sedução internacional” os brasileiros sempre despontam nas primeiras colocações nos diversos “ranking”: mais sedutores, maiores números de orgasmos por metro quadrado, maior número de parceiros. Haja virilidade e libido! Agora como uma nação-olímpica, somos uma mistura da carne violenta com o gozo desmedido salpicado com o espetáculo da barbárie silenciosa. Eis uma caricatura do Brasil retro-moderno: carnaval, futebol, traficantes paramilitares, verde-cinza amazônico e, claro, a apoteose do glúteo empinado. E agora na Era Lula, gozamos da exuberância do capital fictício financeiro polvilhado de miragens miraculosas do pré-sal e bolsas de perpetuação da miséria.
Para retratar nossa Babilônia, reportemos à lenda de Lady Godiva, a mítica aristocrática anglo-saxã que viveu na Inglaterra no inicio dos anos mil. Para cumprir uma aposta feita com seu marido Leofric, o Duque de Mercia, para que o mesmo diminuísse os altos impostos do povo local se por caridade ela desfilasse despida montada sobre um cavalo branco nas ruas inglesas de Coventry. Mesmo duvidando da palavra de sua esposa, o Leofric ordenou que os moradores locais trancassem em suas casas para que ninguém pudesse ter a ousadia de admirá-la. Feito o desfile de Godiva e aposta cumprida, reza a lenda que seu marido retirou os impostos mais altos. A nossa genérica nacional de Godiva do momento é a estudante da Universidade Bandeirantes (Uniban) que ganhou espaço gratuito nos holofotes da mídia e do misanscene de defensores da liberdade.
Recapitulando a novela. Há duas semanas uma aluna enrolada num pedaço de pano denominado “microssaia” (ou vernáculo similar) desfilou seus dotes naturais nos corredores universidade onde está matriculada na região paulista do ABC. Até aí, não é nenhuma novidade o semi-nudismo narcíseo no país da tropicália e das genitálias desnudas. Um apelo ao primitivismo instintivo: provavelmente após incitar à ira feminina do recinto e supostamente “excitar a libido” masculina (sempre uma ótima desculpa!) foi se avolumando uma voluntária horda estudantil de achincalhamento da garota dentro do ambiente “acadêmico”. Um espetáculo de surrealismo fantástico para uma geração que é sempre ovacionada pela mídia por ser “descolada de moralismos”. Quantas ilusões da hipermodernidade! Dentro do galpão estudantil da Uniban construiu-se um legado importante da iniciativa privada da Educação “Superior” para a sociedade: o misanscene do autismo estudantil hipermoderno. Após conquistar histridentemente à apoteose com sua vestimenta em compasso com os instintos primitivos da horda acadêmica local, a situação perdeu-se o controle e temendo pela segurança, a Godiva da Uniban precisou ser escoltada pela polícia para fora da faculdade. Os inusitados minutos de fama se estenderam para o neófito estrelato da Godiva, a ficção se consolidou esquizofrenicamente e, para variar, a mídia ganhou motivos para lucrar pontos preciosos no IBOPE.
Os fatos que se sucederam foram mais bizarros e patéticos do que o show da pós-adolescente e a catarse hormonal de seus colegas “acadêmicos”. Sem pestanejar, do pátio da faculdade, a garota foi para as telas dos shows baratos de exploração da miséria humana na televisão. Para capitalizar o momento, se expôs no vídeo com o mesmo “vestido” para os lares da “pudica” sociedade, portou-se como a vítima dos hormônios de “abutres universitários”, ganhou seu cachê (dificilmente irá ter comprovação tal fato) e não será surpresa se conseguir contrato para exibir seus dotes em alguma revista masculina de “ensaios fotográficos” ou estrelar alguma produção do mercado pornográfico (o “roteiro” é demasiadamente propício!). Certamente a Godiva da Uniban irá conquistar mais fãs e dinheiro do que toda a sua vida batendo cartão como os demais “trabalhadores comuns” a serviço do capital. Para as dores no cotovelo dos seus detratores pseudo-puritanos, méritos da garota e “sorte” do país que irá ganhar mais uma candidata a “modelo-atriz-apresentadora-universitária-e-sangue-bom”. Talvez se ela for mais emotiva, deixar milimetricamente cair uma gota de lágrima (um bom colírio sempre ajuda!) em suas declarações midiáticas poderá até mesmo estrelar numa novela do “baixo clero” da televisão ou participar de algum Big Brothers da vida. Com alguma sorte e solicitação de grupos de ONGs, a Godiva da Uniban ainda poderá ser canonizada na pós-vida pela excelência de seus pares de pernas em prol da excitação libidinal dos onanistas de plantão, além de valorosa contribuição para “intelligetsia” universitária do capital. Em suma, mais uma provável candidata criada para o incipiente time dos personagens sacros brasileiros. A mídia adora o show da barbárie apimentada com sexo, intrigas e comezinhos autistas! Como diria o folclórico apresentador das futilidades burguesas da nossa pátria mãe gentil, Athayde Patreze: “Simplesmente um luxo!”.
Do outro lado, deslanchou o espetáculo institucional da estupidez. É notório que os únicos objetivos de um galpão universitário que explora mensalidades dos seus alunos são três e vale destacar: lucrar, lucrar e lucrar. A Meca do neopetismo visando o “voto da juventude”, o PROUNI, foi o grande espetáculo de desvio de recursos públicos para os bolsos dos empresários da educação. Com polpudos empréstimos do BNDES, para estas empresas o único compromisso é com o lucro fácil, rápido e garantido. Os galpões universitários tratam a Educação como um açougue ou uma mera quitanda. Portanto, não foi estranho que aos autistas gestores da Uniban não sabendo como agir diante da repercussão da Godiva (e inusitada garota-propaganda da faculdade) preferiam utilizar o recurso óbvio da “moralidade”. Como resultado de tamanha sapiência intelectual dos gestores da Uniban, a entidade expulsou a garota com direito a uma inverossímil justificativa com matéria paga estampada nos principais jornalões paulistas. Pelo olhar do capital, a bizarra expulsão da garota poderá ser melhor ainda para a poupança da nossa Godiva que poderá pedir uma rechonchuda indenização movendo um processo contra as lambanças de sua querida universidade. Ademais, fale deixar claro que soa patético o subterfúgio da moralidade para capitalistas imorais! Para ampliar a misanscene e morder um naco de espaço na mídia, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP), a provinciana União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Ministério da Educação (MEC) entraram em campo, além de outras entidades de classes e ONGs ligadas à “defesa da mulher”. Em nome do espetáculo da hipocrisia, o circo somente aumentou e perdeu-se o foco do que realmente estava em pauta. Quanto vale o show?
Por mais patético que foi o teatro adolescente entre o enlace da exibicionista Godiva e sua hormonal turma, tudo não passou de um acontecimento pontual que deveria estar dentro do recinto da faculdade. Porém, graças ao poder das filmadoras dos celulares de seus colegas de turma da garota e a exposição na internet via site do YOUTUBE, as cenas midiáticas atravessaram as cascas de lona da faculdade. Paradoxalmente, uma faculdade academicamente insignificante ganhou status nacional e pela lógica da mídia, o espetáculo foi benéfico para todas as partes: notoriedade da sigla universitária, a consagração da Godiva, os “levantes estudantis da juventude” (como soa romântico!) e o uso da exploração da barbárie como “validade” de participação da cidadania. É importante lembrar que estamos na era da superexibição narcísea que tanto faz sucesso entre adolescentes, pós-adolescentes, agências de publicidade e propaganda entre tantos outros nichos. Todos os atores ganharam, exceto para a Educação e para o arcabouço de uma sociedade mais saudável.
Conseqüentemente, precisou do desfile exibicionista da Godiva e os uivos de seus colegas da faculdade para os enormes traseiros acomodados de entidades de classes saírem das cadeiras confortáveis com ar aclimatado. Com a exposição na mídia, todos querem parecer como “guardiões das liberdades civis”. Se tais pessoas realmente tivessem preocupadas com as “liberdades civis” jamais teríamos um hecatombe nuclear no sistema educacional público. Ambientes degradados, violência gratuita, fracassado projeto pedagógico e circulação constante da barbárie que vicejam nas unidades escolares públicas. Em nenhum momento a OAB-SP, UNE ou o MEC tomou medidas efetivas para intervir decisivamente na Educação Pública ou sequer levantaram questionamentos mais incisivos. Ao contrário, tais entidades fingem-se de cegas, surdas e mudas na amplitude cínica da complacência com a barbárie real e não apenas despertar a sanha protetora para brandir no teatrinho ficcional. Criações estéreis do Estado Neoliberal com o mote de abstração da “sociedade civil”, muitas ONGs que adoram enrijecer suas musculaturas financeiras com verbas públicas, aparecem justamente nestes momentos para ocupar espaço na mídia. O importante é fingir que está se fazendo “alguma coisa” para tudo se manter exatamente no mesmo lugar. Alguns incautos bradaram aos quatro ventos olhando cinematograficamente para o cinegrafista: “Liberdade para a calcinha! Abaixo a burka do preconceito!”. Pela lógica da pseudo-libertinagem, se não é possível “estabelecer critérios” para vestimentas para determinados lugares, então tudo é possível e plausível. Se o pano foi inventado para cobrir nossas “vergonhas”, por que então não abolir as vestimentas? Logo chegamos a um beco sem saída. Falsos moralismos à parte, se ficarmos reféns destas falsas retóricas simplistas da estética da indumentária humana, o debate não levará a nenhum lugar plausível. Apenas criar musculatura de um debate vazio.
De volta à barbárie real, na sociedade brasileira o “errado” é o “certo” (o inverso também é possível). Não existem limites para os impulsos destrutivos humanos e apenas minimizamos seus efeitos. Com trauma totalitário dos “anos de chumbo”, dádiva da herança de nossa classe militar, vivemos nos anos da complacência e liberdade assimétrica. Pais que não educam filhos são apenas confortáveis e assépticos “amigos”. Famílias multimídia das relações humanas e uma miríade de abstrações dos teares afetivos. As causas são colocadas em panos quentes e fingimos a complacência. O aluno que ofende ou agride gratuitamente um professor é um desamparado social em “situação de risco”. Alguém assalta e seqüestra um ônibus, posteriormente vira herói de cinema. Traficantes e assassinos são heróis “marginalizados”. Policiais viram clones mais-que-perfeito de Charles Bronsons. Latifundiários multimilionários são vítimas indefesas de “favelados do campo”. Sindicalistas que se enriquecem gerindo sindicatos de fachada é a esperança do mundo proletariado. Garotas materialistas e seminuas são mártires da nova “liberdade feminina” e do novo mundo acadêmico do capital e da mídia da barbárie.
Reentrâncias para a reflexão. Diga-se de passagem, os gritos de protestos e a queima de sutiãs em praça pública em prol da construção libertária da sexualidade ao estilo de Simone de Beauvoir do passado recente, hoje cedeu espaço para estampar de pigmentos coloridos para encobrir o corpo (as libertárias “tatoos”), ampliação da degradação silenciosa do trabalho feminino, aumento dos índices de problemas cardiovasculares (antes era uma “conquista feminina”) e o direito ao vômito feminino alcoolizado nas calçadas (para não dizer o direito feminino de literalmente urinar na rua! E por que não?). O progresso da ilusão material movido pela riqueza narcísea do espetáculo misanscene da mídia. Adentramos nos subterrâneos da barbárie: caras e bocas, desapego humano e futilidade intelectual de uma voraz sociedade de consumo movido ao descarte material, descomprometimento ideológico-afetivo, angústia avassaladora e altas doses de um magnetismo canalizado pelo binômio Prozac e “free love”. A transgressão gratuita passou do “afrontamento” para a obrigatoriedade hipermoderna. Aos poucos o reacionário se torna “cult”, a vanguarda se torna “obrigação” e as liturgias entre sagrado e o profano são apenas meretrizes menores do grande espetáculo do consumo imediato de adjetivos e condutas sociais. Logo, uma bobagem adolescente qualquer toma vulto de acontecimento tão significativo como à queda do Império Romano. Até a mídia entronar outra bobagem adolescente para ocupar o vácuo da mediocridade e a incipiência de valores. Sintoma da hipermodernidade, até mesmo a heterossexualidade se encontra desnorteada na necessidade de um midiático mundo de necessidades psicanalíticas de midiático pansexualismo universal. Lembrando o intelectual francês Guy Debord, a sociedade de mercado, alienada pela sedução da reificação da mercadoria, é movida pela arte do espetáculo e não pelas vitais necessidades humanas. Uma sociedade protagonizada por valores líquidos se forma e deforma sob qualquer circunstancia ao sabor da luzes de qualquer espetáculo. Ao sabor dos ventos midiáticos, um punhado de “conceitos” de qualquer coisa vira histriônicos “preconceitos”. É proibido proibir (mas depende de qual referencial será adotado)!
Como hipócritas “guardiões da liberdade”, saímos em defesa do direito de exposição gratuita das genitálias de pós-adolescentes, mas recuamos no apoio de muitos trabalhadores que calejam na luta inglória para construir uma sociedade mais justa. Claro, é mais “fashion” acolher o zunir das birras narcíseas de Barbies de outdoors do que erguer qualquer bandeira de protesto a favor daqueles que penam em condições desumanas de trabalho e educação. Sempre tem aqueles que irão refutar dizendo que as “liberdades civis” são mais importantes que as “outras” liberdades. Geralmente se faz um emaranhado de confusão entre liberdade e excrescência. Aliás, um dos argumentos banais mais freqüentes do baluarte capitalista contra o ideal Socialista é que “todos terão direito às mesmas coisas” (porém o narcíseo ego foge desta premissa como o diabo se afasta da cruz!). Portanto, os conceitos de “liberdade” e “igualdade” são sempre relativizados quando se referem ao confronto da mídia (imaginário) e da realidade. Mostrar a genitália gratuita pode; a igualdade econômica não pode. Manifestar ruidosamente contra pseudo-moralismo pode; fingir a pseudo-libertinagem pode. A oportunista rapinagem do sistema jurídico em apoiar molecagens de pós-adolescentes pode; dar assistência jurídica gratuita à milhões de pessoas sem condições econômicas na semidemocracia brasileira não pode. Deixar o livre mercado dos galpões educacionais privados engolirem dinheiro público pode; resgatar da barbárie o sistema público de Educação não pode. Exibicionismo gratuito pode; sinapse neural não pode. Alienação pode; emancipação não pode.
Elogio ao “jeitinho” nacional. Naturalmente é mais fácil ficar do lado do “senso comum” do que a sua contraparte. Na retórica da cínica moralidade à brasileira, relativamos tudo a “custo zero”. Invertemos virtudes e elogiamos a esperteza. Queremos ter as virtudes sociais de uma Suíça, mas queremos somente pagar os impostos raquíticos do Zimbábue. Queremos o trono de Economia do “Primeiro Mundo”, mas não queremos as indigestas obrigações internacionais de uma potência madura de grande porte. Somos sedutores e espertos; astutos e sexuais. Somos herdeiros egocêntricos de uma terra abençoada por Deus e ornamentada por natureza (Salve Jorge Ben Jor!)... O Diabo “pros outros”! Portanto, nada melhor do que a excentricidade mordaz dos pelos pubianos e a excitação da libido pansexual de uma Godiva tipicamente nacional. Para desvelar os caminhos da moralidade à brasileira, é preciso eliminar a inconveniência da microssaia e visualizar o tamanho homérico do complacente cinismo pseudo-libertário do autismo social.
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