A construção de grupos humanos é,
grosso modo, um agregado de idealizações, paixões, necessidade de sobrevivência
e espírito de coletividade. Todavia, não elementos pouco triviais e que
dependem de uma série de pressupostos de difícil execução real. O desejo por
organização se dá sempre quando crises batem a porta e há a interdição de
privilégios ou mitigação de propriedades que são vitais para a sobrevivência.
Os nacionalismos nascem no ideal
de encontrar elementos que “fecham” um dado grupo, que reivindicam para si o
direito de serem “melhores que os outros” e assim poderem atuar e justificar
suas ações, muitas vezes, de forma truculenta e genocida. O final do século XIX
e o longo de todo o século XX tivemos mostras de como grupos humanos podem
conduzir a catástrofes humanas em nome de supostos ideários nacionalistas.
Teorias nacionalistas e extremistas
dão falsos suportes tecnocientíficos para governantes e governados se
justificarem perante suas consciências e suas religiões. A eugenia, pseudociência
criada no final do século XIX deu bases “científica” para teóricos do fascismo
e nazismo fomentarem suas teses sobre raças superiores e inferiores. O fascismo
é a condução do velho ideal mítico do “Pai da horda” lembrado por Sigmund Freud
em “Totem e Tabu” (1912/13), o Estado como provedor absoluto das necessidades
humanas cujo emblema foi enfatizado por Bendito Mussolini, seu executor-mor na
Itália fascista: “Tudo no Estado, nada contra o Estado, nada fora do Estado”. Sendo
assim, temos que fazer referência da difícil tarefa de distinguir o que é
natural do ser humano e o que é cultura.
A questão da escalada nazista na Alemanha,
onde o país se via mergulhado em profunda crise durante a República de Weimar (1919-1933),
em parte, devido aos pesados saldos de indenizações da Primeira Guerra, mostrou
o quanto uma nação humilhada, com classes ociosas e famintas, com orgulho
ferido e sedento de vingança pode produzir figuras emblemáticas, oportunistas e
autoritárias que conduzem um grupo social a um dado ideal.
A queda de república alemã foi um
sintoma de crise aguda do parlamentarismo da época. Não seria possível a
ascensão do Partido Nacional-Socialista de Adolf Hitler ao poder, em 1933, sem
o maciço apoio do povo alemão, desejosos de mudanças radicais para a ordem,
progresso e a disciplina da “nação ariana” (a tese da ação positivista de
linearidade da História fomentado por Auguste Comte). Os nacionalismos também são
estruturas de auto-reconhecimento e que dá uma maior significação e valorização
de um grupo social.
Mesmo com ventos mais
democráticos e de bonança, há grupos que são sempre simpáticos as ditaduras,
seja ela de qualquer espécie e corrente política, por fazer um cálculo
econômico muito simples, no que tange o trade-off “liberdade e segurança”:
abrir mão da liberdade, por um quinhão de segurança (leia-se: ordem, progresso
e comida). Naturalmente, em épocas de crise econômica, tais grupos são mais
histridentes e buscam ser mais persuasivos com suas retóricas que atingem dois “órgãos
vitais” dos seres humanos: a boca e o bolso.
Neste sentido, podemos entender as
leituras de Maquiavel e Hobbes, como elementos fundantes para uma ordem dentro
de uma “desordem”, ou seja, um estabelecimento de um contrato social draconiano
e com o monopólio da violência (lembrando aqui, Max Weber). Rousseau, Locke e
Marx, são pensadores que buscaram apaziguar tal modelo introduzindo maior
liberdade para os cidadãos e abrandando os extremismos reacionários, sendo que
o próprio Karl Marx acreditava numa “ditadura do operariado”, mais descentralizada
de poder e com autogestão da produção. Suas teses marxistas foram retomadas com
outro olhar que permitiram várias experiências que recaíram em sangrentas ditaduras
esquerdistas.
Apesar de duas guerras mundiais
destroçarem o Ocidente mais “culto e educado” (a aura do “esclarecimento
europeu”), ainda temos na própria Europa os locais de maior efervescia étnico-político-cultural.
A própria ex-União Soviética comunista
saiu de um nacionalismo estalinista para cair numa Rússia liberal guiada por um
controle centralizado do ultranacionalista Vladimir Putin, em sua “democracia à
russa”.
Possivelmente, o mito do “Pai da
horda” freudiano vai para além da cultura e poderá se manifestar de forma
atemporal “naturalizável” na construção societária dos grupos humanos.