O
Brasil é um país que realmente que ser levado a sério? Tal como o escandaloso
tapetão do futebol nacional proporcionado pelo Superior Tribunal de Justiça
Desportiva (STJD) que livrou o Fluminense do rebaixamento em campo e, usando um
artificialismo jurídico, colocou a Portuguesa em seu lugar, agora a
conservadora Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em
Ciências Sociais (ANPOCS) vem querer colocar panos quentes em algumas
reclamações dos processos seletivos para a Pós-Graduação nas universidades
públicas se dizendo contra a "judicialização" dos candidatos que buscam
seus direitos por se sentirem prejudicados pelos feudos locais.
Justas
ou injustas as reclamações, a falta de transparência nestes processos seletivos
reina e deixa os todos eventuais prejudicados e descartados com um sabor de
indignação nos lábios. Particularmente sou contra o excessivo judicialização da
sociedade por considera-la um mecanismo truculento nas relações sociais.
Todavia, quem já passou por tais processos seletivos e ficou com “cara de
otário” perante eles, é difícil não fica indignado.
A
academia parece não querer rimar com transparência e prima pelo conservadorismo
feudal entre seus pares e entre seus subordinados acadêmicos. O que torna ainda
mais risível que alguns alunos de algumas universidades acharem que basta
invadir reitorias para pleitear eleições diretas para reitor com demagogos candidatos-marionetes
que resolveria instantaneamente todos os problemas de uma universidade. Haja
ingenuidade juvenil! O problema não é meramente um ilusório mecanismo eleitoral
e pseudo-democrático, mas sintomaticamente estrutural. É praticamente
inacreditável que processos seletivos são realizados de forma tão amadores,
cheio de erros grotescos, editais cheio de incoerências e que prima pela
completa subjetividade que beira à escancarada indecência. Nem Mandrake
conseguiria fazer melhor! Desta forma restam as suscetíveis as suspeitas que se
trata de um excesso de amadorismo ou, simplesmente, má-fé diante de tais
nebulosos processos. Diante do imbróglio, quem reclama e pede transparência,
sai com a pecha de "chororô de derrotado". Será mesmo? Se os processo
seletivos dentro da Pós-graduação é feito por parâmetros próprios, dentro uma
suposta "lógica interna", a transparência deveria ser um componente
primordial de suas regras. Fato que não é nada trivial!
Imagine
você viajar um bom número de horas para fazer uma suposta prova de processo
seletivo para o doutorado numa dada universidade (melhor nem citar o nome do
feudo em questão, uma vez que a pequenez revanchista do mundo acadêmico poderá
ser similar a cadeia onde reina o terror do crime organizado). Logo, caro
leitor, você faz uma prova com vários candidatos em uma sala que é um cubículo,
um coladinho no outro como num "baile funk", folhas de prova sem
nomes ou qualquer tipo de referência, sem exigências de documentação do
candidato na hora da prova e, posteriormente, mal o eventual candidato chega a
sua residência, ao final do dia, já tem os nomes dos "selecionados"
previamente postados na internet. Provas e resultados divulgados, tudo isto em
menos de oito horas corridas. Mágica ou eficiência acadêmica? Claro que nada
impede que todos os professores do departamento de Letras sejam incumbidos de
corrigirem as provas dissertativas de língua estrangeira (na lógica
feudo-produtivista, basta enrolar a língua para balbuciar "hot dog" e
ler em "engreis" e já se transforma num exímio pesquisador com
tipologia de vitamina do CNPQ!), mas esta hipótese é tão improvável quanto à
entrega nos prazos estabelecidos pela FIFA dos estádios brasileiros para a Copa
do Mundo a ser realizada nos próximos meses. Os absurdos não param por aqui e
segue muitos outros que levariam muitas páginas para descrevê-los. Depois,
percebem-se quais são excelentíssimos, subjetivíssimos, questionáveis e,
algumas vezes, risíveis projetos aprovados! De fato, lamentavelmente, não há
candidato que resista tamanho teatro circense e os que ainda têm alguma
dignidade vão fazer outra coisa na vida, longe destes centros feudais, obscuros
e corporativos (lembrando que independente da ideologia adotada, do mais
esquerdóide ao mais fascista, o indivíduo, sintomaticamente, em sua essência
mínima, projetam sentimentos similares em seu estado mais primitivo).
Diante
de um mar de incoerências e falta de transparência, o charme da academia se
desfaz no ar. A sensação natural é que pesquisa no Brasil em particular, no
campo das Humanidades, é como uma seita secreta para os iniciados e suas
intermináveis brigas de departamento, seja por verbas, seja por espaço físico
(uma salinha poderá ser o ótimo motivo para descarregar muito ódio interno em
retaliação a um dado oponente dentro da lógica tribal dentro do feudo).
Acrescenta-se ainda, psicanaliticamente refletindo, a vaidade narcísea, é um
forte tempero envenenado que atinge tais recintos de forma a inviabilizar
muitos projetos e até mesmo toda a estrutura de um dado departamento. Logo,
predomina a política do “meu quinhão primeiro” que geralmente se perfila com
voz ativa nos interstícios dos departamentos acadêmicos, muitas vezes prejudicando
os bons professores-pesquisadores e dando benevolências aos politiqueiros de
plantão. Diante do quadro, qualquer semelhança com a realidade fora dos muros
acadêmicos, não será mera coincidência.
Ademais,
pergunta-se se a ANPOCS está preocupada com este processo de feudalização
acadêmico? Claro que não, seu negócio e fazer suntuosos e caríssimos
"encontros nacionais" para ter uma fotografia no porta-retrato. Ponto
final! Logo, é perfeitamente compreensível o apelo comodista que tal entidade faz
contra a tal "judicialização" dos processos seletivos, agora, com
apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível
Superior (CAPES), cuja sua burocracia e porta de forma igualmente
comodista e embriagada pela lógica feudo-neoliberal.
Luz
para o final do túnel? Improvável, uma
vez que se imaginarmos um Sistema Judicial no Brasil sendo um dos recintos mais
conservadores deste país, o mundo acadêmico, paradoxalmente, é um nicho tão
conservador e, pior ainda, retrógrado, aonde vem reproduzindo sua maquinaria
engessada e feudal, ano após ano. Temos que avançar (e muito!) para que as
universidades públicas não sejam uma mera fábrica de expedição de diplomas
dentro de um universo de faz-de-conta, tal como ocorre no setor privado. Sim, as
universidades públicas devem buscar bons níveis de excelência e compromisso com
elos entre o conhecimento e a sociedade que a irriga com dinheiro público,
todavia a ética, o respeito e a transparência não devem ser quesitos para serem
jogados debaixo do tapetão.
Sem
ficar mimetizando ilusórios modelitos importados, é fundamental que cada nação em
desenvolvimento construa seus próprios projetos científicos e sociais e, no
caso do sistema universitário brasileiro, tal premissa não poderia ser
diferente. Entretanto, no microcosmo acadêmico, um feudo, aparentemente,
somente seria benéfico para quem está assentado com seus suseranos e vassalos,
mas é nefasto para o desenvolvimento de pesquisa e conhecimento e, pior ainda,
para a sociedade.
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