quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Judicialização e o mundo feudal acadêmico.






O Brasil é um país que realmente que ser levado a sério? Tal como o escandaloso tapetão do futebol nacional proporcionado pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD) que livrou o Fluminense do rebaixamento em campo e, usando um artificialismo jurídico, colocou a Portuguesa em seu lugar, agora a conservadora Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (ANPOCS) vem querer colocar panos quentes em algumas reclamações dos processos seletivos para a Pós-Graduação nas universidades públicas se dizendo contra a "judicialização" dos candidatos que buscam seus direitos por se sentirem prejudicados pelos feudos locais.

Justas ou injustas as reclamações, a falta de transparência nestes processos seletivos reina e deixa os todos eventuais prejudicados e descartados com um sabor de indignação nos lábios. Particularmente sou contra o excessivo judicialização da sociedade por considera-la um mecanismo truculento nas relações sociais. Todavia, quem já passou por tais processos seletivos e ficou com “cara de otário” perante eles, é difícil não fica indignado.

A academia parece não querer rimar com transparência e prima pelo conservadorismo feudal entre seus pares e entre seus subordinados acadêmicos. O que torna ainda mais risível que alguns alunos de algumas universidades acharem que basta invadir reitorias para pleitear eleições diretas para reitor com demagogos candidatos-marionetes que resolveria instantaneamente todos os problemas de uma universidade. Haja ingenuidade juvenil! O problema não é meramente um ilusório mecanismo eleitoral e pseudo-democrático, mas sintomaticamente estrutural. É praticamente inacreditável que processos seletivos são realizados de forma tão amadores, cheio de erros grotescos, editais cheio de incoerências e que prima pela completa subjetividade que beira à escancarada indecência. Nem Mandrake conseguiria fazer melhor! Desta forma restam as suscetíveis as suspeitas que se trata de um excesso de amadorismo ou, simplesmente, má-fé diante de tais nebulosos processos. Diante do imbróglio, quem reclama e pede transparência, sai com a pecha de "chororô de derrotado". Será mesmo? Se os processo seletivos dentro da Pós-graduação é feito por parâmetros próprios, dentro uma suposta "lógica interna", a transparência deveria ser um componente primordial de suas regras. Fato que não é nada trivial!

Imagine você viajar um bom número de horas para fazer uma suposta prova de processo seletivo para o doutorado numa dada universidade (melhor nem citar o nome do feudo em questão, uma vez que a pequenez revanchista do mundo acadêmico poderá ser similar a cadeia onde reina o terror do crime organizado). Logo, caro leitor, você faz uma prova com vários candidatos em uma sala que é um cubículo, um coladinho no outro como num "baile funk", folhas de prova sem nomes ou qualquer tipo de referência, sem exigências de documentação do candidato na hora da prova e, posteriormente, mal o eventual candidato chega a sua residência, ao final do dia, já tem os nomes dos "selecionados" previamente postados na internet. Provas e resultados divulgados, tudo isto em menos de oito horas corridas. Mágica ou eficiência acadêmica? Claro que nada impede que todos os professores do departamento de Letras sejam incumbidos de corrigirem as provas dissertativas de língua estrangeira (na lógica feudo-produtivista, basta enrolar a língua para balbuciar "hot dog" e ler em "engreis" e já se transforma num exímio pesquisador com tipologia de vitamina do CNPQ!), mas esta hipótese é tão improvável quanto à entrega nos prazos estabelecidos pela FIFA dos estádios brasileiros para a Copa do Mundo a ser realizada nos próximos meses. Os absurdos não param por aqui e segue muitos outros que levariam muitas páginas para descrevê-los. Depois, percebem-se quais são excelentíssimos, subjetivíssimos, questionáveis e, algumas vezes, risíveis projetos aprovados! De fato, lamentavelmente, não há candidato que resista tamanho teatro circense e os que ainda têm alguma dignidade vão fazer outra coisa na vida, longe destes centros feudais, obscuros e corporativos (lembrando que independente da ideologia adotada, do mais esquerdóide ao mais fascista, o indivíduo, sintomaticamente, em sua essência mínima, projetam sentimentos similares em seu estado mais primitivo).

Diante de um mar de incoerências e falta de transparência, o charme da academia se desfaz no ar. A sensação natural é que pesquisa no Brasil em particular, no campo das Humanidades, é como uma seita secreta para os iniciados e suas intermináveis brigas de departamento, seja por verbas, seja por espaço físico (uma salinha poderá ser o ótimo motivo para descarregar muito ódio interno em retaliação a um dado oponente dentro da lógica tribal dentro do feudo). Acrescenta-se ainda, psicanaliticamente refletindo, a vaidade narcísea, é um forte tempero envenenado que atinge tais recintos de forma a inviabilizar muitos projetos e até mesmo toda a estrutura de um dado departamento. Logo, predomina a política do “meu quinhão primeiro” que geralmente se perfila com voz ativa nos interstícios dos departamentos acadêmicos, muitas vezes prejudicando os bons professores-pesquisadores e dando benevolências aos politiqueiros de plantão. Diante do quadro, qualquer semelhança com a realidade fora dos muros acadêmicos, não será mera coincidência.

Ademais, pergunta-se se a ANPOCS está preocupada com este processo de feudalização acadêmico? Claro que não, seu negócio e fazer suntuosos e caríssimos "encontros nacionais" para ter uma fotografia no porta-retrato. Ponto final! Logo, é perfeitamente compreensível o apelo comodista que tal entidade faz contra a tal "judicialização" dos processos seletivos, agora, com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), cuja sua burocracia e porta de forma igualmente comodista e embriagada pela lógica feudo-neoliberal.

Luz para o final do túnel?  Improvável, uma vez que se imaginarmos um Sistema Judicial no Brasil sendo um dos recintos mais conservadores deste país, o mundo acadêmico, paradoxalmente, é um nicho tão conservador e, pior ainda, retrógrado, aonde vem reproduzindo sua maquinaria engessada e feudal, ano após ano. Temos que avançar (e muito!) para que as universidades públicas não sejam uma mera fábrica de expedição de diplomas dentro de um universo de faz-de-conta, tal como ocorre no setor privado. Sim, as universidades públicas devem buscar bons níveis de excelência e compromisso com elos entre o conhecimento e a sociedade que a irriga com dinheiro público, todavia a ética, o respeito e a transparência não devem ser quesitos para serem jogados debaixo do tapetão.  

Sem ficar mimetizando ilusórios modelitos importados, é fundamental que cada nação em desenvolvimento construa seus próprios projetos científicos e sociais e, no caso do sistema universitário brasileiro, tal premissa não poderia ser diferente. Entretanto, no microcosmo acadêmico, um feudo, aparentemente, somente seria benéfico para quem está assentado com seus suseranos e vassalos, mas é nefasto para o desenvolvimento de pesquisa e conhecimento e, pior ainda, para a sociedade.

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