domingo, 5 de setembro de 2010

Vida Material, Violência e Angústia: O tráfico de drogas como metáfora




1. O descaso como proposta.


Diante do debate estéril das plataformas políticas dos principais candidatos aos postos de comando do país nas duas esferas de poder (federal e estadual), o que a população assiste de forma apática é um teatro de bobagens e lugares-comuns. Um tema que sequer passa pela retórica bolorenta dos discursos é a questão do tráfico de drogas e o enraizamento da violência nas grandes cidades. De forma omissa, independente do espectro da cor partidária, a ação do Estado e suas esferas de ação em trono da violência gerada pelo narcotráfico não são sequer levadas em pauta. O que torna mais dramática é a sensação que num futuro de horizonte muito próximo a situação tende cada vez mais a acentuar. Para o afã troculento de alguns, a questão das drogas e o uso delas por parte significativa da população está longe de ser resolvida com medidas meramente de ação policialesca e de sumária repressão aos mais pobres.

Antes de qualquer coisa, é preciso deixar claro que sem uma promoção de políticas públicas dentro do mercado consumidor, será ineficiente todo combate das forças policiais contra o tráfico de entorpecentes. Isto é, se de fato alguma sociedade realmente deseja combater o uso das drogas em suas esferas de sociabilidades. Retóricas benevolentes para “legalizar” seu uso pululam aqui ou acolá, talvez para os defensores da legalização seja a saída fosse à criação de uma espécie de “Macombras”, a estatal dos entorpecentes legais (como é o caso da liberação dos cigarros e bebidas alcoólicas). Entre vícios e virtudes, é mais simplificador encontrar apaziguamento para os problemas e não refletir suas causas. Pelos seus espinhos, esta matéria essa que está longe de um consenso, isto é, se é que de fato alguém queria debater com seriedade tais assuntos. Existe uma pergunta que precisa ser feita com sinceridade: estaria alguma sociedade disposta a coibir realmente seus vícios ou não poderia viver sem deixá-los de cometer?



2. Tráfico, poder e globalização.

Voltando para uma “práxis” da realidade. Apenas para ficarmos atentos na América Latina, o exemplo da instalação do narcotráfico nas raízes do Estado é revelador na Colômbia e seus cartéis que tem na figura do lendário Pablo Escobar seu mártir do crime. O México hoje vive um drama mais pungente e explosivo onde uma parte do seu território é controlada fisicamente pelo poder dos cartéis. Paradoxalmente, os Estados Unidos com sua política de permanente interferência na América Latina, tal como se processou no famigerado "Plano Colômbia", além de não diminuir a oferta de drogas e impulsionou mais violência no Estado colombiano, o tal Plano não conseguiu sequer diminuir internamente a voracidade do mercado consumidor estadunidense. Ademais, é necessário coibir em escala global a bilionária indústria da produção de armas dos países desenvolvidos que abastecem robustamente os traficantes. Mas algum governo do "civilizado" Primeiro Mundo realmente estaria disposto a cessar a produção de armas em nome da perda de postos de trabalho e influência econômica das gigantescas empresas do ramo?

No propalado “boom” da economia dos últimos anos, o Brasil se tornou hoje um dos maiores consumidores do mercado latino-americano das drogas. A repressão se faz no interior das zonas de periferia das cidades com carga máxima de violência e descontrole das ações midiáticas da força policial. Por sua vez, o modo que se processa a sociedade com a ostentação do capital a curtíssimo prazo seduz um batalhão de jovens pobres e sem esperança para o vistoso mercado do crime de curto prazo e altíssimos lucros. Hoje, com os norteadores da vida material, não é raro que até mesmo alguns bem nutridos integrantes das classes médias adentram no mercado das drogas como traficantes e não apenas como alucinógenos usuários. Na teia complexa que se enquadra as organizações do crime, o tráfico do drogas se tornou não apenas um subterfúgio do desespero de vida, mas também uma rentável opção de remuneração para ter acesso rápido um alto padrão de vida de bens materiais (fato que raramente seria alcançado sendo remunerado como um "trabalhador normal").

No Brasil, a prática usual da corrupção policial aliada à endogenização da violência e pobreza são as matrizes fundamentais de uma economia que de cigarrinhos, papelotes, fileirinhas e “trouxinhas” movimentam bilhões de dólares sem a menor fiscalização dos grandes operadores do sistema financeiro. Levando em consideração que o próprio sistema financeiro mundial é irrigado constantemente por dinheiro ilícito proveniente de lavagem de drogas e seus derivados. Na base da exuberância do progresso da economia material dos operadores ilícitos do mercado, temos a indústria do sexo, armas, drogas e medicamentos como uma das mais lucrativas do “planeta business”. A alta rentabilidade promovida pela produção e comercialização de drogas ilícitas não pode ser desprezada nos balancetes não-oficiais da contabilidade nacional de muitos países, na América do Sul e regiões africanas e asiáticas. O tráfico de drogas é um grande imperativo na manutenção de guerrilhas, milícias e grupos terroristas espalhados pelo globo.

O poder messiânico do dinheiro é o maior dos deuses no cotidiano da vida material capitalista. No Brasil, longe da miséria das favelas, o tráfico de drogas vai além do mero problema social, mas um empreendimento econômico altamente lucrativo cujo seus principais acionistas estão desfrutando da vida mansa e tranqüila no asfalto em seus belos casarões regados com muito champagne e entre afagos mimosos de belas mulheres e políticos locais.



3. A fragmentária sociedade material

Em linhas gerais, do ponto de vista do usuário, o consumo é o portal do acesso ao progresso material e a aquisição de drogas ilícitas é apenas mais um aporte de recurso para estar inserido dentro de uma esfera de influencia social. Todavia, devido à vários fatores, quando é rompida a esfera da sociabilidade vem o limbo do desespero perante a dependência psicoquímica. Na relativização da subjetividade familiar, por exemplo, dificilmente uma mãe ou pai interdita o desejo da filha adolescente de passar a madruga inteira e chegar às 6 horas da manhã numa “rave”, independente de estar “alterada” ou não. Porém os mesmos pais são capazes de fazer de tudo para que o professor de sua filha perca o emprego por ter dado uma “nota baixa” no boletim escolar. Não raro que os próprios pais, ou pelo menos um deles, socialize um “cigarrinho” com o filho ou filha para se apresentarem como mais “modernos”. Porém estes mesmos pais reclamam da violência no semáforo, do roubo do relógio ou do celular e segue a mesma ladainha de sempre: “que absurdo”, “que pais é este”, “onde vamos parar”?

Para ter acesso ao "produto" é preciso subir no morro ou fazer um "disk-drogas" que chegará no horário combinado no asfalto. A face de uma verdadeira guerra civil foi instalada em alguns pontos de alta densidade populacional e pobreza endêmica tem como força-motriz o abismo da esperança devido ao abandono secular das políticas sociais do Estado elevando-se na barbárie explicita da guerra sanguinária por pontos de comércio e escoamento de drogas e armas. Cenas cotidianas da polícia fluminense subindo os morros do Rio de Janeiro e trocando tiros como se fossem retratos miméticos de cenários de guerra se tornou tão rotineira quanto à imagem do Cristo Redentor. É importante frisar que os supostos pontos “pacificados” em regiões de violência endêmica, em geral, têm uma maior “convivência” das práticas policiais que fazerem “vistas grossas” mediante as ancestrais práticas do suborno.

Outro detalhe a ser refletido é a “cultura da violência” que se normatizou em boa parte das sociedades cuja influencia proveniente do tráfico de drogas é endêmico. Entre outros fatores, o culto do medo patrocinado particularmente pela indústria dos artefatos de bugigangas eletrônicas e das empresas que vendem seguro de tudo (inclusive de glúteos e seios siliconados!) colaboram acintosamente para irradiar o clima da guerrilha de “todos contra todos” dentro das cidades. Cada vez mais a população é convencida da urgente necessidade de se trancafiarem com câmeras, porteiros eletrônicos, seguranças armados e seguros de seus pertences.

A idéia de uma cidade livre é engaiolada na arquitetura mercantilizada de um shopping-center esterilizado e “protegido” das agruras do “lado de fora”. Estes “oásis” de suposta segurança e bem-estar se multiplicaram ferozmente e se tornaram os espaços públicos preferenciais dos individuo das grandes cidades. Na mesma linha segue os lançamentos cada vez mais rotineiros dos condomínios residenciais fechados das classes médias, cada vez mais preocupadas de se isolarem do mundo em busca de “segurança e tranqüilidade”. O paradoxo é quando mais se preocupam de forma narcísica em salvar a própria pele, mais desprotegem o ambiente social que vive. Não raro, quando pais da classe média escondidos numa destas bolhas de suposta tranqüilidade, descobrem que os próprios filhos estão usando drogas, caem em lamentações: “onde foi que errei?”. Daí o “estrago já foi feito”...

Numa sociedade onde o culto pelo vazio, mercantilização de todas as esferas de convivência e da banalização da vida é sintomático. A opção pelo uso “social” das drogas ilícitas em rodas de amigos se revela “aceitável” ou até mesmo imperativo: o charme do “inofensivo” cigarrinho de maconha. Ao observar com realismo as mudanças processadas nas sociedades ocidentalizadas, o que poderíamos dizer nos anos 1960-70 ações que se reduziam em “apenas” uma transgressão de conduta o uso de drogas como o cigarro, a maconha e o LSD, hoje se tornou um problema cuja solução asséptica é impossível. O romantismo transgressor cedeu espaço para a barbárie e angustia da dependência química.

A questão das drogas e seu comércio com lucros exponenciais se tornaram mais visíveis com o advento de drogas de efeito mais devastador e se tornaram populares e resultados dramaticamente deletérios. Para a camada mais endinheirada, as drogas sintéticas fazem grande “sucesso” enquanto para os usuários populares, o “crack” vem se tornando a maior angústia de muitas famílias.

Para uma sistemática omissão do Estado que apenas faz o uso do massivo assassinato de jovens pobres das periferias e um ineficiente controle do escamento das rotas de distribuição de drogas, então o que sobrou é uma política de redução de danos (de eficácia muitas vezes lenta e duvidosa). A barbárie da violência impregnada nas grandes cidades tem como uma de suas forças motrizes a questão da criminalidade com o enraizamento do tráfico de drogas. Todavia, é uma grande ilusão que se eliminássemos completamente de forma “mágica” a questão das drogas ilícitas, estaríamos num patamar de maior “tranqüilidade”.

Quem realmente deseja a Paz? A questão do tráfico de drogas é uma metáfora impactante que permeia a violência e os valores simbolizados por uma sociedade mercantil e de volatilidade da vida. Logo, reside no modo de produção material e de processamento da vida em sociedade, angustiada e esvaziada, sob um conjunto de fatores atrelado a sustentação de um suposto estilo de vida que bane da esfera da reflexão toda forma de superação do esgotamento social.

O valor de uma vida não poderá ser mediado pela quantidade de dinheiro que possa habitar no bolso de um indivíduo. O fardo de coexistir numa sociedade de “vencedores” e “fracassados” causa uma enorme angustia no indivíduo que se sente cada vez mais impotente diante de sua vã existência. Todavia, a barbárie e a civilização são irmãs siamesas e caminham quase sempre de forma turbulentamente harmônica. Escapar destas premissas será um enorme desafio para a construção de um novo modelo de sociedade onde deverão ser trabalhados novos padrões e valores a serem estabelecidos, como a plenitude dos conceitos de igualdade, liberdade e justiça social.

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