sábado, 10 de julho de 2010

Rescaldos da Jabulani



1. Waka Waka.

Com o final da Copa do Mundo de Futebol, a primeira em solo africano, muito foi regurgitado ao longo da competição e muito ainda deverá virar profecias a serem confirmadas. Para isto, nem é preciso invocar os tentáculos de Paul, o famoso polvo do aquário alemão que ficou conhecido durante a Copa por fazer “previsões” acertadas do time da Alemanha ao longo da competição. Sem nenhum mistério, a falta de escrúpulos de um diminuto círculo de administradores da FIFA está acima de qualquer interesse público. O futebol se globalizou de tal maneira que pouco importa para os dirigentes deste esporte: as nações, as pessoas ou as paixões futebolísticas envolvidas. Sem o menor constrangimento, o importante mesmo é o lucro. Sim, sem ilusões, o lucro rasteiro e imediato acima de tudo e de todos. É chutar a bola no gol vazio dizer que o capitalismo consegue canibalizar tudo que possa ser coagido a dar dividendos (e de preferência com rápido retorno do capital investido).

Sem entrar no mérito do baixo índice técnico apresentado pelas seleções ao longo da competição, aqui saliento alguns pontos que considero merecer reflexão. A primeira delas é a ganância de seus grandes gestores do futebol em realizar um evento tão pesadamente custoso num país que não tem menor tradição neste esporte e tampouco é da melhor das preferências de sua população. Uma nação que busca um processo de reconstrução com o fim da famigerada política do Apartheid e na condução da democratização racial. A Big Mídia em sintonia com a FIFA (ou a serviço dela) abusou da balela a respeito de sediar a “primeira copa em solo africano” como mote do espetáculo. Se a proposta fosse realmente séria, teríamos outras nações que poderiam sediar a competição e com mais tradição no futebol, como por exemplo, Camarões, Gana ou Egito (este último país é o atual campeão africano de seleções e melhor posicionado no próprio “ranking” da FIFA entre todos os países da África). Por outro lado, o rúgbi destila muito mais simpatia na África do Sul do que o “soccer”.

Vale destacar o exorbitante valor dos ingressos em comparação à renda média dos sul-africanos. A ganância pelos lucros é cega e o esperado “boom” de turistas não se concretizou. Resultado insólito para a gula dos organizadores: foi preciso uma ampla campanha de distribuição gratuita de ingressos para a população em jogos menos badalados e assim evitar os conhecidos “buracos” no público dos estádios. Trocando em miúdos, claramente o evento da Copa do Mundo é uma competição para os gringos endinheirados assistirem e afastar definitivamente os nativos pauperizados dos estádios. A ostentada democracia liberal se faz pela divisão econômica e não somente pelos tons de pele. Apesar dos lampejos de melhorias nas condições da vida da sofrida população, o azucrinar entediante das vuvuzelas e o sorriso de Mandela, o resultado herdado para os bolsos dos contribuintes sul-africanos serão os faraônicos estádios. Os “elefantes brancos” que se transformarão as suntuosas arenas e terão como destino a concentração de moscas e similares após o descanso eterno da Jabulani, a controvertida bola oficial da Adidas imposta pelos organizadores da competição.



2. Amarelo, amarelou.

Ufanismos à parte, com pífia participação da Seleção Brasileira na Copa do Mundo realizada na África do Sul restou para o aprendiz de técnico alguns grunhidos e falsas lamentações. Dunga foi uma dantesca invenção narcísea do presidente da CBF. Fora de campo, a Seleção é cortejada por tantas alegorias do milionário mundo do marketing. Mas na realidade dos gramados, o Brasil dentro das quatro linhas foi um retumbante fiasco.

Dona de um misancene de mídia sem que nada seja resultante em bom futebol. Uma campanha sofrível em cinco jogos. Na fase de grupos, vitórias sem graça contra uma surreal Coréia do Norte, a africana Costa do Marfim e um empate sonífero com Portugal. Nas oitavas de finais, uma vitória enganadora em nossa freguesia local, o Chile. Como em 2006, o Brasil foi até chegar à desclassificação nas quartas de finais. O capitulo final foi o morimbundo futebol demonstrado no segundo tempo da partida contra a Holanda. Com o resultado de 2 a 1 de virada, ficou evidente o desequilíbrio do time brasileiro resultante de um futebol sem criatividade. A grosseria infantilizada do problemático Felipe Melo em campo simbolizou definitivamente o safari na África, os milionários jogadores brasileiros se despediram da Copa com um comportamento de um time de amadores.

Para não repetir outro fiasco como ocorrido na Copa de 2006 na Alemanha, onde a descompromissada baterna imperou na concentração da Seleção, a regra adotada foi o confinamento dos jogadores ao modo de freiras carmelitas. Na falta de uma postura tática convincente da equipe em campo, a resposta veio ao estilo do ecos dos militares: “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Sem permitir margem à qualquer crítica ao seu trabalho, a adoção da tática do patriotismo alienado de Dunga não vingou. No fim da farsa, o ex-capitão do tetracampeonato de 1994, Dunga se mostrou muito mais um débil personagem de algum filme da “sessão pipoca” pela sua rabugice grosseira do que um técnico qualificado para orientar sequer uma seleção de juvenis. Possivelmente, seu único legado é a ousadia de ter enfrentando por alguns momentos o monopólio da Rede Globo na intromissão no cotidiano da concentração da Seleção Brasileira na África do Sul. Porém é sabido que mexer com a Rede Globo no Brasil é assinar contrato para o Inferno. Como é da natureza oportunista de Ricardo Teixeira, antes mesmo de Dunga chegar à sua casa no Brasil, já estava demitido pelo seu criador. Mesmo que voltasse como a taça do hexacampeonato, Dunga seria demitido do mesmo jeito.

Com um futebol pobre, previsível, acéfalo e sonolento, sem culpar a Jabulani e devido um histórico invejável no cenário mundial, a Seleção Brasileira deixou muito a desejar. Passado um ou dois dias, a derrota foi favas contadas. Lágrimas perplexas de milhares, lucros de alguns. Cada um dos participantes da seleção canarinho receberá seus polpudos cachês por ter vestido a camisa da CBF-NIKE, sair na fotografia e pegar o próximo vôo para a Europa. Não deu... Perdeu, paciência! Valeu, parceiro!



3. Fraudes & Lucros Futebol Clube.

Mas acima de tudo, o futebol profissional é sinônimo de negócios. Em geral, o "profissionalismo" significa no mundo da bola que se trata de negócios demasiadamente lucrativos e subterrâneos cuja transparência causa inveja às putrefatas águas do paulistano Rio Tietê. Aliás, a Fédération Internationale de Football Association (FIFA), entidade monopolística do futebol mundial com seus draconianos anciões que acumulam anos de concentração do poder e sequer admite qualquer auditoria externa em suas contas. A mais leve sugestão nesse sentido é visto como um afronta a “samaritana” entidade. Desde 1989, sua sucursal brasileira, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) é regida tranquilamente pelas mãos de ferro de Ricardo Teixeira. O czar da CBF controla todas as federações estaduais e por conseqüência, todo o destino do futebol nacional. De contratos milionários com um amplo leque de patrocinadores às relações expúrias que destino o monopólio de transmissão do futebol da Rede Globo, passando pelo bom relacionamento com a politicagem de Brasília, todo o destino futebolístico deste país passa nas mãos de Ricardo Teixeira.

Desde o Maracanazo de 1950, o país não sediava uma Copa. Com duas década de reinado de Ricardo Teixeira na CBF e a influência de João Havelange, sombra sempre atuante e presente na FIFA, e livre de qualquer empecilho, o Brasil “ganhou” o direito de sediar a próxima edição da Copa do Mundo da FIFA em 2014. Como os louros do ufanismo e com o Brasil crescendo com um ritmo de "chinafrica", o sonho do "Brasil Grande" é vendido.

Bravo, a Copa será aqui! Entre o devaneio e a realidade, o país terá que desembolsar uma extraordinária cifra para a construção e reforma de estádios de futebol e aparelhamento da infra-estrutura e logística urbana para receber os turistas. É pertinente que se frise que a idéia é fluir a competição de módicos trinta dias e receber bem os "turistas"; os residentes das cidades-sedes que se danem! As arrogantes imposições da FIFA com suas questionáveis metodologias sobre as cidades-sedes é mais um sintoma que a submissão aos caprichos faraônicos desta entidade é um pré-requesito para um país sediar um mundial de futebol.

No dia 08 de julho, em mais um discurso na África do Sul, o presidente Lula prometeu transparência nas contas públicas quanto aos gastos para o Mundial. Promessa que se torna impossível de acreditar no que tange a tal “transparência”, levando em consideração que a responsabilidade pela execução de todos os preparativos do Mundial estará nas mãos de tentáculos de Ricardo Teixeira. A obscuridade na condução na administração da “coisa pública” já começou com escolha da agência de publicidade brasileira “África” (sem alusões ao continente) para produção do chinfrim e tosco logotipo da Copa do Brasil 2014, lançado ontem pelo trio copeiro na África do Sul: Lula, Teixeira e Joseph Blatter, o atual presidente da FIFA.



4. Até 2014.

Diga-se de passagem, que a importância do futebol na sociedade brasileira tem como matrizes suas raízes históricas e culturais. Este fenômeno não pode ser sublimado ou simplesmente desprezado. Simbolo contumaz da mítica mobilidade social, o futebol carrega a mística da bola nos pés e uma farta conta bancária no futuro. Para além do gramado das paixões e ilusões, o futebol é um negócio dos mais lucrativos: seja para acumular, seja lavar dinheiro em operações obscuras. Ao contrário que muitos jornalistas pregam na Big Mídia, o Estado pode e deve intervir nas federações de futebol uma vez que se trata de interesse nacional. Uma auditoria pública nas contas das entidades que regem o futebol nacional é salutar para o bom encaminhamento do esporte visando o interesse público. Ademais, ao invés de torrar dinheiro do erário com falsa publicidade na mídia, o Estado poderia ter real participação na condução do esporte dentro nas escolas públicas na promoção da Educação de milhões de crianças e jovens.

Torna-se cinicamente patético um país que pretende sediar uma Copa do Mundo de Futebol, em 2014, e uma Olimpíada, em 2016, sem que exista nenhuma política factível de incentivo à pratica de esportes dentro da Educação Básica. Se fosse algum político de plantão precisasse de consultoria, o polvo Paul diria que a construção dos futuros atletas está no presente processo da adolescencia. Aliás, entre tantas calamidades que se abate na escola pública, em qualquer visita a uma unidade escolar, é um desafio conseguir achar uma única quadra em condições minimamente apta para práticas esportivas. O descaso e a calamidade permeiam o ensino de práticas esportivas dentro das escolas públicas ao longo do mapa brasileiro.

Para variar, nem o polvo Paul precisará usar sua famosa “vidência” para prever a farra que será o festival da gastança do dinheiro público até a Copa de 2014. Em nome dos negócios que impulsiona um nicho segmentado do esporte, a hipocrisia reina absoluto num país que verbaliza aos quarto ventos dizendo que tem o melhor futebol do mundo. Todavia, após cair na realidade, o orgulho patriótico dificilmente será ecoado quando vierem à tona os lastimáveis números da corrupção com amplo horizonte em obras superfaturadas em licitações fictícias e fraudulentas. Que o Brasil pode promover um evento como uma Copa do Mundo, não é novidade. Ao contrário das propagandas oficiais, não se pode perder de vista que aqui não é uma Suécia dos trópicos. Portanto, sem uma profunda e generalizada fiscalização e democratização na gestão do futebol nacional, a questão será qual o preço da conta que o contribuinte estará disposto a pagar para uma farra com dinheiro público cuja dimensão será de dificil precisão. Neste quesito, nem o polvo Paul ousaria a advinhar.

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