terça-feira, 27 de abril de 2010

Capitalismo Gângster: A falácia do risco moral


De todas as pujantes “virtudes” do modo de produção capitalista, possivelmente a que mais se destaca é o “cinismo”. Seus astutos e varões defensores juram de pés juntos com alguma Bíblia capitalista à mão e sem corar a face, que além de se constituir na maior de todas as panacéias sociais já criadas pelo homem, o capitalismo é o único refúgio para a desnorteada humanidade. Alguns com alguma vergonha na cara alertam que existem alguns “ajustes” a ser aplicado periodicamente ao sistema para ele funcionar como um belo, robusto e preciso relógio suíço. O “racionalismo” derivado do intelecto do capitalista seria o guia para seus investimentos diante das forças “auto-ajustáveis” do mercado.


E quanto às crises periódicas do sistema? Há sim, tudo é bem explicável, segundo seus defensores, e tais crises são meras externalidades que a Microeconomia logo de cara já enquadra, normaliza e sintetiza uma “explicação numérica” convincente. Analogamente, na Física Experimental, seria o que poderíamos dizer, grosso modo, que tais crises seriam “pontos fora da reta”, descartáveis para a análise. Quem assiste passível a uma típica aula dos cursos de Economia abduzidos pelo mecanicismo do “mainstream” neoliberal, sai acreditando que o mundo é tão perfeito, bem além das fantasias imaginativas de Lewis Caroll em seu clássico “Alice”. Para o evangelho capitalista neoliberal, a realidade é apenas uma “mera abstração” quando as idéias fantasiosas de muitos economistas metidos a matemáticos confabulam, aconselham e projetam leis e políticas econômicas para uma sociedade, independente das condições de vida de seus habitantes. Afinal, sob o manto do cadáver de Milton Friedman e segurando a “mão invisível” de São Adam Smith, o importante é o rigor econométrico e não esta bobagem realística que está para fora da janela!


Após o estouro da bolha da orgia financeira de 2008 nos Estados Unidos, voltou com força na mídia especializada na roleta russa da economia uma expressão muito peculiar criada pelo economista estadunidense Kenneth Arrow, o “risco moral” (do inglês, “moral hazard”). Entre outras palavras, o termo significa a segurança que os agentes econômicos terão quando suas operações derem tudo errado e os mesmos saltarem da janela, alguém vai socorrê-los imediatamente com uma cama elástica. Traduzindo de forma mais enfática: em última instância, o “otimismo do mercado” consiste claramente que sempre haverá um “imbecil” de prontidão para socorrer suas cafetinagens especulativas. Porém, não é qualquer “imbecil”. Aqui entra o papel do Estado guardião primordial das “forças do mercado”. O jogo é simples: quando não interessa, o discurso é sempre de “ausência da interferência do Estado”, na contraparte, quando bem interessa, o papel do Estado é venerado (e exigido!). Contradição? Não! Apenas mero cinismo dos arautos do “vigor capitalista”.


Muitos defendem a necessidade que os agentes do sistema capitalista tenham “bons modos” ao se sentarem-se à mesa. Para os tais defensores de um “capitalismo cavalheiro”, é pertinente saber como se portar à mesa com os talheres, guardanapos, sorrir para os convidados, tratar com delicadeza e leve sedução a dama e ficar atento ao movimento dos molares que cravam no alimento. Coisas que todo bom capitalista precisa saber ao entrar num exímio restaurante e não cometer gafes. Religiosamente, para seus defensores, é necessário ter uma “formação moral” para os agentes econômicos: o verniz da “ética”. Logo, com o discurso da “boa educação” o capitalismo estaria livre dos riscos ocasionais uma vez que todos os agentes do sistema tratariam seus competidores entre si de forma ética e cavalheira com cortesia exemplar. Logo, partindo deste pressuposto, os riscos seriam diminuídos e a desconfiança entre os agentes seriam minimizados. Eis a lição do “capitalismo civilizado” a ser aprendida!


Quando se sai da porta da sala de aula ou de algum destes belos auditórios e suas palestras fantásticas, a realidade é outra. Na selva do cotidiano, o que impera é o capitalismo gangster, aquele motivado pelo lucro a todo custo e independente dos meios para conquistá-lo. Normas são boas para de verborragia destilada na retórica de juristas e socialites, mas não condiz com a realidade de uma sociedade pautada pelo darwinismo social. A mobilidade social é a mote de uma sociedade meritocrática que se divide entre os idiotas e os espertos. Quem sobrevive na selva do capital ganha todos os louros e aos derrotados restam à amargura de conviver com a vergonha e o desprezo social. A violência explosiva é uma das formas da vazão do ser humano em ascender socialmente (a qualquer preço!) dentro de uma sociedade materialista e pseudo-moralista que premia os “bons e astutos” e expele os “ruins e derrotados”.


Certa vez, era aluno de um dado curso quando um colega, em tom narcíseo, comentou para a classe o lucro que ele tinha ganhado com investimentos da bolsa de valores. Recordo da “receita de sucesso propalada” por ele: “é só ser esperto e saber investir que o lucro é certo!”. De prontidão, a minha sensação era de ser um medíocre “otário” por não ter a tal “capacidade visionária” destilada pelo astuto colega-investidor (Naquele momento, certamente Wilhelm Reich diria que era meu “Zé Ninguém” interior pulsando). Como criar riqueza do absoluto nada? Vale lembrar que para isto serve uma premissa fundamental que rege os sistemas químicos e físicos da conservação da massa na Natureza, a conhecida Lei de Lavoisier: a rigor, nada se cria e tudo se transforma (ou seja, não se cria ou se elimina matéria dentro do nosso universo conhecido). Todavia, como no mito de Pandora às avessas, nos sistemas financeiros capitalistas a premissa se inverte e subverte a Natureza: tudo se cria, jorra e se esbanja do nada absoluto para a felicidade dos “espertos e sábios” do sistema.


No capitalismo é atávica a ilusão do crescimento exponencial da riqueza sem lastro. As bolhas que estouram com uma periodicidade quase cíclica é o maior exemplo da falácia do “elixir mágico capitalista”. Quem paga a conta pelos estragos feitos pelos gângsteres econômicos? Daí toda a retórica do “não-intervencionismo” cai por terra e sobra sempre para o Estado cuidar da faxina que socializa as perdas com todo o erário público, ou seja, a receita originada de impostos pagos pelos trabalhadores. Indutor da crise do capitalismo de 2008, os Estados Unidos pouco fez de concreto até o momento para evitar novas bolhas especulativas além de despejar uma estratosférica soma de bilhões de dólares dos contribuintes para salvar um grupelho de gângsteres em nome do “saneamento do sistema”. Não é à toa a irritação do presidente Barack Obama sobre a recusa do Senado estadunidense em não discutir regras mais rígidas para o sistema financeiro do seu país: "Eu estou profundamente desapontado que os Senadores republicanos tenham votado em bloco contra o início de um debate público da reforma" (Folha Online, 26/04/2010). Para os parlamentares estadunidenses, o importante é rezar para os “bons modos” dos capitalistas e os ares “racionais” da economia de mercado. É importante frisar que estes mesmo capitalistas são os principais financiadores das campanhas políticas dos honrados congressistas: quebradeira sim, punição jamais!


O capitalismo é um sistema regido essencialmente pela especulação (alguns utilizam um eufemismo elegante, o “risco de oportunidade”). Os riscos fazem parte deste tear capitalista em busca da maximização dos lucros. Todavia, há uma contradição paranóica dos que desejam se aventurar por suas entranhas e sair ileso, é o que se costuma denominar de “aversão ao risco”. A fobia perante a incerteza lateja nos agentes, porém jogar sem arriscar é uma ilusão. Na luta por mercados consumidores, o estímulo norteador canalizado pelos lucros resulta numa selvagem competição que coloca todos os agentes em pé de guerra constante. A instabilidade do jogo é uma regra. No mercado financeiro, a guerra é pela aquisição das melhores ações e se livrar dela no “tempo certo” a fim de ganhar maior lucratividade. Outra comparação é a ação de um comprador de um veículo que deixa de utilizá-lo para não ocorrer o risco de bater ou desvalorizar seu patrimônio móvel. O medo ao risco é um mecanismo inconsciente do agente que deseja prevalece seu instinto de ganância material. Notadamente, o “espírito capitalista” consegue desenvolver com maior robustez às facetas mais pobres e mesquinhas do espírito humano.


Uma clássica tática de minimizar perdas é a criação do monopólio. Num mercado monopolizado ou cartelizado, os riscos são menores uma vez que os competidores não coexistem de forma predatória. Em conluio, há um controle de processos e preços que ditam as normas do mercado (ou seja, a falácia dos mercados auto-ajustáveis cai por terra!). Em grandes mercados, a tendência é sempre a busca pelo monopólio que permitirá uma maior solidez das operações sem ter a inconveniência de eventuais riscos. Este mercado não existe sem estar amparado pelos agentes políticos. Logo, política e economia são mecanismos indissociáveis para o capitalismo e a garantia que os riscos serão minimizados pelo Estado em épocas de crises.


O risco moral de um capitalismo regido pelo bom samaritanismo dos agentes torna-se risível se contrastado na realidade econômica. Mesmo sabendo dos ricos, dificilmente um capitalista hesitará em adentrar num mercado o qual ele vislumbre possível e polpudo ganho. Se entrar num dado mercado e lucrar, será um “vencedor” e se perder poderá solicitar uma extensão dos empréstimos em bancos estatais (principalmente se depositou generosa contribuição nas últimas campanhas eleitorais dos políticos que estão na “situação”). Mais do que “ter” é “parecer ter”. Os interesses privados regem com grande vigor as ações públicas. É exemplar quando capitalistas em vias de bancarrota conseguem facilmente empréstimos em bancos estatais e um mero trabalhador tem que ficar pastando em condição humilhante por alguma possibilidade de financiar seu próprio teto ou remendos para sua exígua renda de alimentação básica familiar.


A especulação sempre será o mote do ofício capitalista na busca alucinada pelo lucro, independente do seu agente saber ou não manejar os talhares dispostos na mesa. E na pior das hipóteses, o capitalista gangster compra o restaurante, faz uma festa privativa para seus convidados, adquire algumas garotas para abrilhantar o salão e às favas com a obsoleta etiqueta. Ah, claro: a conta vai para você, trabalhador! Afinal, não existe festa grátis!

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