1.
Um
país golpeado e desnorteado.
Parece ponto pacífico que o
Brasil passa por um momento de profundo retrocesso em toda a sua dinâmica
social diante de mais um golpe de estado com o fim do período chamado Nova
República. O golpe também foi um atentado contra a esperança e conseguiu
autorizar os “demônios” da Caixa de Pandora brasileira a eclodirem todos os
sortilégios de ignorância e ódio presente na sociedade. A camada mais atingida
pela onda de desmoronamento dos direitos sociais se encontra acuada, letárgica
e impotente diante do turbilhão de acontecimentos plasmados pelos desmandos da
junta golpista.
A era dos governos do PT
(2003 a 2016), apesar de suas alianças políticas se mostrarem autofágicas, o
resultado foi muito positivo para o país com elevações de todos os índices de
desempenho econômico e bem-estar social. Todavia, as camadas mais conservadoras
do país, mais uma vez, se levantaram contra qualquer nível de progresso social
e conspiraram até derrubarem o governo petista de Dilma. Uma profunda e
corrosiva campanha de imbecilização sistemática na sociedade foi produzida pela
grande mídia que se utilizou de aparatos fascistas para destruir e criminalizar
a imagem do PT. Quanto aos demais partidos que se situam à direita e seus
extremos do espectro político, nenhuma crítica, independente no nível de
sadismo e corrupções os quais estão envolvidos. A imposição da política do ódio
contra os petistas criou uma onda de aversão às esquerdas sem paralelo em
tempos de ambiente democrático e comparável apenas ao tempo da Guerra Fria, na
disputa ideológica mundial entre capitalistas estadunidenses e socialistas
soviéticos.
A crise política que foi
fabricada desde 2013, com os protestos de inverno, se arrastou até final de
agosto de 2016 e culminaria no ponto alto do golpe de estado travestido da
narrativa do “impeachment”. O vazio político-institucional foi ocupado por um
estado de exceção imposto pela junta golpista deflagrando sistematicamente um
conjunto de ações que visaram destroçar o incipiente estado de bem-estar social
e liquidação do patrimônio público nacional.
Diante da crise política,
os partidos políticos contrários ao golpe, sindicatos e movimentos sociais se
encontraram em estado de paralisia. Excetuando algumas manifestações pontuais,
muitas delas graças as convocações pela internet, a resposta contra o golpe no
Brasil foi tímida e passiva. Enquanto isto, na ausência da responsabilidade
política e social dos adultos, surge um alegórico levante de crianças amotinadas
em escolas públicas reivindicando um protagonismo diante da crise política como
se estivessem convocando seus pais despertarem para a vida. Um sintoma de que
“perda de sentido” esta se plasmando na impotente sociedade brasileira, por sua
vez, benevolente com diversos níveis de autoritarismo e se mostra incapaz de
resistir ou até mesmo refletir sobre o estado de exceção a qual foi submetida.
2. O futuro no abismo
Diante da derrubada da
presidenta Dilma Rousseff, o governo ilegítimo de Michel Temer e sua camarilha que
se apoderou do poder, orquestrado na junta golpista endossado pelos poderes
Legislativo e Judiciário, conduz o país um precipício com medidas que estrangulam
totalmente o futuro e que rapidamente induzirá uma onda crescente de
empobrecimento ainda mais severo da classe trabalhadora. A famigerada PEC 241/2016
aprovada na Câmara e tramita agora no Senado com a sigla PEC 55/2016, é o maior
e mais medonho pacote imposto à uma sociedade e não tem parâmetros de crueldade
na História recente. A desculpa oficial de um “pacote de ajuste fiscal”, porém,
em suma, se trata de um congelamento dos investimentos públicos por duas
décadas. Sob o ponto de vista da perversão, a PEC 241 é, no mínimo, uma peça
econômica parida por um grupo de psicopatas que para projetar suas alucinações
sádicas, desejaria assassinar inúmeras vidas ao longo do tempo com uma só “canetada”.
Nem mesmo o núcleo duro da burguesia perversa brasileira educada por uma
cultura colonial e colonizada obterá sucessos financeiros, a médio e longo
prazo, com desmonte do Estado, a liquidação das riquezas nacionais, o recuo da
economia aos patamares incompatíveis com seu nível de capacidade instalada e a
condenação à miséria de parte significativa da população.
O Supremo Tribunal Federal
(STF) se tornou o maior protagonista do golpe, deixando correr solto o
estilhaçamento do estado democrático de direito e impõe um terrorismo populista
contra os trabalhadores e o destroçamento do frágil estado de bem-estar social
brasileiro conquistado nos últimos anos. A Lava Jato se tornou um insano fiel
de uma balança que apenas nas mais bizarras histórias de horror poderia ser
protagonista. De subsídio moral do golpe às rédeas do estado de exceção que
visa modelar o espírito do Direito brasileiro.
Neste ínterim, o estado de exceção se deflagra a pleno vapor e, por sua
vez, o STF passou de guardião da Constituição para o mutilador maior da Carta
Magna endossando as mais cruéis práticas de atentados contra a população
trabalhadora e supressão de direitos duramente conquistados por eles e utilizando
as mais vilanescas formas de covardia.
3. Uma nova ordem desponta: autoritarismo narcisista e o elogio à
estupidez
Utilizado moldes fascistas,
a campanha midiática anti-PT tendo como pauta a política do ódio, produziu na
sociedade um clima de “psicotização social”, ou seja, um surto de demência
aguda e agressividade generalizada o qual a razão foi eclipsada e elevaram-se
os níveis de intolerância, estupidez e paralisia da sociedade.
O resultado mais simbólico
foi a derrocada das esquerdas, em particular do PT, nas eleições municipais de
outubro e a ascensão da direita e da extrema direita com toda a força no
cenário nacional. Em contrapartida, os dois principais partidos golpistas, PSDB
e PMDB, foram os grandes vitoriosos das urnas nas eleições municipais, dois
meses após a confirmação do golpe de estado disfarçado do “legalista” impeachment.
As principais cidades
brasileiras elegeram prefeitos atrelados ao golpe de estado. São Paulo elegeu o
nome imposto pelo governador tucano Geraldo Alckmin de um playboy para se
aventurar na prefeitura da cidade, João Dória (PSDB). No Rio de Janeiro, enfim,
a maior aposta de Edir Macedo dono do conglomerado empresarial disfarçado de
igreja evangélica, a Universal do Reino de Deus, conseguiu emplacar o sofrível
Marcelo Crivella (PRB) e suas promessas para cuidar do rebanho carioca. Em Belo
Horizonte, o povo mineiro conseguiu conduzir à prefeitura local a figura
grotesca de Alexandre Kalil, o mandatário do clube Atlético Mineiro da insossa
sigla do PHS, se autodeclarava um “não-político”. Do ponto de vista da
estratégia de propaganda, o que uniu os três nomes do eixo de cidades de maior
densidade econômica do país é a caracterização de novos prefeitos autodeclarados
que “não são políticos”: Dória se dizia um generoso e dedicado empresário “trabalhador”
de sucesso; Crivella se apresentava como um pastor de ovelhas; Kalil se
esperneava ecoando que era um homem que detestava a política! Um adendo
morbidamente sintomático foi a vitória do falastrão Rafael Greca, pelo nanico
PMN, em Curitiba, cujo “escândalo” que tomou grande proporção foi o próprio
Greca ter afirmado, em bom tom, que vomitou devido ao “cheiro de pobre” durante
programa televisivo em plena campanha eleitoral! Diante do esvaziamento da
política, nada mais bolorento do que o estratégico discurso do mote da
“purificação” e da negação da política para angariar eleitores desnorteados e
desiludidos a vida e com os rumos da situação social e assim delineada pelos
meios de comunicação em massa dos grandes aparelhos ideológicos dos
conglomerados privados.
O descolamento das bases
populares de apoio direto ou indireto dos partidos de esquerdas merece ser observado
com sinal de preocupação e de profunda reflexão por parte de todos aqueles que
acreditam em uma sociedade mais democrática. Todavia, a percepção que parece
existir é a “perda de sentido” que o golpe de estado impôs à sociedade, a
amplitude do vazio, a banalização da política e a inflexão para a adoção por
medidas mais totalitárias como antídoto contra todos os males sociais. Não é à
toa que a essência que carrega um velho mote que diz que o Brasil tem “a
esquerda que a direita gosta”, ou seja, uma esquerda muita mais retórica do que
realmente pertinente e combativa dentro da sociedade.
O avanço das alas
evangélicas dentro da sociedade que prega uma espécie de neoliberalismo cristão
merece destaque no conjunto conservador que grassa na sociedade brasileira. A
característica deste grande nicho que vem crescendo velozmente dentro da
sociedade brasileira, pautada pelo recuo da Igreja Católica e a transformação
de pequenas igrejas em conglomerados empresariais que operam como verdadeiras
máfias em nome de um discurso atrelado pelas necessidades egóicas instantâneas,
um materialismo unipessoal apocalíptico, ataques à qualquer forma de expressão
que não seja bem vista por uma leitura distorcida e fanatizada da Bíblia e a
manipulação com métodos fascistas das “ovelhas”, que são seus fieis dizimistas.
No caso dos morros do Rio de Janeiro, há uma presença que merece atenção de uma
correlação entre narcotráfico e os interesses evangélicos fundida na opressão
da população acuada pela violência permitindo com esta simbiose uma forte
parceria com ganhos econômicos ilícitos, territórios de atuação e dizimistas
fanatizados. Diante do vazio existencial da Pós-modernidade, a religião,
política utilitarista e narcisismo capitalista pela fé, são elementos que vem
ganhando cada vez mais espaço entre as camadas pobre e média da sociedade.
Por outro lado, o fetiche
ativista dos movimentos culturalistas, customizados com apelos narcisistas de
demandas específicas que faz um discurso de negação política pela imposição dos
desejos imediatos, parecem que se esgotaram como representação social e a sua
capacidade de inserção dentro da sociedade. O abandono do ideário da luta de
classes e a consciência de classe é uma das características nítidas do que
poderia se chamar de uma “nova esquerda” ou esquerda pós-moderna com grande
preocupação das identidades sexuais e culturais e com menor inclinação ao
discurso econômico (em muitos casos, seria a projeção de uma “esquerda
não-marxista” e voltada aos padrões alicerçados por uma classe média). A aposta
no discurso atomizado, a “apologia do gueto” que vem fracionando o pensamento
dentro das esquerdas se mostra inaudível para a grande parte da população, em
especial, entre os trabalhadores. Lembrando que o ex-presidente Lula, figura
maior do PT, como agregador maior na personificação da luta social recente no
país, utilizava um discurso de abrangência e não desfraldava bandeiras
específicas.
A Pós-modernidade reflete
de forma intensificada o fracionamento do pensamento e a flexibilidade subjetiva
do olhar perante a realidade. O sentido de totalidade se perdeu e foi tomado por
um conjunto de adjetivos performáticos sem nexo calcado em uma retórica
narcisista autoritária. Portanto, teríamos a imposição da exceção como modelo
padrão e que não aceitaria críticas que possa macular egos e posições egóicas.
Logo, sendo assim, prossegue o conflito entre legitimação e legalidade que
ronda um debate que parece já ter esgotado como bandeira de sedução das massas
e que, por sua vez, parece inteligível para a maior parte da população sente
seu padrão de vida sendo erodido.
No horizonte da falta de
perspectiva para o futuro, instala-se o desejo por soluções mágicas e
assépticas. O “zeitgeist”, o espirito de época, que vivenciamos é o da anomia,
do vazio existencial consumido pela cultura do narcisismo magnetizada em
“selfies” sem estar atrelado à uma maior consciência de classe, exceto, em
alguns casos, por um verniz de uma “cidadania” calcada hedonismo consumista, desencantamento
ou desprezo pela política, utilitarismo narcísico, desemparo existencial e na
desestruturação familiar. Nada mais sintomático do que as crianças que não
respeitam professores e sequer seus pais, tomam de assalto escolas e impõem seu
“modelo” de mundo sob as rédeas de um narcisismo como centralidade de uma ética
pós-moderna.
4. A perda de horizonte e as manifestações autoritárias invertidas
Os pais delegam suas
responsabilidades familiares às escolas públicas e, estas, por sua vez, sem
estrutura para acolhê-las, tanto materialmente quanto psicologicamente diante
da “educação dos filhos”. Os professores ficam amordaçados e imbecilizados
perante sua conduta profissional cada vez mais precarizada, se limitando à uma
espécie de pajens estatais de alunos e cuja profissão é severamente atacada por
todos os lados na sociedade. No caso das escolas particulares, predomina a
sensação mercantil que o dinheiro “pagaria” o preço da ausência dos pais na
vida afetiva dos filhos (a perigosa permuta utilitarista entre afeto por
mercadorias). A transferência dos “poderes”, ou seja, a terceirização da
autoridade familiar está no cerne das mudanças ocidentais da Pós-modernidade,
onde o capitalismo de consumismo dita as regras de convívio, currículos
conforme os sabores do mercado e a imposição mercantil de valores materiais, sociais,
culturais e afetivos.
Neste caminho, corre solto
um espaço para criar um autoritarismo perverso da vitimização dos filhos a
partir do abandono da autoridade familiar. Os filhos passam ocupar o espaço
decisório dos pais de forma a impor desde hábitos de consumo às férias da
família. Crianças são transformadas em adultos-mirins que impõem suas próprias
regras sobre a família e até mesmo a imposição de acesso a conteúdos
educacionais e horários (sair para a “balada” e chegar quando bem quiser!).
Diante da contenda, os adultos-pais se comportam como crianças à acatarem ordens
imperiosas dos filhos (nasce a figura do pequeno ditador-mirim!). Dentro das
escolas públicas, o desrespeito e uso corrente de violência moral e até física
contra professores, gestores escolares e a imposição sistemática dos desmandos
em nome de caprichos narcísicos discentes. Enquanto nas escolas privadas, a
prioridade maior é a “satisfação do cliente-aluno”, no caso mais específico,
quem paga as mensalidades, ou seja, os pais dos alunos.
Enquanto isto, sindicatos,
movimentos sociais, partidos das esquerdas e trabalhadores, estes últimos, são os
principais prejudicados diretos com a sangria social, incluindo as classes mais
frágeis socialmente, continuam em estado de
latência, na zona do conforto da dormência social. A questão das “escolas
ocupadas” é o mais novo sintoma da desordem que a “psicotização social” pode
causar em grupos sociais. A inversão de valores se mostra muito curiosa, onde
alunos tomam escolas, expulsam professores e gestores escolares e ditam as
ordens conformem desejarem dentro do “pequeno paraíso inviolável”. Eles mesmos
se encarregam de construir suas próprias “normas” de conduta, não apoiam os
professores da própria unidade escolar e pede “aulas públicas” de pessoas de
“notório saber” para as aulas que normalmente muitos deles não dão valor em
sala de aula. Curiosamente a moda das “aulas públicas” com pessoas alheias à
escola e sem preparo algum para a tarefa docente é, paradoxalmente, apoiar, de
forma involuntária, o que as novas medidas que o Ministério da Educação (MEC)
da conspiração golpista deseja impor na mudança do Ensino Médio visando
sucatear ainda mais o trabalho do professor profissional. Trocando em miúdos,
ao fazer a crítica contra o novo modelo de ensino imposto pelo MEC, sem maior
reflexão possível, pois a prática inconsequente de um ativismo enfeitiçado não
permite, os alunos amotinados apenas reforçam as propostas do governo golpista!
Para
quem já trabalhou em escolas públicas da periferia paulistana, não deve ter
ficado muito impressionado pelas “ocupações” uma vez que esta “tomada de ordem”
não é objeto distante da rotina dentro das escolas desta região. O sucateamento
das escolas públicas é o sintoma da política de desmonte da Educação da
dinastia tucana em São Paulo. O mote das ocupações poderá ser sobre a “reforma
do ensino médio” ou a controvertida PEC 241 ou as políticas tucanas para
educação em São Paulo como a chamada “reorganização escolar”, pouco importa a
bandeira, se seus “revolucionários” entendem bem ou mal das leis pelos quais se
rebelam (se tornaram então instantâneos e hábeis analistas políticos aos 13 ou
14 anos!), mas sim o posicionamento do modelo fetichista e midiático da estratégia
“occupy”, agora na versão “high school”.
A
autoritária intromissão violenta e grotesca da polícia em algumas escolas
buscando “desmobilizar” dos alunos “ocupados” dá maior dimensão do valor
descartável da autoridade de pais, professores e gestores escolares que não
podem mais educar os seus filhos e alunos. Neste sentido, não é novidade que a
intervenção truculenta das forças policiais vem substituindo a falta de
autoridade de pais, professores e gestores escolares para uma série de desmando
dentro de escola cujo ápice foi a prática das “ocupações”. Perceptível que a
hesitação das famílias e escolas refletem na não-ação, ou seja, tudo para não
frustrar o ego das crianças e assim sustentarem o desejo narcíseo por alguma
causa instantânea espetacular.
O
modelo familiar pós-moderno, embebido na desconstrução social e fragilidade
econômica dão o tom que nem tudo são flores no paraíso do “laissez-faire” da
pós-modernidade pedagógica diante do caos que é o sistema público de ensino. É
importante destacar que a busca do jogo lúdico é pertinente na fase de
desenvolvimento da criança e do adolescente. A escola deverá trabalhar a esse
respeito da melhor forma possível. Porém, se torna muito problemático quando o
trabalho de conteúdos programáticos de conhecimento é deixado de lado para
transformar escolas em grandes shopping
centers para encontro e recreação lúdica. A formação e alicerçamento do
conhecimento na educação formal vão além de um mundo encantado do faz de conta
e sem frustração para o sujeito. Se a educação pública anda em completo desmoronamento,
não é destruindo a educação formal em nome de algum modismo midiático
momentâneo que surgirá a panaceia para todos os problemas educacionais.
Curiosamente,
o estado de exceção que vigora no país influenciou dentro das escolas ocupadas.
As normas e atividades escolares são suspensas e o autoritarismo “em nome da
escola” assume o lugar do vazio institucional com falsos ares democráticos. Fato
interessante na observação são os reflexos sociais e escolares do
desmoronamento da autoridade familiar. Pais se recusam a agir como autoridades
legitimadas pela posse dos seus filhos e preferem serem seus “amigos”. A
relação se reverte na assimetria do ensino: não são os professores que
demandarão conhecimento para os alunos, mas são eles, alunos, que pautarão o
ritmo de aulas da escola e o controle do trabalho docente! Passou a ser usual dizer que os amotinados
“estudantes são a esperança do Brasil”. Alguns ainda pregam, com esperança
mística e messiânica, que sairão “líderes capazes” entre os amotinados nas
escolas! Nada mais conservador e cômodo para ser dito dentro da zona de
conforto mediado pela intensificação da apatia social. Para pais, professores e
sindicatos da categoria, o que restou foi “apoiar” os alunos amotinados, já que
os mesmos adultos parecem não terem coisa melhor a fazerem e não ser se
contentarem a contemplarem o caos do mundo presente.
Mais
um sintoma da falência a resistência perante o golpe de estado é o efusivo e
desproporcional a agitação semidivina nas redes sociais de uma aluna de 16 anos
da rede pública escolar que virou a instantânea “porta-voz” dos alunos na
Assembleia Legislativa do Paraná e transformada na neo-heroína do povo
brasileiro. Subitamente, a garota com toda a galhardia que poderia ser
atribuída à sua fala juvenil virou a “esperança” de muitos adultos passivos e
acomodados para barrar a PEC 241 transformada em PEC 55! Em situação de
normalidade, tal fato não passaria de um episódio “bonito”, uma bricolagem
afetiva, porém o atual estágio de psicotização e apatia social, o lúdico
infanto-juvenil metamorfoseia em romanceiro esperançoso de toda a sociedade de
marmanjos que esperam que as crianças façam o trabalho deles. Mais uma prática
senil do adágio popular em épocas de escassez existencial: “qualquer paixão me
diverte!”.
A
construção simbiótica entre afetividade, responsabilidade sociopolítica e
educação parece cada vez distante diante de um modelo que dá dimensões
midiáticas e narcisistas de um exacerbado “protagonismo juvenil” a qualquer
custo tal como o modelo narcísico imediatista de “sucesso” que é imposto na
sociedade. Impedir a frustração narcísica do aluno vem se tornando o principal
mote educacional cujo espaço o impede de fazer nenhuma reflexão significativa.
Sendo assim, o autoritarismo infanto-juvenil autorizado pela fragilidade
confortável da autoridade de país e professores vem sendo lastreado por um
falso empoderamento infanto-juvenil e o qual quaisquer críticas a este respeito
se tornou motivo para um “fuzilamento moral”.
Paradoxalmente,
o niilismo dos adultos e o narcisismo infanto-juvenil, típico desta faixa
etária em busca da construção da personalidade, ajudam a reforçar ainda mais o
discurso autoritário que os extremistas da direita propõem como modelo de
imbecilização escolar, tais insanidades como o projeto “Escola sem Partido”,
cujo um dos artífices é um grotesco ator pornô que virou celebridade
“educacional”!
5.
O vazio existencial e os reflexos da dimensão psicótica da
sociedade
O
mote oportunista que “a educação se faz na luta” (ou algo similar!) parece ter
sido extraído de alguma literatura romântica e muito longe da gritante
realidade. Diante do desejo manifesto de respirar diante das agruras das
perversões destiladas pela junta golpista, é preciso tomar cuidado para a
sobreposição entre o desejo de projeção narcísica da sociedade perante as
crianças e adolescentes “ocupados”. Elas dificilmente têm capacidade estrutural
para sustentar a projeção de tamanha demanda reprimida por parte dos adultos
“espectadores”.
Parece
cínico ou surreal acreditar em crianças que seriam tomadas por uma espécie de
“consciência de classe ou política” de forma instantânea, por osmose midiática
e sem lastro histórico de aprendizagem. Quase por “possessão divina” e, na mais
completa ausência de professores e pais delas, elas, os alunos, por si mesmos,
se transformem na “esperança” de uma sociedade incapaz de tomar decisões de
adultos e sustentarem seus desejos e inquietações de forma madura e
protagonista. Talvez os mesmos
“esperançosos” estejam sentados e esperando que as crianças virarem
"revolucionárias" tomando leite em pó hipernutritivo e farão elas as
mudanças pirotécnicas narcisistas que o país necessitaria de dentro das escolas
ocupadas! O que parece deboche é a sensação que muitos "apostam" como
"saída" (ou apelo à uma “esperança desesperada”) para a nação em
letargia diante de mais um golpe de estado. Ainda podemos perceber um tom
inconsciente de sadismo social ao jogar as crianças na “fogueira” e esperar os
resultados miraculosamente desejados. Neste rol sádico, até políticos e
governantes já pegaram “carona” nas escolas ocupadas, seja para apoiá-los ou
ofende-los!
O que causa mais
curiosidade não é a “rebelião das crianças”, mas a inação dos pais perante a
evocação dos filhos que os chamam para tomarem partido de algo que deveria ser
feito por adultos. É sintomático o desamparo dos filhos amotinados perante a
leniência e “acovardamento” dos seus pais indiferentes perante a realidade e
parece estarem fadados à perda de sentido e, potencialmente, o seu significado
que a função que é a de “sujeitos históricos”. Diante do vazio existencial
reinante, o desemparo fortificado, parecer ser muito mais cômodo apostar em
crianças “aguerridas” motivadas por ímpeto de construção do seu narcisismo do
que os adultos, ou seja, seus pais, trabalharem seu próprio narcisismo em prol
de condições de vida melhor para si mesmos e de seus filhos. As esquerdas, em
amplos aspectos, sendo incapaz de mostrar-se como alternativa contra o atual
estado de exceção imposto no país, preferem acreditar de forma messiânica nas
“ocupações” feita por estas crianças e jovens como sendo uma “vitória”
contra a junta golpista!
É preciso retornar à
necessidade de reflexão a respeito da centralidade do trabalho atrelada a luta
de classes com consciência política, sendo eles, formas de críticas de visão de
mundo dos trabalhadores contra o retorno da terra arrasada que vem sendo
semeada pela direita e seus extremos na sociedade brasileira. Nada cria maior
sensação de riso histriônico para a Casa Grande quando os adultos se comportam
como autistas políticos e que estão sendo esquartejados em carne viva,
“deleguem" irresponsavelmente sua indignação e trabalho de consciência
política e luta de todas as forças progressistas da sociedade para mãos de
crianças narcísicas amotinadas e supostamente tomadas de patriotismo
"revolucionário" instantâneo. Assim, de forma tragicômica, temos o mote
atual do surrealismo do Brasil psicotizado, imerso em um vazio e diante de uma
fragilidade mobilizadora que apenas reforçam os desmandos da junta golpista que
põe de joelhos toda uma sociedade que anseia ser submissa e se torna capaz de
desejar se rebelar de forma madura e emancipatória!
(Wellington Fontes Menezes)