- O golpe de estado e o
estado de exceção
Vivemos
diante de mais um golpe de estado que paulatinamente esta implementando um
estado de exceção no país! Para caracterizar o seu conteúdo é necessário
algumas informações preliminares. Um Golpe de estado poderá ser traduzido de
forma mais sintética como a interrupção de um governo legítimo conduzido por
preceitos democráticos e respeitador de normas democráticas por ações ilegítimas
de um ou mais grupos ou órgãos de interesses. Os golpes de estado podem ser
constituídos de distintas formas e mesclas, seja parlamentar-civil, seja
militar, com arranjos entre demais poderes presentes numa sociedade, como o
Poder Judiciário ou a grande mídia local com apoio de governos externos.
O
“estado de exceção” é o oposto àquilo que conhecemos como “estado de direito”,
ou seja, as garantias de direitos individuais e preceitos fundamentais de
liberdade. A imposição sistemática de coerção e a intimidação são elementos
básicos impingidos por aqueles que precisam do uso massivo da força para
cercear todos aqueles que são contrários às normas vigentes impostas pela
vontade de uma junta que tomou as rédeas do poder de fato.
O
Brasil, com o advento do golpe de estado liderado por uma junta conspiratória
que tem o vice-presidente, Michel Temer como novo “presidente interino” com o
afastamento da presidenta Dilma Rousseff, está assistindo a implantação
paulatina de um estado de exceção que vem suprimindo sucessivamente direitos e
garantias constitucionais duramente conquistados por décadas. Importante
lembrar que a aplicação de um estado de exceção não obedece a nenhuma regra
constitucional, apenas a vontade de seus agentes dominantes no processo.
Um
golpe com tanques e baionetas (“golpe hard”) choca muito mais a opinião pública
do que um golpe parlamentar com apoio do sistema judiciário e costurado por
todo um sistema ideológico midiático (“golpe soft”). Ambos são trágicos na
mesma intensidade para qualquer democracia! O modelo arquitetado no Brasil,
remete aos modelos de golpes recentes na América Latina: o “soft” no Paraguai
(destituição por “impeachment” do presidente Fernando Lugo em 2012) e o “hard”
em Honduras (aprisionamento do então presidente Manuel Zelaya por uma junta
militar golpista em 2009). O Brasil com a derrubada de Dilma, tem todo o estilo
e alicerces das fracassadas tentativas de golpe na Venezuela para derrubar Hugo
Chávez e agora Nicolás Maduro. Porém, para nossa lástima, o fracasso dos
golpistas venezuelanos se deu vitorioso por aqui, a versão verde-amarelada do
golpismo.
Insistir
na nomenclatura do golpe serve para deixar escancarada a ruptura democrática
feita no Brasil e não compactuar para dar um falso verniz de legalidade da
junta golpista que tomou o poder de assalto. Curiosamente, enquanto muitos
países latino-americanos e europeus condenaram o golpe cometido no Brasil, os
Estados Unidos, protagonista máximo do golpe de 1964 e em diversos golpes em
países latino-americanos e o maior interessado em um governo de adesão serviçal
às suas políticas imperialistas, se colocam numa posição sintomática e
estratégica de “neutralidade participante”.
A
subserviência aos interesses de Washington merece destaque com o retorno de uma
política de reconquista de áreas de influência na América Latina após avanço de
governos mais progressistas nos anos 2000. Diante da reorganização geopolítica
do mundo e avanços como a União das Nações Sul-Americanas (UNASUL) e o Mercado
Comum do Sul (MERCOSUL) para lapidar o domínio do governo estadunidense, é
necessário reconfigurar governos mais próximos aos interesses de Washington e
apoiar um retorno de governos favoráveis à sua influência direta. Vale
ressaltarmos os inúmeros governos pró-Estados Unidos ao longo do continente
latino-americano desde a Guerra Fria, algo similar ao que se chamava de
“governos fantoches” típicos das tais “repúblicas de bananas”, ou seja, países
caribenhos e sul-americanos sem nenhuma credibilidade governamental ou jurídica
dependente de uma potência estrangeira para existirem, no caso, a influência
massiva os Estados Unidos.
Não é
um fator desconhecido o interesse estratégico de Washington para obtenção do
chamado pré-sal brasileiro. Ter o domínio de toda a plataforma continental
brasileira é assegurar a posse do pré-sal e consequentemente, reservas de gás e
petróleo para as próximas décadas. Lembrando que as maiores reservas de
petróleo ainda pouco explorado (ou praticamente sem exploração) se encontram no
Brasil, no Golfo de México e na costa ocidental africana, justamente nos
recortes geológicos que anteriormente fizeram parte do supercontinente chamado Gondwana.
Não é a
toa que os golpistas e a grande mídia nacional (especialmente a Rede Globo das
organizações Roberto Marinho e ainda temos o protagonismo agudo dos grupos
Abril, Folha e Estado), que participou da construção ideológica de persuasão do
processo de “impeachment” na sociedade evitam desesperadamente o termo “golpe”.
Quando fazem uso do termo, na grande mídia impressa (nunca na televisiva), usam
aspas e procura colocar uma leitura sarcástica de quem profere o termo
“profano”. No entanto, a mídia internacional não tem pudor algum ao definir o
termo golpe para o atual processo de destruição da democracia brasileira.
- A novela farsesca do
“impeachment”
Assim
podemos entender os dias que sucederam o afastamento da presidenta Dilma
Rousseff do seu cargo, após a votação do processo de impeachment no Senado
Federal ao longo do teatro farsesco que durou até o fatídico 11 de maio de
2016. Uma data para ficar na História dentre daqueles episódios mais patéticos
e bizarros da política nacional recente, somente perdendo para o circo da
votação do mesmo impeachment no tétrico domingo do dia 17 de abril tendo palco
a Câmara dos Deputados em transmissão ininterrupta de toda a grande mídia
brasileira sob o cínico sorriso de Eduardo Cunha, o então presidente da Casa.
A
subida oficial no Palácio do Planalto da junta golpista comandada por Michel
Temer, o vice-presidente mais trapaceador e traidor da História política
nacional, foi uma sucessão de tragédias que muitos já haviam avisado: cortes e
extinção de programas sociais consagrados das gestões petistas, arrochos de
salários públicos e privados, mudanças drásticas nos trâmites para aposentadoria,
abertura escancarada para um processo de privatizações das empresas públicas a
todo vapor (ação prioritária para a venda da Petrobrás, a estatal de petróleo,
e todo área do pré-sal brasileiro), extinções de ministérios (o mais polêmico
foi a pasta relativa a Cultura), supressão de direito em “pacotaços” de
retrocessos que em fizeram o país retroagir, no mínimo, três décadas. Uma
situação que merece destaque é a ida do senador José Serra, um dos principais
articuladores do PSDB para a viabilidade do golpe de estado, entronado como
ministro das Relações Exteriores. Serra é um ferrenho crítico da Petrobrás como
empresa estatal e sua figura, segundo o WikiLeaks, têm ligações diretas com
petrolíferas estadunidenses e o governo de Washington.
Ascenderam
ao poder com Temer todo o PMDB, outrora partido da aliança dos governos
petistas de Lula e Dilma, o DEM (ex-PFL que era a antiga ARENA, o partido que
dava suporte político ao golpe civil-militar de 1964) e todos os demais
partidos de centro-direita oportunistas que viam no processo golpista uma nova
oportunidade de arrancar mais poder financeiro e político com a redistribuição
dos cargos públicos. Dentre os partidos que mais levou vantagem com o golpe
está o PSDB do senador Aécio Neves, candidato derrotado à presidência da
república em 2014, principal partido de oposição ao PT em nível nacional.
Merece atenção ao fato que o “programa de governo” da junta conspiratória
golpista de Temer é praticamente o mesmo apresentado por Aécio quando era
candidato ao Planalto, ou seja, o suprassumo do neoliberalismo colocado às
últimas consequências cujo motor é o crescimento econômico para o grande
capital com redução drástica de salários, supressão de direitos e
intensificação da mais-valia com absoluta precarização do trabalho.
Na
prática, com o advento do golpe, está sendo conduzido no país um programa
econômico recusado nas urnas por um governo ilegítimo de um partido político e
seu candidato derrotado, ou seja, a expropriação da riqueza produzida pelos
trabalhadores brasileiros a serem acumulados por um punhado de grandes
capitalistas detentores nominais dos meios de produção e rentistas nacionais e
estrangeiros que vivem a parasitar os lucros do trabalho real.
Dentre
a avalanche dos absurdos praticados em poucos dias pela junta conspiratória
golpista de Temer, está a configuração emblemática da face sem retoques da
aliança conservadora da burguesia nacional que detém as rédeas do novo golpe de
estado no país em sua versão “soft”: um elenco ministerial empossado por Temer
sem mulheres, negros, nenhuma minoria e todos os velhacos corruptos da política
nacional da direita e que fizeram parte da conspiração golpista. Neste bolo
tétrico do que tem de pior da política nacional, sete ministros nomeados com
nomes citados e fichados na própria Lava Jato por corrupção.
Para
além dos pesadelos daqueles que defendem o valor visceral da democracia,
tivemos ainda uma perversa construção ideológica impregnada sistematicamente
das ações que culminaram no golpe parlamentar derivada de toda a grande mídia
patronizada (rádio, televisão, jornais impressos e revistas), excetuando a
Revista Carta Capital do jornalista Mino Carta e a diversidade do nicho
presente na internet e redes sociais. Para isto, foi necessária uma “política
do ódio” impregnada diariamente em todos os meios de comunicação para demonizar
e criminalizar as ações da presidenta Dilma e do seu Partido dos Trabalhadores
(PT). Nada mais inquisitório que o pastelão televisivo noturno da pauta do
“Jornal Nacional”, líder de audiência do horário no país, que exaustivamente
fazia campanha escancarada contra a presidenta Dilma, o ex-presidente Lula e o
PT.
Para
legitimar toda a construção anti-PT por parte da mídia com armações golpistas,
surgiu no horizonte da conspiração a ficção jurídica comandada pela chamada
Operação Lava Jato de posse de um provinciano juiz federal de primeira
instância, Sérgio Moro, que deu os alicerces legais para o estofamento da falsa
moralidade seletiva que grassa a sociedade nos últimos meses. A “Lava Jato” é a
maior força-tarefa ficcional de suposto combate a corrupção na Petrobrás que
fez midiaticamente transformar canonizar corruptos em “heróis” e os supostos
“heróis” em bandidos. A fábula da perversão jurídica se fazia completa a partir
da construção fantasiosa da chamada “delação premiada”, onde simplesmente um
político ou empresário corrupto, em troca de supostas benesses jurídicas,
poderia dizer o que bem quisesse sob a prerrogativa de “verdade absoluta” e “canonizada”
pelo “Papa Moro”. Todas estas fábulas pseudo-investigativas eram seletivamente
expostas em momentos cruciais para o processo de deliberação do golpe por toda
a grande mídia que fazia sua parte de “porta-voz golpista” por excelência cujo
objetivo era chocar a opinião pública por processo de osmose intensiva de um
“Brasil corrupto por ser petista”. Resultado foram às manifestações de
“cidadãos de bem”, patrocinadas por setores empresariais, midiáticos e partidos
políticos da direita, em particular, o PSDB de Aécio Neves, candidato derrotado
nas últimas eleições presidenciais, vestidos com camisas da seleção brasileira
da corrupta CBF em praças públicas xingando entusiasticamente o PT, Dilma e
Lula. Por sinal, Lula foi o “objeto de amor” preferencial do escárnio golpista
e de toda a grande imprensa que colaborou com o golpe de estado. Vale lembrar
que os vazamentos seletivos de áudio se tornaram uma prática comum desde então
para seduzir a opinião pública na reafirmação da necessidade de caçar Dilma,
Lula e PT, além de colocar a aparência de um verniz de legalidade do pós-golpe
“enquadrando” eventuais golpistas para criar uma ficção de suposto “combate a
corrupção”.
Da
fabricação das prerrogativas do golpe, passando pelos oportunistas alicerces da
conspiração golpista até culminar no afastamento da presidenta Dilma e o
entronamento da junta golpista do traidor Temer, devemos entender o papel
daqueles que lutavam, e ainda lutam, contra este processo de implantação
paulatina de um estado de exceção no país.
- A necessidade de
estratégias definidas para derrotar o golpe
Implantado
o golpe, a questão básica é o que fazer para evitar mais retrocessos? Este é um
momento em que vem sendo crescente a desorientação sistemática dos discursos
daqueles que se dizem contrários ao golpe. É necessário, em primeiro lugar, questionar:
quem realmente está interessado na democracia? Não parece claro o teor das
manifestações reinantes de muitos pontos das cidades brasileiras, que vão desde
um genérico “Fora Temer” aos pedidos de “novas eleições” e até mesmo uma
surreal “Reforma Política” com eleições específicas para uma espécie de “mini-constituinte”
ou apenas a lúdica reativação do Ministério da Cultura extinto pela junta
conspiratória golpista. As avalições primárias vão de um extremismo
infantilizado nonsense à carência de
criar cenários de estratégias para combater o golpe e derrota-lo sem piedade.
Algumas
questões merecem ser refletidas referentes à construção de um discurso amplo e
consistente contra o golpe e evitar a fragmentação inócua que apenas fortalece
uma “legitimação” da junta golpista ocupantes do poder atual.
Preliminarmente
é preciso esclarecer que somente é possível a atuação mais robusta das
esquerdas e alas mais progressistas dentro da democracia. É preciso deixar
claro que os valores da democracia deverão ir além dos meros ideários
burgueses, mas ampliar radicalmente sua função de veículo da igualdade socioeconômica
e liberdade de expressão de forma a se transformar em um processo socializador
de conquistas e derrubar a colossal muralha que separa pouquíssimos ricos e
milhares de pobres. O golpe em curso escancarou a luta de classes que sempre é
negada por setores conservadores se travestindo da aparência de “democracia
racial” e elementos que evocam a cordialidade romântica do brasileiro. Dentro
desta perspectiva, todos os partidos, entidades, centrais sindicais, amplos
movimentos sociais e sujeitos ativos politicamente, indistintamente de credos
ideológicos, e comprometidos com igualdade social e a construção de um mundo
mais justo, devem somar forças e discursos contra o golpe de estado. Alguns
pontos, a seguir, merecem um convite à reflexão.
1º.) Pedir
novas eleições apenas enfraquece a movimentação em prol do retorno da democracia,
por uma razão simples: seria um golpe dentro do golpe, ou seja, a Constituição
Federal de 1988, a Carta Magna que deve reger nossa sociedade atualmente não
prevê nenhum dispositivo desta natureza (o artigo 81 da Constituição mostra bem
claro a incongruência deste pedido). Ademais, seria necessário um arranjo
político para criar um mecanismo que possibilitasse novas eleições fora do
escopo da Carta Magna (por exemplo, uma emenda constitucional). Pergunta-se
então: qual é a junta golpista de qualquer parte do planeta que dá um golpe de
estado para a deposição de um presidente eleito democraticamente e, esse mesmo
grupo, claramente, abrir mão do seu poder imediato golpista para fazer isto em
nome da “democracia” que ele ajudou a destruir? Para um mínimo de bom senso
pede-se uma gota de reflexão pragmática.
2º.) Não
tem menor cabimento pedir uma “Reforma Política” dentro de um golpe de estado.
Seria o mesmo que utilizasse um curativo para estancar um sangramento com
cortes profundos. Ademais, beira o surrealismo acreditar que uma “reforma
política” fosse “imparcial e democrática” dentro de um estado de exceção.
Qualquer reforma constitucional democrática precisa ser feita necessariamente
dentro de um processo democrático, seja ela qual for e qual a sua destinação.
3º.)
Ações pontuais pedindo a revogação de um ato abusivo da junta golpista, seja
contra a extinção do “Programa Minha Casa, Minha Vida”, seja contra a extinção
do Ministério da Cultura (MinC) apenas, paradoxalmente, legitima o governo
ilegítimo da junta golpista. Foi-se muito divulgado nos últimos dias a
mobilização de artistas contrário à extinção do MinC e que gerou uma dúvida
não-trivial: os mesmos se manifestavam apenas contra a extinção do órgão ou
contra o golpe? Qual sentido político de querer negociar qualquer bagatela
dentro de um golpe de estado senão para legitimidade todo o seu ilegítimo
processo? Todavia, parece que após reivindicar um ponto dentro do estado de
exceção de Temer, a junta golpista atende disfarçadamente este pedido e tudo
volta a “normalidade”. A partir de então, vale um precioso adágio: quem cala a
boca com meros petiscos não merece comer o prato principal. Devemos estar bem
atento à seguinte lição: não se negocia com golpistas, mas se deve derrota-los
à qualquer custo. A mão que afaga um monstro poderá ser a mesma a ser engolida
por ele.
4º.)
Alguns partidos e grupos à esquerda estão mais preocupado com o infantilizado
discurso da “inviolabilidade sexual”, ou seja, uma espécie de “atestado de
virgindade” com o discurso niilista do “fora todos”. A priori, revitaliza a
alma com a purificação sacrossanta daqueles que se acham tão superiores que jamais
colocarão seus pezinhos na terra diante de outros “esquerdistas”. É mais uma
política ótima para a junta golpista que sem gastar uma única bala, um doce
cassetete da polícia ou canetada Mont Blanc, neutraliza tais grupos a não se
mobilizarem contra seu poder coercitivo. Naturalmente, é muito mais agradável
ao ego dizer que não se “mistura” com os outros, ou seja, os petistas,
considerados os “novos demônios” da sociedade. Tal infeliz discurso apenas
fortalece os setores da direita e forças conservadoras de neutralizar todas as
esquerdas fazendo que elas adotem a mesma ideologia proto-moralizante ao estilo
“Lava Jato”.
5º.)
Afinal, o golpe é contra quem? O golpe tem um único objetivo pontual e
prioritário e outros objetivos secundários de importância menor. Praticamente
todo golpe de estado praticado na América Latina é para retirar do poder grupos
mais progressistas ou de “esquerda” que possam de algum modo fazer frente à
dinastia secular da classe dominante. Nos anos de Getúlio Vargas até o seu
suicídio em 1954 e o golpe civil-militar de 1964 não foi diferente no Brasil.
Cada um ao seu modo e em seu tempo, a classe dominante (aqui temos um tear com
capitalistas de diversos setores da vida econômica do país) impôs suas regras
de forma a não serem contrariados. O golpe atual priorizou extirpar o PT do
poder, já que não foi feito pela via democrática em 2014 e criar meios para que
nenhuma agremiação mais a esquerda possam colocar os pés no Planalto nas
próximas décadas. Doravante, não é apenas a dissolução do PT, maior partido de
esquerda da América Latina no poder, mas toda uma arquitetura perversa de
destruição do PT com a perseguição e criminalização dos seus principais
líderes. Notadamente, é inegável o avanço que representou o PT, apesar de todos
seus erros conjecturais na aliança eleitoral com partidos da direita (ou seja,
partidos da burguesia) e adoção seletiva da cartilha neoliberal. A derrota do
PT é a derrota dos principais avanços sociais conquistados nas últimas décadas
e, para ser mais claro, os melhores índices de inclusão social da chamada Nova
República que surgiu com o final do golpe Militar, em 1964 e durou até a
destituição de Dilma Rousseff da presidência da República.
6º.) Os
gritos de “Fora Temer” é um mote fácil e marca uma posição. Todavia ele não
traduz de forma convincente o que é necessário fazer. É preciso deixar
explícito: apenas existe um único caminho para reconduzir nossa destroçada
democracia: o retorno imediato de Dilma ao poder. Logo, o termo mais adequado e
que uniria um discurso pontual e estratégico para o momento de plena crise
democrática em um sonoro: “Volta Dilma”. Somente com a volta de Dilma é que
será possível negociar toda uma nova agenda a ser trabalhada no pós-golpe.
Independente de ser simpatizante ou não ao governo de Dilma ou do PT, a questão
maior e urgente é a sobrevivência da nossa precária democracia para que se
possa alcançar novos avanços para as questões sociais e toda a classe
trabalhadora. Vale lembrar aos entusiastas da manjedoura revolucionária de
plantão que o não há nenhuma conjectura real para quaisquer levantes
proto-revolucionários. Pelo contrário, está muito distante uma conjuntura factível
em prol de manifestações ditas ou dignas de serem chamadas de “revolucionárias”.
O que temos de concreto é o retorno de uma onda conservadora sem pudor algum de
mostrar todo o seu arsenal de ditames reacionários. Existe algo mais bizarro e
sintomático que o ministro da Educação da junta golpista, Mendonça Filho, ter
recebido em seu gabinete e divulgado para toda a imprensa um conhecido ator
pornô fanfarrão e militante “anti-comunista”, Alexandre Frota, o qual (pasmem!)
levou “propostas para o ensino”?
- Unir o discurso para o
contragolpe: Dilma ou o caos
Unir
estratégias é fundamental para derrotar o golpe. Logo, não se deve mendigar
nenhum programa social dos governos de Lula e Dilma destruído pelo golpe, mas enfaticamente
lutar pelo retorno de Dilma e colocar uma pá de cal nas pretensões golpistas. Ademais,
acreditar que teremos eleições “livres” em 2018 para a presidência dentro de um
golpe de estado é apostar no vazio da escuridão: nada é garantido dentro de um
golpe de estado cujo maior fiador é o Supremo Tribunal Federal (STF). Ademais,
o maior mafioso ministro do STF é quem preside o Tribunal Superior Eleitoral
(TSE), Gilmar Mendes, o articulador-mor do braço judiciário do golpe e
anti-petista declarado. Não satisfeito, agora Mendes irá assumir pessoalmente a
responsabilidade dos processos investigados pela turma da Lava Jato, assegurando
assim, a certeza da manutenção do golpe e a criminalização do PT. Não
satisfeito, Mendes irá assumir a responsabilidade dos processos envolvendo a
Lava Jato e assegurar pessoalmente a seletividade entre os que irão ser
inocentados previamente e os que serão escrachados e criminalizados (leia-se,
os petistas!).
Como é
possível acreditar em magistrados que deveriam zelar pelos trâmites da Carta
Magna que, simplesmente, ignoraram todos os abusos durante a farsesca novela do
impeachment? Os ministros do STF deixou a “Lava Jato” do “herói nacional”, o
juiz Moro, com suas pirotecnias derivadas de “vazamentos seletivos” de
depoimentos muito suspeitos utilizado de forma a serem usados como objetos
políticos de criminalização do PT. Logo, munição para ser usada na campanha
histérica anti-PT fartamente alardeada na grande mídia que patrocina
ideologicamente o golpe.
Vale
lembrarmos que o STF ainda apoiou todas as tramoias de Eduardo Cunha,
ex-presidente da Câmara dos Deputados e chefe-maior do golpe! Para dar uma
aparência de legalidade no processo, o afastamento de Cunha da presidência da
Câmara por parte do STF foi mais um teatro na busca de legitimidade do golpe. O
STF demorou estrategicamente todo o tempo necessário para destituir Dilma no
processo do impeachment na Câmara liderada por Cunha, para somente depois,
quando o serviço já estava feito, tomou providências para afastá-lo do cargo.
Cunha foi o principal articulador do golpe e homem-forte do governo ilegítimo
de Temer. Até agora, o STF se mostrou um fiel escudeiro do golpe, dando o falso
caráter que as “instituições estão funcionando normalmente”.
É
perceptível que praticamente nenhum veículo da imprensa jamais acusou o STF de
nada, ou seja, os ministros de togas são tratados como uma casta além de qualquer
possibilidade de crítica. O STF representa
a dominação de uma classe que utiliza das leis para usufruírem os maiores
privilégios possíveis de cargos públicos e de forma completamente impunes e
imunes às quaisquer obstruções às suas posições semi-divinas.
Em
termos práticos, é com o STF que o processo do impeachment de Dilma (o “golpe
soft”) tramita e legalmente tem um prazo de 180 dias para terminar todo o seu
enredo conforme artigo 86 da Constituição. Após este prazo, retornará ao Senado
Federal que dará a conclusão de todo o processo. Pela lógica do teatro
golpista, Dilma foi acusada por crimes de responsabilidade fiscal, a chamada
“pedaladas fiscais”, uma ficção contábil praticada por inúmeros governadores
que a junta golpista usou como mote para derrubar a presidenta.
A missão
estratégica é pressionar de todas as formas possíveis os senadores para
encerrar esta novela golpista enterrando o processo de impeachment e fazendo
Dilma retornar ao seu cargo do qual jamais deveria ter sido retirada. Somente a
movimentação popular mais aguda, com todos os setores democráticos para criar
um clima de insurgência popular que possa trazer em brevíssimo tempo a afastada
democracia. Este é um processo muito difícil diante do cinismo extremo da
arquitetura do golpe e toda a força midiática para sustentá-lo. A força do
“Volta Dilma” deverá ecoar de forma sonora em todas as praças do país caso
desejarmos reconstruir nossa alvejada democracia.
- Epílogo: Diante de um
golpe de estado, pior sempre poderá ficar
No
interior de um golpe de estado, nada é assegurado ou passível de respeito. Caso
os protestos ficarem mais fortes, que é uma tendência urgente e necessária
contra um governo ilegítimo, é bom ficarmos atento diante na eminência das
proximidades das Olímpiadas, a ser realizada no próximo mês de agosto no Rio de
Janeiro.
O
governo ilegítimo de Michel Temer poderá ter a tentação de utilizar os artigos
137 a 139 da Constituição e decretar o “estado de sítio” no país em virtude da
normalização dos jogos. Neste sentido, não há dúvidas que a maioria dos setores
das forças armadas não farão nenhuma objeção em “servir a pátria” com força
total tendo a luz à famigerada e perigosa Lei 13.260/16, a chamada “Lei
Antiterror” aprovada por Dilma sob insistência do Comitê Olímpico Internacional
(COI) e as principais potências estrangeiras, entre elas, os Estados Unidos,
para enquadrar quaisquer protestantes sob o “guarda-chuva” do terrorismo. Certamente, um erro político colossal de
Dilma, em pleno processo de golpe de estado, aprovou em 16 de março de 2016, um
mês antes da aprovação de forma circense do pedido de afastamento dela pela
Câmara dos Deputados.
Dentro
deste cenário completamente hostil às ideias mais pragmáticas e estratégicas
diante do golpe, o bombardeio midiático de boatarias, distorções e mentiras da grande
imprensa nacional para transformar o golpe que eles patrocinaram na mais
cândida normalidade democrática. Todo o teatro do golpe parece órfão de um
contragolpe sem uma perspectiva de estratégias unificadas mostra o quão difícil
se avançará nesse de processo de enfrentamento para o mesmo. Mais uma vez,
devemos ter muita clareza o que se deseja, ou seja, o retorno de Dilma ao
Planalto e a reconstrução da vida pós-golpe.
Sem a unificação
de estratégias de um único programa mínimo que é o retorno de Dilma com todas
as prerrogativas que tem o seu cargo, o país poderá chafurdar definitivamente
em um atoleiro político que causará mais danos sociais e retrocesso do que o
golpe de 1964 que resultou em duas décadas de retrocesso de todas as formas imaginadas
no país e os quais repercute até os dias atuais. O cenário é complexo e a
guerra para o retorno da democracia está em aberto e deverá ser aprofundada com
a insurgência popular de todos os setores progressistas da sociedade diante do
escancaramento explícito da luta de classes no Brasil.