O debate político nas redes
sociais, e fora dela, é curioso. Particularmente, curiosíssimo! Um turvo esboço
do tempo histórico o qual atravessamos.
Dentre das possibilidades em jogo, vejamos suas ações e
consequências do tão alardeado "cidadão de bem", um novo (mas não tão
novo assim) eufemismo para relatar o sujeito do cotidiano e que se apresenta
como detentor da verdade divina e protegido pela sacralidade cristã.
Se o sujeito está doente, irá um médico. Se o sujeito está
passando por problemas emocionais, irá a algum dos meus colegas psicólogos ou
psicanalistas. Está-se com fome, certamente irá a um restaurante ou procura
entender como se prepara uma refeição.
Porém, quando o assunto é política, o sujeito movido ao bom
senso (o qual hoje se transformou no "senso infantilizado"), não tem
dúvidas, trata tudo como se fosse matéria da geração espontânea da mente dele
numa mesa de boteco, ingerindo todas as doses de cachaça possível para
desenrolar um cabedal de bobagens sem limites.
Doravante, existem questões mais profundas. Entre elas a
necessidade de refletir os motivos e quais os interesses de fazer da política
não um instrumento essencial do sujeito da vida cotidiana, mas um mero objeto
banal de pouquíssima importância real na sua vida, exceto para gozo da
ignorância primária.
Não devemos canonizar a política (ou qualquer outra área do
conhecimento humano), mas é pertinente responsabilizar nossos posicionamentos a
respeito dela e, de todo assunto o qual se deseja manifestar como
"sujeito-do-suposto-saber". Não é lícito atacar, ofender e depois
sair correndo com a desculpa que precisa ir ao banheiro ou que não disse
"aquilo" que se pretendida dizer. Atos falhos é a porta dos fundos de
uma linguagem operada na inconsciência.
Voltando ao "cidadão de bem". Claro, que ele não quer
ouvir ninguém que tenha um mínimo de conhecimento a respeito. Afinal, a tal
"política", para esse sujeito, a macro-política, não é conhecimento
derivado de um olhar histórico, social, conjectural e perceptivo. Segundo tal
premissa, tal sujeito, com seu ego encharcado de ódio primal e ignorância
recebida por osmose, tem a ciência que para ele a política é como piolho, ou
seja, tem na cabeça de qualquer um que possa ler algumas páginas de revistas
sensacionalistas ou noticiários tão elucidativos quanto à claridade das águas
do rio Tietê.
Portanto, ao dizer afirmações aleatórias movidas apenas pelo
ranço pessoal com se fosse o mais fino substrato da verdade, o desejo de gozar
com o ato de odiar um objeto de suposto amor, o sujeito abre mão da
possibilidade do debate, ressignificação de concepções e o enriquecimento de
idéias, e abraça a sua ignorância primária. Fato que se tornou patente de orgulho
famigerado e confiança alucinada do dito "cidadão de bem" diante dos
mecanismos de defesa dele.
Diante da terra minada por areia e debates da profundidade de um
pires, dentro ou fora das redes sociais, a política se tornou não mais um
território da orquestração de suas idéias, posicionamentos e conjecturas, mas
um território livre para as derivações composta de um nanômetro de
conhecimento, o elogio profundo à estupidez e a consagração das alucinações do
boteco no gozo da sua ignorância primária. O caminho é longo e os debates
parecem se tornar cada vez mais curtos e povoados de afetações.