"Neste ano, teremos 20% de reserva de vagas para pesquisadores/as pretos/as, pardos/as, trans ou com deficiência que participem dos SPGs ou GTs como expositores/as de paper. No caso das Mesas Redondas, não serão habilitadas propostas que não contemplem ao menos uma pesquisadora como expositora. As Ciências Sociais brasileiras estão atravessadas, ainda, por desigualdades regionais que se fazem ainda mais significativas no cenário atual de desfinanciamento da educação e da pesquisa. Assim, também são observados critérios de representatividade regional na seleção de propostas. Essas Políticas visam estimular que a diversidade constitutiva da comunidade de cientistas sociais se faça presente nas mais variadas áreas temáticas que compõem a programação do Encontro e se guiam pela autodeclaração dos/as pesquisadores/as no momento da submissão de seus resumos."
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Acima,
temos um fragmento da chamada para o Encontro Anual da “Associação Nacional de
Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais” (ANPOCS) para a edição de 2021. A
organização deveria zelar por critérios técnicos para a pesquisa científica na
área de Ciências Sociais, mas parece enveredar no desnecessário e preocupante
percurso do modismo que ecoa diante de um sedutor populismo identitário, o qual
começa a grassar nos meios acadêmicos e nas pesquisas científicas.
Preocupa-se
quando as escolhas sobre pesquisas científicas não são pertinentes aos
critérios técnicos e científicos, mas supostamente subjetivos e identitários!
Qual o sentido de fazer cotas para a pesquisa científica, se os trabalhos são
submetidos aos pareceristas do evento, supostamente de forma anônima, conforme
são as regras de submissão?
Ao
se optar pelas cotas, o efeito não é de privilegiar os diferentes, mas acentuar
as desigualdades de quem está do lado que, supostamente, carece delas, precisando
de privilégios para serem reconhecidos como “pesquisadores”. Nesta “inclusão
excludente”, a ANPOCS, no seu afã populista identitário, parece que,
ironicamente, esqueceu-se de incluir os povos originários. Se a premissa que
está sendo imposta é a pauta identitária em detrimento do mérito científico,
será que eles não seriam também interessantes ou haveria outros motivos mais
ocultos para não incluí-los?
É
importante ressaltar: uma questão é o acesso à universidade pública diante das
disparidades da Educação Básica brasileira, mas outra questão bem diferente se
situa no nivelamento de conhecimento e de produção científica. Logo, parece
pouco plausível a distinção por meio de cotas para um suposto nível de
conhecimento entre os pesquisadores. Qual o critério de escolha de trabalhos
acadêmicos para congressos científicos? Qual a lógica da autodeclaração de
etnia, gênero ou sexualidade para a submissão dos trabalhos científicos? Se os
sujeitos atingiram a capacidade de serem pesquisadores e estão imersos em uma
crise de desvalorização da Educação e da Ciência, logo, indistintamente, afeta
a todos que fazem pesquisa científica.
Diante
do quadro tenebroso que a Ciência vem sofrendo no Brasil pós-golpe e o massacre
da política genocida de Bolsonaro, não parece que existam ilhas de privilégios
nas Ciências Sociais, como permite suscitar a convocação para os trabalhos do
Encontro da ANPOCS. Por sinal, no Brasil, as Ciências Sociais já ficam à margem
diante do minguado fomento de financiamento de pesquisa, em comparação as
demais Ciências. Afinal, qual a lógica da obsessão de adentrar no reino do
irracionalismo em nome do populismo das identidades, tão patrocinado pelo
neoliberalismo e seus arautos ideológicos?
O
proselitismo e a demagogia são os piores meios para uma suposta "superação
das desigualdades sociais", via descarte do mérito da pesquisa em um
congresso científico! Lembrar que os revisionistas e negacionistas rejeitam a
Ciência em nome de seus esdrúxulos dogmas subjetivos e identitários!
Na
lógica do pensamento mágico identitário, basta colocar um elemento
"representativo" da Santíssima Trindade Identitária, para que todo o
conhecimento aflore por osmose, as injustiças sociais se evaporem como fumaça
de chaminé de escolhas papais e a verdade se firme como um prego fincado na
gelatina! Diante dos fatos, causam demasiada surpresa os quesitos impostos na
construção do Encontro Anual da ANPOCS. Lastimável que chegamos ao ponto da
demagogia populista nas organizações científicas, as quais deveriam zelar pela
pesquisa científica em Ciências Sociais.
Para
que servem os estudos e pesquisas arduamente trabalhados se o que vale, no
final, é a subjetividade do sujeito em nome da sua suposta identidade egoica e alegóricas
dimensões sociais? No meio de uma pandemia de irracionalismo, parece que a
ANPOCS foi severamente contaminada. Sendo assim, é preciso ser vacinada com a
Ciência para evitar o vírus do obscurantismo e do irracionalismo! Não é
possível aceitar que o populismo identitário se torne a nova onda negacionista dentro
da Ciência, e que é mais grave ainda, em nome de supostas subjetividades
reprimidas de demandas que podem ser justas socialmente, mas que não combinam
com a objetividade que a pesquisa científica necessita, para se oferecer como
mecanismo de conhecimento real para a humanidade.