Uma das grandes desgraças da ascensão do jaguncismo fascista
de Bolsonaro ao poder é a naturalização da barbárie como mecanismo de operação
da vida em sociedade.
Entretanto, tal mecanismo é tão velho quanto o estéril
debate sobre o sexo dos anjos ou o formato geométrico da Terra. Exceto no
período da perversão assassina da ditadura militar, ele nunca foi tão
institucionalizado em um regime democrático como agora está acoplado ao grupo
grotesco que dá sustentação às insanidades de Bolsonaro.
Em pouco mais de um ano com a faixa presidencial, Bolsonaro
já falou tantas patifarias que é impossível listá-las minimamente nestas
linhas. Salvo alguns raros momentos de indignação da imprensa com a profunda
grosseira do presidente com o cordão umbilical ligado às milícias criminosas do
Rio de Janeiro, tudo vêm sendo conduzido com a maior complacência da sociedade
(leia-se, burguesia e setores das classes médias), da grande mídia corporativa
e dos demais poderes do que restou da república pós-golpe de 2016.
O país se acostumou rapidamente a naturalizar as escrotices
de Bolsonaro como se fosse à coisa mais habitual do planeta Brasil! O parâmetro
quando se coloca uma figura tão despreparada e abjeta no mais alto cargo
público do país é que todos abaixo dele poderão repetir seus feitos imbecis e
não terá nenhum elemento impeditivo.
De um ponto de vista psicanalítico, o superego descolado no
lastro social não fomenta a Lei necessária que produz laço como requer a
convivência no liame social. Desde um microbiano ministro da Educação que
ofende sistematicamente estudantes à vigarista que apresenta programa em
televisão aberta que ofende jornalistas dizendo que "todos são maconheiros"!
A escrotice jagunça virou o parâmetro da comunicação entre os viventes nas
terras de Pindorama. Fazendo uma rasteira analogia de um velho ditado popular,
no Brasil da horda miliciana de Bolsonaro, a banana come o macaco.
Vem sendo esquartejado qualquer parâmetro de mínima
racionalidade e sociabilidade a tal ponto de assistirmos anestesiados o próprio
Bolsonaro postar em suas famigeradas redes sociais apoio explicito à uma
suposta "convocação cívica" para uma manifestação abertamente
golpista cujos objetivos delinquentes são fechar o Congresso Nacional, suspender
garantias constitucionais e impor uma ditadura nos moldes do jaguncismo
bolsonarista. Por sinal, tamanha aberração dentro de uma democracia
razoavelmente em funcionamento era motivo imediato de cassação de mandato de
qualquer eleito pelo sufrágio popular!
Não é possível aceitamos passivamente sem uma gota de
reflexão responsável a naturalização da barbárie na sociedade de forma a contaminar todos os
níveis de sociabilidade. O risco é a ampliação do frágil, assimétrico e tácito
contrato social o que rege a vida em sociedade do ponto de vista da ampliação
da endêmica violência.
Os bizarros episódios do motim de milicianos de cepa
bolsonarista disfarçados de policiais militares no estado do Ceará resultaram,
direta ou indiretamente, em um dantesco saldo de quase duas centenas de pessoas
assassinadas em um espaço de poucos dias. Um mórbido quadro que demostrou a
dimensão da barbárie apoiada pelo nefasto presidente da república e silenciada
coniventemente por todos os demais poderes.
A oposição de esquerda e os sindicatos no Brasil viraram
purpurina, confete e serpentina no "carnaval da resistência". A
burguesia nacional se agarrou cega e insanamente às birutices de um jagunço
dublê de bicheiro que se passa como ministro da Economia que não sabe nada de
Economia, exceto parasitar o mercado financeiro para auferir vantagens para
seus bolsos.
Com o nível de desemprego estratosférico e pauperização
crescente, a classe trabalhadora vem se contentando voluntariamente em ser
afanada de seus direitos básicos e sobreviver de forma mutilada achando que o
destino-manifesto da vida de servo da rapinagem do capital é se tornar o
glamourizado e precário "uber"!
Para colocar uma cereja apodrecida no bolo da desfiguração
nacional, o Brasil derrete sua credibilidade a cada dia com posições cada vez
mais covardes, submissas e patéticas no cenário da diplomacia internacional e,
pior ainda, Bolsonaro transformou o Itamaraty em embaixada dos velhacos
inferninhos da região da boca do lixo da Paulicéia bem paulistana!
Um Brasil em transe é o sustentáculo para toda uma celeuma
psicótica de elementos que irriga a pavimentação da barbárie naturalizada. Todo
este cenário foi amplamente alertado, escancarado e desenhado durante as
fraudulentas eleições presidenciais de 2018, porém os ouvidos insanos e
apoiadores da barbárie fizeram questão de serem cinicamente tampados.
Ficamos reféns de nossa própria estupidez grotesca e a conta
salobra não demorou a chegar! É preciso acordar deste imenso pesadelo antes que
possamos internalizar que a barbárie é "inevitável" como processo
social.
É fundamental recusarmos a nossa "animalização" do
darwinismo social imposto pelos seres mais monstruosos do país. Não merecemos
tamanha destrutividade em nossas vidas e em nossa sociedade cuja burguesia
aposta no esmagamento das classes subalternas como obsessivo mecanismo de
controle psicossocial. Sim, só para variar, é a velha e sangrenta luta de
classes fervilhando como sempre e com uma horda de sociopatas no poder.