A abstração no campo da
Política é um péssimo condutor para uma via reflexiva em momentos que exigem
maior densidade de compreensão de fenômenos críticos na sociedade. Toda ação
real somente poderá ser operada dentro da realidade concreta dos fatos. O
capitalismo foi criado e continua sendo gerenciado por pessoas físicas (que
podem e, geralmente estão, fantasiadas pela couraça de "pessoas
jurídicas”) e não por abstrações fantasmagóricas como a "entidade
mística" do "dinheiro" ou do "sistema”.
Ao dizer que é o
"dinheiro" que controlaria os processos da democracia, como afirmou o
eminente estudioso do capitalismo, David Harvey em sua entrevista na
"Revista Época", redundou em um equivoco desnecessário e
reducionista! Quem ou o que seria o
"dinheiro"? Uma entidade metafísica, imaterial, fenomenológica e
paranormal? Certamente que não! O dinheiro é o elemento simbólico em essência
que dá fluido nas relações socioeconômicas e permite a circulação de poderio
econômico com voraz rapidez e magnitude. Quem detém o poder de concentração do
dinheiro? Em linhas gerais, são e continuam sendo os donos dos meios de
produção material e seu aporte imaterial que é a financeirização cujas posses
estão nas mãos de homens e mulheres terrenos.
Ao utilizar um termo “místico”
como o dinheiro, Harvey ajuda involuntariamente mascarar com uma "abstração mística", os reais
interesses de classes daqueles que detêm o poder econômico e que interagem para
sistematicamente sabotam o "sistema democrático". Com todo respeito à David Harvey, tudo que
esquerda e o pensamento crítico não precisam agora é caírem no desespero e no
abstracionismo.
A sabotagem contra o sistema
democrático é uma praxe constante nas sociedades ocidentais, em particular, aquelas
associadas ao de capitalismo tardio, dependentes das variações externas e
gerenciadas por instituições governamentais de solidez gelatinosa. Tal percurso
acontece quando a burguesia sente perder as rédeas da condução do poder real na
sociedade ou, quando é mais usual, segue com tranquilidade as regras que o
próprio núcleo burguês que detêm o poder de concentração de renda e produção
impõe para a dinâmica socioeconômica.
Não há abstração que se sustenta
no campo da Economia real. De fato, o que há na prática, os grandes esquemas
operativos para mascarar (ou escancarar) a fluidez do capital e, por sua vez, a
manipulação da concentração, circulação e retenção especulativa. Nunca deve se
esquecer que é o lucro, acima de tudo e de todos, que sustenta a matriz lógica
do sistema capitalista.
O embate entre as relações
sociais materiais (formadas por indivíduos em número e sujeitos de
auto-interesses) produz as classes igualmente materiais e suas formas de
operarem dentro da sociedade. A democracia como forma de relação
político-social, é visceralmente formada por ações sociais mediadas por uma
fluida ideia de igualdade ancorada por sistemas de leis de proteção jurídica e
física. A manipulação dos elementos ditos "democráticos" está na
esfera de valores e desejos dos grupos sociais dominantes economicamente (o que
se constitui no termo clássico de "burguesia").
Cabe aqui ressaltar os bons
trabalhos de Harvey, mas ninguém está imune às críticas. Quando se evoca
abstrações no debate político, opera-se um mecanismo subjetivo carregado de
sintomas neuróticos e psicóticos no seio social de que "nada é possível de
mudar", ou seja, toda dinâmica social é nula. Tal premissa é tudo que a
burguesia, detentora do poder real, deseja projetar no imaginário social e,
naturalmente, se consolidar.
O abstracionismo é o pior dos
terrenos para o debate política e se constitui na certeza da derrota e a perda
de referências de percepção sobre a realidade. Desta maneira, é um desserviço à
reflexão de mundo e a luta contra as formas brutais (veladas ou não) de
exploração e desigualdades socioeconômicas evocar abstrações que ao invés de
desvelar as formas de operação do mundo material, apenas jogam mais areia nos
olhos daqueles que continuam fechados (e muitos desejam com sofreguidão!).
(Wellington Fontes Menezes)
Para ler a entrevista de David
Harvey à Revista Época, acesse o link:
https://epoca.globo.com/david-harvey-o-dinheiro-quemk-controla-processo-democratico-nao-asn-pessoas-23076538?utm_source=Facebook&utm_medium=Social&utm_campaign=compartilhar
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