O eleitorado do Bolsonaro é o que pior aflorou no pós-golpe de 2016. Não
representa nenhuma novidade em termos de cultura política no país, mas há na
esfinge atual uma naturalização dos elementos mais primitivos como mediadores
da convivência social.
Não se engane a respeito do “efeito Bozo”: ele não é um fato novo na
vida nacional. O apoio bolsonarista de extrema-direta não se consistiu
necessariamente em elementos de um "fascismo clássico europeizado"
(tema sempre controverso do ponto de vista de análise histórica, mas com
resultados conhecidamente nefastos), mas finca com bases na amálgama autóctone
abrasileirada. Ademais, basta lembrar nossa constituição fascista à brasileira,
o "Integralismo" de Plínio Salgado dos anos 1930. A extrema-direita
hoje brasileira constitui-se de homens e mulheres que desprezam quaisquer
valores democráticos, ignoram qualquer sofrimento alheio e não se sentem mais
reprimidos para dizer o que realmente pensam em relação ao outro. O espetáculo
da indiferença tomou forma em torno de um show midiático de pura ostentação da
selvageria e da truculência como forma deturpada de sociabilidade.
O suprassumo do individualismo que encontrou no comportamento de massa
alguns elementos para irradiar sua repressão que em situação de isolamento
atomizado teria grande dificuldade para manifestar com toda a sua energia.
Bolsonaro é o canalizador destes elementos represados, recalcados e que se
sentiam acuados em um mundo de fragilidades existências, crise
sócio-político-econômica e valores simbólicos banalizados.
O ódio sempre fez ligação direta entre o medo, o sentimento de perda e a
irracionalidade. Não se combate moralistas apontando suas distorções morais,
pois isto é o sistema de retroalimentação deles. Dizer simplesmente que os
adeptos ao bolsonarismo são “preconceituosos” é condecorá-los como uma espécie
de medalha de sangue em peitos de balão inflável diante da constituição da
linguagem que apenas produz um rito caricatural de ofensas desconexas
disparados à todos os seus supostos inimigos. As redes sociais, pelo seu
anonimato e facilidade de manipulação para qualquer pessoa que não requer
maiores conhecimentos de tecnologia ou, quiçá, norteador de mundo, se tornou um
terreno fértil para a dispersão de um vasto oceano de deturpações da realidade
histórica, ofensas banais, manifestações de intolerância e graves ameaças pessoais.
Os desejos destrutivos da pulsão de morte mais profundos do “cidadão de bem” não
se encontram mais entre os limites tênues do inconsciente e da consciência, mas
manifestadas explícita e energeticamente nas redes sociais.
A classe burguesa brasileira, aquela que detém de fato as rédeas do
poder e que não teve pudores nenhum em se aliar a golpes de estado na História
recente do Brasil, tem uma sua constituição “bolsonarista” bem antes da figura
caricatural do parlamentar-bufão resgatado do limbo após vagar por 27 anos
ininterruptos na penumbra da Câmara de Deputados sem um destaque que merecesse
uma gota de atenção e alçado como o candidato da ignorância coletiva ao
Planalto.
É importante deixar claro que o resgate midiático do patriarca do clã
nepotista Bolsonaro só foi possível mediante uma terrível conjuntura política
com um golpe disfarçado de “impeachment” que destitui a presidenta Dilma diante
da onda anti-PT, derretimento momentâneo do campo das esquerdas mergulhada na
orfandade de ação e abduzida por uma onda identitarista neoliberal. Diante
deste quadro, destaca-se acima de tudo, o rol de horrores imposto do governo
Temer cuja base aliada impulsionadora do golpe (PMDB, PSDB e DEM) e sua
saraivada de retrocessos históricos para a sociedade brasileira apoiada pela
cumplicidade vexatória do aparelhamento jurídico e a parceria carnal das
grandes empresas que dominam os meios de comunicação no país.
Apontar suas falhas materiais e incongruentes de visão de mundo dos seguidores do bolsonarismo seria um caminho promissor, mas não espere um grande avanço progressista em grupos embriagados de insensatez. Não se toma chá e torradas com tranquilidade fingindo ser um Lorde inglês diante de sujeitos que tem grandes dificuldades de se manifestarem sem causar nenhum espasmo emocional quando são confrontados com a realidade. Neste sentido, barrar a candidatura de Bolsonaro nas eleições ao Planalto é obrigação fundante de todos aqueles que almejam uma sociedade minimamente civilizada. Porém, é preciso entender que independente do resultado das eleições, mesmo com a derrota de uma representatividade tão vil de Bolsonaro, o seu legado de intolerância que sustenta a extrema-direita abrasileirada ainda se apresentará tanto nos parlamentos eleitos (federal e estaduais) com um corpo de deputados atrelados às suas parcas e abjetas ideias de mundo-plano bolsonarista, quanto na violência já manifestada na sociedade de matriz autoritária, desigual e excludente.
Os níveis da fascistização à brasileira não se poderá ser ignorado ou
buscar fazer um irresponsável “diálogo republicano”: é preciso combater sem
trégua todo o fantasma do retrocesso e da perversão latejante na sociedade do
autoritarismo que sempre objetiva impor as mais terríveis agressões à classe
dos trabalhadores e de todos aqueles socialmente vulneráveis às perversões do
capital. Estar indiferente hoje diante de todo este processo de auto-barbárie
social é se colocar como um voluntário passivo em prol da fascistização à
brasileira e que finge ignorar os reais problemas do país que e atingirá a
todos, indistintamente, de forma mais trágica possível. Urge que cada sujeito
consciente tome partido contra uma ameaça tão grave, tão bestial e tão real
diante da História recente do Brasil.
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