Prossegue
a sequência do terror promovido pelo crime organizado em São Paulo. É possível
perceber um movimento em quatro fases de um processo que merece um olhar atento
dentro de uma lógica mergulhada em um aparente caos. Primeiramente, ocorreu uma
“onda globalizada” de ataques na capital e nos seus arredores, mas que se
traduz em "rodízio" entre as regiões para ampliar a sensação de
insegurança. A segunda fase é a interiorização da violência no Estado de São
Paulo, expandindo para cidades de médio e, também, de pequeno porte com a
"grife" do crime patrocinado pelo PCC (o chamado “Primeiro Comando da
Capital”). A terceira fase do "modelo paulista" de ataques providos
pelo PCC em conluio indireto com a chamada "banda pobre" da polícia,
começa a se interiorizar também pelo país, notadamente iniciando-se em Santa Catarina
(usando a sigla PGC, “Primeiro Grupo Catarinense”, franquia criminal local do
PCC), mas já dando algumas amostras em Estados do Nordeste, como é o caso da
Bahia. Logo mais, a quarta fase desta onda de bravatas do crime organizado
contra o Estado, deverá eclodir em uma sequência de rebeliões nos presídios
ampliando a sensação generalizada da percepção da insegurança da sociedade. Com
este roteiro, o crime organizado não apenas sinaliza para o Estado que ele
existe, “sim”, e está bem “vivo”, mas também que ele veio para permanecer nas
bordas e eventualmente desejará ocupar um lugar no núcleo da sociedade.
O
crime organizado se articula na desorganização do Estado. O medo da violência
produz muito mais estragos e vítimas com a exposição diária e teatral de canos
de armas, sirenes e carros de polícia. O “toque de recolher”, expressão que
adentrou no vocabulário corrente da cidade e que antes era algo praticado nos
rincões da cidade, se tornou uma rotativa norma até mesmo em bairros de classe
média. O boato toma conta da verdade dos fatos e o pavor do desconhecido gera
mudanças no cotidiano de parte da população. Amedrontar os policiais com
assassinatos no varejo se tornou mais pontual e eficiente, criando um clima de
ampliação tentacular do poder criminal que não é verídico. O importante neste
caso é a projeção do poder do crime organizado impregnando no imaginário das
pessoas atemorizadas e não a realidade vivenciada. Os ataques no “atacado” do
PCC realizados em maio de 2006 contra as bases das polícias paulistanas
mostraram que a estratégia empregada não foi tão “eficiente” e agora a nova
aposta é no “varejo” com lastro no tempo se tornou mais efetivo perante o temor
gerado na sociedade. Diga-se de passagem, quando policiais viram tiro-ao-alvo
de criminosos é uma amostra brutal que existe um Estado deliberadamente doente
e na UTI. Até o presente momento, a mórbida contabilidade está chegando a uma
centena de policias assassinados somente neste ano corrente no Estado de São
Paulo. Os assassinatos disparam a cada madrugada nas ruas paulistas com médias
cada vez mais alarmantes e a nítida sensação que tal contagem de corpos estará longe
de acabar.
Governos
neoliberais tem a péssima mania de não valorizarem o funcionalismo público. No
caso do governo do Estado de São Paulo, a situação é tão caótica que chega ao
absurdo de praticamente oficializar o “bico” dos policiais, ou seja, serviços
extras, em geral, de segurança e similares, para a complementação de renda.
Justamente é durante esses “bicos” que ocorre a grande maioria das mortes dos
policiais. Ao não investir em uma força pública que possa ser remunerada
dignamente e, assim. tentar evitar que o policial se submeta a sedução ofertada
pelas dezenas de redes de corrupção, o Estado não consegue minimizar a criação
de uma “banda podre” a serviço do crime, o qual tais policiais deveriam
combater e neutralizar seus efeitos pontuais.
O
dinheiro é a força motriz de qualquer meio de vida inserido no sistema
capitalista. A atual realidade é que o consumo de drogas tende a crescer em
todas as capitais e cidades interioranas e, naturalmente, a disputa do crime
por este gigantesco e voraz mercado consumidor que não tem limites ou pudores
em ter acesso a este bem alucinógeno. Ademais, o mercado das drogas é o maior
promissor e lucrativo com uma rede de traficantes e participantes indiretos que
dão suporte a sua comercialização em todos os lugares, desde os becos escuros das
“quebradas”, às baladas das classes médias e altas com ares burgueses, com
rompantes fingindo tanta inocência. Tais participantes destas classes reclamam
da violência nas ruas, mas não deixam de apagar seus “baseadinhos” ou de
aquietar seus melindrosos narizes. Muitas vozes pedem a “legalização das
drogas”, mas torcem os mesmos narizinhos quanto às supostas responsabilidades
que a tal “legalização” poderá implicar dentro da sociedade. Neste ínterim, a
sociedade e o Poder Público são muito benevolentes quanto aos consumidores de
classe média ou alta, mas a mesma benevolência não é vista para os consumidores
pobres e os viciados endêmicos como é o caso da horda de zumbis do crack. Ainda
para florear no campo da ideologia política, falar de segurança publica seria
uma coisa da “direita”, enquanto a “esquerda” finge ser uma cândida figura de
protetorado de uma personalista “liberdade”. Caberia também refletir os motivos
pelos quais cada vez mais pessoas buscam drogas alucinógenas para burlarem a
realidade cotidiana.
O
crime pode gerar de imediato o último resquício de sobrevida e,
concomitantemente, um meio meteórico de ascensão social. O PCC conseguiu com
maior sucesso certa pacificação deste comércio em conluio e benevolência
mediante propina oferecida a uma parcela da polícia. Todavia este equilíbrio é
muito tênue e a qualquer momento é passível de se transformar em uma “guerra”.
O sistema penitenciário apenas se transformou num depósito de gente e um
potencial arsenal para futuros homens no exército do crime quando soltos ou
fugitivos. A vida dentro do crime é uma sentença de morte não declarada. A “dívida”
dentro do tráfico ou dentro das cadeias é paga promovendo algum distúrbio em
praça pública ou assassinando algum elemento das polícias.
Mais
de um terço da população carcerária se encontra nos presídios paulistas. Neste
contexto, o PCC nasce no interior da podridão das cadeias públicas e
determinante fruto do descaso do Poder Público. Tratar presos como animais
indóceis enjaulados somente serve para a promoção de uma fascista política de descarte
de seres humanos. Ao ignorar os problemas que urgem desesperadamente dentro das
cadeias superpopulosas, o Estado brasileiro senta-se num gigantesco barril de
pólvora que é banhado com gasolina com labaredas por todos os lados. A resposta
aos sucessivos maus-tratos e humilhações no interior do sistema penitenciário
ganhou força no fortalecimento de facções criminais, tal como foi parido o PCC,
que operam dentro dos presídios e, em muitos aspectos, controlam o insalubre
microcosmo penitenciário. Definitivamente, no caso do Governo de São Paulo,
deixar a ROTA (Rondas Ostensivas Tobias Aguiar) “cuidar” do PCC é o mesmo que
mandar um elefante afugentar os ratos de uma galeria de esgoto: pode fazer
barulho e esmagar alguns roedores num primeiro momento, mas não saberia sequer
contar quantos existiriam no local. Por mais apelo por “vingança” que possa
ecoar na sociedade, não será no estilo de faroeste utilizando as premissas do
“bang-bang” que se eliminará qualquer que seja a denominação de uma facção
criminosa. O combate ao crime organizado deverá ser trabalhado com instrumentos
e operadores capacitados para tal finalidade e não apenas o uso de uma tropa de
elite para táticas de combate específicas que não oferece e nem está habilitado
com mecanismos para aprimoradas investigações. Sob a batuta da desorganização
do Estado com relação às forças de segurança pública, são tantas as divisões da
polícia que juntas não formam sequer uma única polícia inteira bem organizada e
preparada para enfrentar uma nova e contundente modalidade de crime orquestrada
de forma empresarial e bem nutrida financeiramente. Vale ressaltar que quanto
mais fragmentado o corpo das forças de segurança maior será a fragilidade de
combater crimes de natureza mais sofisticada.
Enquanto
isto, o Estado faz uma série de atrapalhadas declarações para a sociedade,
minimizar o óbvio e posicionamentos inócuos que nada repercutem ou contribuem
para apaziguar o clima não declarado de guerra civil. Após anos de descaso
social em todas as esferas, em particular da segurança pública, a atual onda de
violência é apenas o reflexo dos que alardeavam o Estado mínimo como a resposta
para todos os males sociais. O PCC não é apenas fruto deste modelo fracassado
de gerenciar o Estado, mas também o irmão bastardo de uma sociedade que além de
patrocinar direta ou indiretamente o crime organizado, acredita que eliminar a
pobreza é tão somente assassinar os pobres.
Dentre
todas estas questões, o que mais preocupa não é a ação do PCC, mas como o
Estado se mostra tão frágil e desengonçado contra um ínfimo número de elementos
criminosos. É possível projetar uma quinta fase do desenrolar da “onda” de
violência, quando a epidemia se transformar em endemia e a violência se tornar
tão naturalizada que sequer haverá um maior nível de indignação por parte da
população com dezenas de mortos a cada madrugada. Quando a barbárie se
normatiza como padrão “aceitável” dentro da sociedade, toda violência ainda não
será suficiente para causar indignação no largo espaço de medo e comodismo. A
pergunta ainda permanece viva e pertinente: quem realmente ganha com toda esta
onda de insegurança social?
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