sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Muita fumaça e pouca realidade

(Cena surreal: Na foto, alunos encapuzados montando barricadas nas aproximidades do prédio da FFLCH. Tudo em nome da maconha?. - 27.out.2011. Fonte: Folha)

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Notícias da imprensa destacam que nesta última noite, 27 de outubro, ao menos cem estudantes ocuparam o prédio da administração da FFLCH (Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas) da USP (Universidade de São Paulo), após confronto com a polícia. Interessante notar que nossos “bravos” colegas uspianos, alguns estranhamente encapuzados, que participaram do protesto e quebradeira do patrimônio público tinham como objetivo defender três colegas que foram pegos pela Polícia Militar no campus da USP fumando maconha. Coisas típicas da adolescência tardia com carteirinha universitária e livre acesso a drogas em nome de uma suposta auto-afirmação existencial. Ademais, a solidariedade estudantil expandiu o ato para  um “repúdio” da presença da Polícia Militar dentro do campus. Algo bem surreal para a sociologia da vitimização que tomou conta de muito dos atuais debates a respeito da sociedade contemporânea.



O que vale lá, nao vale cá.

Para quem conhecem bem o paraíso livre do consumo de entorpecentes da USP, isto não causa menor surpresa. Curiosamente, muitos alunos que pregam a “igualdade democrática”, não aceitam que as leis da sociedade se apliquem ao paraíso do campus. Alunos consumindo maconha livremente e o bendito cheiro do mato queimado ecoando livremente pelos prédios, corredores e áreas arborizadas. Tudo de forma permissivamente impune numa suposta "vanguarda da modernidade” constituinte de um religioso uso de drogas com tatuagens adornando o corpo com metais anexos. O modelito perfeito para o kit-acadêmico pós-moderno!


Longe da estética "fashion", fato pertinente são os centros acadêmicos (CA) que em tese deveriam zelar para defender os direitos dos alunos e da universidade. Porém suas áreas são impregnadas pelo cheiro e a livre circulação de drogas. No início dos anos 2000, período de minha gestão como diretor do Centro Acadêmico do Instituto de Física da USP (CEFISMA) era muito comum encontrar os alunos deitados nos sofás e fumando idilicamente no recinto fechado do CA. Na época, então diretores do CEFISMA, tentamos proibir (ou melhor, "minimizar") o fumo herbáceo dentro do espaço do nosso centro acadêmico, porém foi muito difícil “educar” um espaço onde um número significativo de alunos acham que suas vaidades pessoais eram mais importantes que os interesses coletivos. Vale ressaltar sobre a estranha dialética dos defensores de drogas. Qualquer coercitiva medida desta natureza era considerada “totalitária”, principalmente para os saudosistas de algum golpe militar latino-americano. De lá para cá, naturalmente, as coisas evoluíram tanto quanto o deslocamento da Lua sobre a Terra.


É importante destacar que não se trata de fazer policiamento dos atos privados de alunos. Mas ao utilizar o espaço público com um fumódromo de drogas à revelia ocorre numa imposição e constrangimento da vontade juvenil de uma minoria sobre o restante e maioritário número de não-usuários. Infelizmente, muitos dos que fazem um ácido discurso contra as “tiranias da direita” são os mesmos que impõem suas vontades de consumirem drogas e, por conseqüência, contribuirem diretamente para alimentar os tentáculos do narcotráfico.



Fora de contexto.

Se utilizar drogas nos anos 1960 e 1970 tinha um significado simbólico e mistificador de “transgressor” e “libertário”, hoje é importante destacar que não faz mais eco e algum sentido tal simbologia. Sem cair no debate do juízo de valor, independente de muitas vontades pessoais, o mundo muda padrões, ideologias e culturas ao longo do tempo. A questão das drogas se tornou parâmetro de duas esferas correlacionadas à saúde pública e também à questão de segurança pública. A suposta ingenuidade de um simples cigarrinho de maconha esconde toda uma indústria do crime globalizada onde impera a criminalidade, assassinatos e corrupção político-policial. O discursinho simplório da liberação de drogas é muito bonitinho e conveniente para os moradores da fina-flor da burguesia que podem pagar perdulários tratamentos de desintoxicação para seus mimados filhotes consumidores. Para o restante da população, em especial nas periferias dos grandes centros urbanos e cidades do interior, uma horda de usuários vivem perambulando pelas ruas como zumbis e que fazem qualquer coisa em troca de alguma pedra de crack ou um cigarrinho de marijuana. Pequenos assaltos, delitos e prostituição são também tentáculos de uma mesma cadeia da indústria das drogas (ilícitas ou não).


O que realmente causa repúdio é a cínica dialética entre querer que uma Polícia Militar paga com o erário público defenda os belos carrões que desfilam cotidianamente na USP, mas sem que isto interfira no tráfico de entorpecentes instalados no campus. No vazio psicanalítico das utopias presentes na Pós-Modernidade, qualquer transgressão se torna motivo atávico de produzir uma falsa guerrilha. O que se vê são as pérolas de alguns alunos que acham contribuir para a sociedade em nome da sua mais plena e arrogante causa narcisíca. Neste ínterim, ultimamente assistimos a privatização dos protestos narcísicos com um leque de supostas reivindicações que beiram o surrealismo. No caso dos protestos em favor das drogas, as redes de criminosos como o PCC e suas divisões agradecem aos fiéis e “esclarecidos” consumidores por lutarem pela resistência do impressionante e bilionário mercado de entorpecentes.



O blablablá de um falso debate.

Do outro lado do pseudo-debate, curiosamente quando a Política Militar arrebenta jovens pobres da periferia, a classe média paulistana com um sorriso fascistóide aplaude com fervor e pede mais punição severa aos “bandidos”. Todavia, quando jovens bem nutridos e muito bem vestidos com verniz universitária e uma grife da USP ou de alguma das co-irmãs estaduais são incomodados do deleite herbáceo, o caso toma uma dimensão para além dos muros universitários. Aliás, os muros da hipócrita conveniência que protegem justamente esta minoria de consumidores.


Na prática, temos de fato muita fumaça para pouca realidade. A retórica do debate das drogas se reduz ao sensacionalista do que uma discussão mais sincera. Naturalmente, é mais fácil fazer belos e eruditos discursos acadêmicos com verniz pseudo-esquerdista em favor dos vitimados usuários do que discutir seriamente e sem falsas retóricas sobre causas e conseqüências da questão das drogas no Brasil. Se por um lado, o usuário de entorpecentes é supostamente uma vitima, de outro lado, igualmentemente vítima é o não-usuário. A sociedade brasileira, em particular, o povo de São Paulo, merece muito mais respeito com o dinheiro público que investe na educação superior e onde uma minoria acredita que o espaço da coisa pública é extensão da bancada do quarto para puxar uma fileirinha ou acender uma erva danada. 


Tantas são as questões a serem trabalhadas e refletidas para uma sociedade mais digna, justa e igualitária. Precisamos debater e contribuir com outros paradigmas para o mundo e não ficar puxando fumo em questões viciadas, irrelevantes e estéreis para a sociedade. A universidade pública historicamente deverá seguir com seu compromisso com a sociedade no que se refere a produção e socialização do conhecimento, a formação e o desenvolvimento do país.

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