segunda-feira, 31 de maio de 2021

A PANDEMIA DE ESTUPIDEZ E O REBOTALHO CIVILIZATÓRIO

 


O que esperar da civilização quando a estupidez é cultivada como elemento central da cultura? Ao desvalorizar ou minimizar os estudos das Ciências, em prol de outros proselitismos narcisistas na Educação, um ensino voltado para a superficialidade da castração intelectual promove a falta de construção crítica do sujeito-aluno. Por sinal, a Educação é um sintoma dos processos políticos, econômicos e culturais que transita e transforma uma sociedade.

         Na trama neoliberal para domesticação social, o dito cidadão, ou seja, aquele sujeito às amarras neoliberal do capital, não consegue ver além do mero horizonte umbilical. Impregnado por subjetividades promovidas pela indústria cultural, o seu mundo não passa de meia dúzia de bricolagens cotidianas, as quais ele não consegue elaborar com um nível maior de profundidade.

           Neste percurso da fragilidade excessiva da condição humana pós-moderna sob a égide do capital, a liquidez das relações sociais, como apontou Zygmunt Bauman, se torna inevitável: nada é para durar e tudo é tão perene e instável como uma bolha de sabão. A indiferença e o medo do outro se tornam elementos de uma coletividade que não se enxerga, paradoxalmente, como participante de um coletivo! Temos então mais uma demonstração das contradições inatas do capitalismo que resulta na promoção da "sociedade dos inimigos" que tanto é cultivada pelas barbáries de uma atroz burguesia para enjaular e colocar todos contra todos entre as classes trabalhadoras e miseráveis.

Na esteira da esquizofrenia, os debates da esfera pública se transformam em um teatro do sanatório, uma vez que nada relevante é questionado e um punhado de polêmicas tolas conquistam vultos de uma demência coletiva. Na onda da destruição dos saberes, em prol da estupidez coletiva, professores e intelectuais são destituídos de seus postos como referências de conhecimento, para ser entronada uma horda de ignorantes e oportunistas que se utilizam das redes sociais, como se fossem um palanque eletrônico de uma imensa "feira do rolo", diante de um oceano de estupidez. 

Durante a pandemia, a escola voltou a ficar em evidência. Não por ela ser uma entidade de importância vital para a Educação da sociedade, mas como depósito de crianças cujos pais não mais aguentam ficar em isolamento social com a sua prole! Mais uma vez, se revela a distorção que vem sendo nutrida na sociedade: o conhecimento no posto de bricolagem descartável e a estupidez como espetáculo! Os impactos com a pandemia atingiram sem piedade os mais pobres. No caso mais específico das famílias de trabalhadores e desempregados, a fome e a falta de estímulos para a Educação compactuam com a falta de estrutura para o ensino à distância. Uma perda significativa de aprendizado já tem sido observada em decorrência dos diversos problemas oriundos da fragilidade do sistema educacional e agravado com a pandemia. Sendo assim, mais um convite para a estupidez crônica, voluntária ou não, aprofunda ainda mais o fosso social.  

Ainda no campo da pandemia, a estupidez foi a maior responsável por quase meio milhão de mortos no Brasil, até o momento, e milhões de contaminados. Todo o aparelhamento do governo federal nas mãos da milícia de Jair Bolsonaro produziu uma série de insanidades para desinformar a sociedade, contaminar e sabotar, ao máximo, a aquisição de vacinas contra a COVID-19. Nunca a estupidez genocida estatal matou tantos brasileiros e em tão pouco tempo na história do país. Vivenciamos um genocídio que já deixa marcas horripilantes para as futuras gerações terem ojeriza de nossa geração de bestificados. 

Como desgraça pouca é mera retórica diante da realidade, o farelo cultural não para de produzir estupidez. Ao optar pelo desígnio narcísico do sujeito, outro grupo de fanáticos anti-intelectuais ganhou espaço na agenda da estupidez pós-moderna, os chamados identitários. Na onda do revisionismo histórico e cultural, típico das hordas fascistas, os identitários reduzem todo o pensamento à militância histérica e a pregação deste grupo é produzir uma nova onda moralizante da Santíssima Trindade Identitária, cuja visão de mundo se resume em uma tríade de neuroses obsessivas: a infantilização da sexualidade, o alucinado revanchismo racial e o fomento das disputas de pré-adolescentes a respeito dos gêneros durante o recreio escolar! Ao abandonar a complexidade das estruturas socioeconômicas e políticas moldada pelas perversões do capital, os militantes desta simplificação de mundo se embriagam em superficiais elementos narcísicos que buscam operar por via da panfletagem de uma espécie de naturalização de “antagonismos estruturais culturalistas”. 

Nada mais sintomático é observar que uma “nova moral”, típica de adolescentes querendo descobrir o mundo, é objeto de “empoderamento” do mercado neoliberal. Claro, toda esta “militância empoderada” conta a participação ativa e as bênçãos do capital para criar novos nichos de mercado e atender a novas demandas de consumidores que pulsionam novos fetiches de consumismo. Na onda onde tudo é “preconceito” para “cuidar do meu corpo”, todos são inimigos, exceto o afago das idiossincrasias do mercado. O pior de tudo é observar uma parte significativa de uma esquerda política, sem melhor juízo ou senso crítico, embarcando nesta estupidez sem tamanho, promovida por um “neoliberalismo cognitivo”. 

Por mais que a estupidez seja uma desgraça para o conjunto da humanidade, ela oferece espetaculares lucros para o capital que, simultaneamente, mantêm o controle social das massas populares, as quais não enxergam que são exploradas e, pior ainda, sequer se mobilizam efetivamente para sair deste julgo de dominação! 

A ideologia imposta pelo capital em suas diversas variantes é um vírus tão poderoso que nem mesmo o fantasma de antigas vacinas "revolucionárias" parece coibir a contaminação. A estupidez como espetáculo, seja em redes sociais, seja em programas televisivos, demonstra que o processo de imbecilização social é uma perversa construção cultural. Não foi a toa que o Brasil, desde 2013, embarcou na onda da loucura social dos protestos que resultou em um golpe de estado em 2016 e a ascensão da escória miliciana ao poder, em 2018. Com a pandemia, o teatro tétrico da estupidez megalomaníaca brasileira ganhou sua cereja gigantesca sobre o bolo de milhares de covas ao logo das terras de cemitério pelo país. 

A estupidez que a indústria cultural impõe como, por exemplo, os dejetos sonoros produzidos pelos divulgadores de músicas no país são alarmantes. O escroque civilizatório da estupidez produziu uma trilha sonora onde se torna emblemático o estrume pastoso em que o capital quer transformar o país. Não é a toa que verdadeiros boçais, sem nenhum talento para sequer balbuciar algumas palavras, se tornam "astros" de uma plateia que não se importa de ser enganada e, pior ainda, ser reduzida ao mesmo nível de excremento dos seus "ídolos". A decadência cultural é mais um sintoma da destruição corrosiva do capital e a adestração da sociedade para se conformar com a barbárie programada. 

O desafio que poucos conseguem enxergar é, de fato, uma colossal e turva batalha civilizacional. Uma nova era de subdesenvolvimento se instalou no país com todo o sortilégio de perversões nos tonéis gigantescos de estupidez para arquitetar uma sociedade tão tosca quanto passiva. Nossa estupidez não é um fato fortuito de uma depressiva decadência inevitável, mas um mecanismo de controle social que os donos do capital e seus subalternos diretos impõem para manter as velhas rédeas do poder em nome da exploração e miséria física e psíquica de milhões de seres condenados à própria sorte.

 

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Wellington Fontes MenezesDoutor em Ciências Jurídicas e Sociais (UFF); Mestre em Ciências Sociais (UNESP); Bacharel e Licenciado em Física (USP).

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