Há um discurso que beira a
hipocrisia dentro de uma sociedade cada vez mais projetada com as trágicas
lições do neoliberalismo à brasileira voltadas para o consumismo imediatista,
satisfação instantânea e o narcisismo compulsivo em detrimento do olhar crítico
perante aos dilemas da totalidade social. Neste sentido, a Educação é vista
como algo individualizado e movida à promoção do capital no que tange a
destruição da educação pública e a louvação mercantilista da atividade privada,
em especial, na Educação básica.
A crise de autoridade do
professor esta na mesma esteira da crise de identidade típica dos fenômenos da
Pós-modernidade, onde as certezas mais factíveis viraram transformações
líquidas de um mundo cercado de muitas bugigangas tecnológicas, relações
efêmeras objetais, massificação do consumismo e o transbordamento da angústia
existencial.
Sintomaticamente, as
carreiras voltadas à Educação seguem em baixa, tanto no seu prestígio social,
quanto a remuneração por suas atividades. Nítido o déficit de professores em
especial, nas áreas mais ligadas as ciências. O incentivo à carreira, as
dificuldades operacionais e os péssimos salários comparado à outras carreiras
de exigência de formação similar contribuem para explicação da baixa procura
por candidatos à tarefa docente nas faculdades e universidades. Lembrando ainda
a frágil formação dos cursos ligados as licenciaturas, tendo em vista uma
precarização de currículos e estrutura para a formação dos futuros
profissionais da área. A mídia também participa do papel de descaso do
professor ao transformar a profissão em motivo de chacota de programas
humorísticos, transformando o docente em “pobre coitado”, digno de pena pública,
cercado por um bando de imbecis com indagações patéticas, que seriam os alunos.
A educação com engajamento
de reflexão crítica e humanista vem vertiginosamente perdendo espaço dentro da
Educação Básica. O conteudismo é hoje a matéria orgânica que garante a
sobrevivência das escolas da rede privada, quanto que no bojo da educação
público é o sintoma do abandono por parte do Estado (por exemplo em São Paulo,
o maior centro econômico do país, onde se assiste um alarmante e sistemático sucateamento
do sistema estadual de educação).
Os caríssimos sistemas de
ensino privado com todo um modelo de marketing de didatismo mecanicista oriunda
da “decoreba” de conteúdos para os vestibulares aliados com alguns floreios “divertidos”
para ocupar o tempo do aluno e justificar o alto investimento das mensalidades
por parte dos pais dele. De modo geral, o ensino básico do sistema privado
virou um grande cursinho pré-vestibular cuja única meta é a promessa aos pais para
uma vaga numa (boa) faculdade pública aos seus filhos. Por outro lado, a tarefa
dos pais, dentro de um modelo de consumismo desenfreado, é fazer a burocrática transação
comercial entre os filhos e a escola e ponto final. Assistimos assim a
terceirização das responsabilidades dos pais que são protocoladas em escolas
bem remuneradas pelo suor dos seus “investimentos”. Não é a toa que se associa
de forma pejorativa o termo oriundo da Economia, o “investimento”
mercantilizado associado a um “fundo de longo prazo”, com elementos da Educação
cujo slogan bem sintético é travestido em: “invista no seu filho para um futuro
melhor!”
O reconhecimento
profissional e social do professor é cada vez menor e é margeado pela política
de produtividade perante seu oficio. A idéia de “bom professor” hoje é aquele que dá “show” na sala de aula, sobre
nas luminárias e dá cambalhota, que deve fazer de tudo para que o aluno, omisso
e supostamente desinteressado, possa “aprender”. Em nada o aluno é vocacionado
para ser minimamente cobrado de suas responsabilidades individuais e sociais,
não há castração simbólica, mas somente a bajulação sistemática em agradar o
aluno sem frustra-lo minimamente. Outro sintoma é o circo armado por parte da
associação espúria entre empresas de formaturas e escolas e nome da diversão
dos alunos a um alto custo: tudo vira festa, zoeira e irresponsabilidade em
nome dos bons e garantidos lucros.
A transição de modelos
educacionais sólidos e rígidos, característicos da Modernidade, para modelos
líquidos e imediatistas típicos da Pós-Modernidade foi avassalador, mas ambos
ainda permanecem igualmente agressivos. O que era um conjunto de regras rígidas
e coercitivas virou um festival de niilismo e consumo. A escola perdeu a força
conjectural da transformação, ora virou um grande parque de diversões
utilitarista, ou um celeiro de fomentação do vazio bárbaro, onde o aluno se
ofender o docente é ele, o professor, que deverá beijar os pés do aluno para
pedir “desculpas”. Caso o aluno não goste da cara do professor, ele corre
imediatamente para a coordenação pedindo a “cabeça” dele. Como bons clientes,
para a escola preocupada com os lucros, o aluno sempre tem razão!
Diante do universo de
desconstrução do ensino, é cada vez mais comum o caso de agressões físicas por
parte de alunos contra seus professores por motivos torpes e banais. Ademais, é
mais um aspecto da sociedade pós-moderna, a incapacidade do sujeito em lidar
minimamente com as frustrações de um mundo complexo e cheio de questões
latentes. Seguindo o lastro das
dificuldades docentes, há um grande número de profissionais com sérios problemas
psicológicos derivados da precarização do seu ofício e as angústias oriundas da
pressão por parte de direções escolares com olhar da avidez capitalista e
alunos agressivos ou tensões psicológicas típico do excesso de seres humanos
confinados em diminutas salas de concreto armado.
Com o declínio do poder
docente, menos pela ação dos seus profissionais, mas muito mais para um mundo
que se tornou muito mais permissível a banalização do conhecimento e regrado
por uma série de atrativos tecnológicos de expressividade questionáveis. A
escola, na maioria das suas entidades, se comprometeu a simplesmente ser um
passatempo dos alunos para que não ocupe o tempo dos pais. A ação lúdica é peça
integrante da aprendizagem, todavia o seu excesso se torna pasteurizado e
inútil. Afinal, o professor é “pago para cuidar dos filhos (deles)”, como muito
se ouve em enfadonhas reuniões de pais mais exaltados com atitudes grosseiras
perante o professor, o feitor terceirizado dos filhos.
A educação deixou de ser um
bem público universal para se tornar mais uma mercadoria na feira de variedades
do capital. Uma frase lapidar do grande educador brasileiro, Paulo Freire
(1921-1997), dizia que “[...] a educação sozinha não transforma a sociedade,
sem ela, tampouco, a sociedade muda”. Neste contexto, apesar dos ataques
sistemáticos que tenta manipular a Educação ora como mais um elo da
produtividade capitalista de formação de produtos (no caso do ensino privado),
ora como um elemento social sucateado relegado à sua própria sorte (no caso do
ensino público), a tarefa dos docentes que toma seu oficio como significação de
seus desejos, ainda resiste de forma valente.
Por fim, algumas ações
pontuais ainda mostram que a situação não está completamente perdida, como a
revalorização dos institutos federais de Educação Básica por parte das últimas
gestões do Governo Federal. Por mais
cínica que seja a construção ideológica momentânea presente numa sociedade,
seus atores sociais entendem que por mais que seja desconstruída a Educação
pela ação de um capitalismo desenfreado, somente ela é o alicerce social para
qualquer estrutura humana que carece essencialmente da transmissão da cultura,
seja ela mais elaborada, seja ela mais elementar. A tarefa dos atores docentes
que se seguem na “aventura” da Educação como ofício, ainda os desafios tão
profundos quanto a fragmentação da própria estrutura da sociedade atual.