As esquerdas só caíram no conto do vigário vigarista do
culturalismo identitário pós-moderno devido à orfandade logo após a queda do
Muro de Berlim. A intensa frustração pela derrocada do regime soviético resultou
que as diversas correntes de esquerdas boiarem em um oceano de incertezas
perante o futuro e, consequentemente, à adesão intempestiva para qualquer
paixão que pudesse chamar de "minha".
A carência foi tão profunda que boa parte dos partidos de
esquerda adentrou em uma espécie de adesão sem luto à pós-modernidade e abraçou
bandeiras profundamente neoliberais com afeições sociais que é o caso do
culturalismo identitário. Na amplitude de tal carência de visão de mundo
pós-muro, os partidos de esquerda se permitiram apaixonarem-se até mesmo por
uma saraivada de histerias narcisistas autoritárias que nem nos piores
pesadelos no ápice da Guerra Fria dos anos 1960 era possível de imaginar.
Sucumbir ao neófito autoritarismo moralista identitário é estar
de mãos dadas com o levante da extrema-direita clássica, mas agora com roupagem
elegante com carinha de jovens donzelas e rapazes de fino trato. A cepa
identitária é o pior que poderia acontecer às esquerdas pós-muro, uma vez que
permitiram desnortearem-se dos históricos caminhos coletivos em prol dos
trabalhadores e mergulharem uma insignificância juvenil ferozmente narcísica e
profundamente individualista. Nada mais estranho ainda é ouvir dentro dos
partidos de esquerda que subjetividades antropológicas, sexuais, psicológicas e
comportamentais formariam as propaladas "novas classes" do século
XXI. Pior ainda, segundo esta lógica de sequestro da razão do materialismo
histórico, as lutas sociais se limitariam a "darem voz" aos devaneios
narcísicos de cada indivíduo que, por sua vez, estaria dentro destas
"novas classes".
As farsas articuladas midiaticamente e minuciosamente alardeada por
grupos de interesses dão uma dimensão histérica de um conjunto de demandas
neoliberais narcisistas. Nesta esteira de produção desvario, vem se
constituindo em "verdades autoritárias empoderadas" tão nocivas como
qualquer outra arbitrariedade perversa do balaio protofascista. As esquerdas
precisam acordar desta abdução suicida e reagirem contra este cavalo de troia
alojado em suas fileiras, caso ainda elas desejarem representarem os anseios
cada vez mais inquietantes da imensa classe trabalhadora.