quinta-feira, 23 de abril de 2020

PARA ALÉM DO CORONAVÍRUS: UM FOSSO CHAMADO BOLSONARO




ATO I: Pavimentando o caos

Em um pertinente artigo de 20 de abril, no espanhol “El País”, publicado no site da versão brasileira, o professor da FFLCH-USP, Vladimir Safatle, chama atenção ao crescimento da ferocidade da horda bolsonarista que se plasmou à imagem e semelhança do tosco presidente Jair Bolsonaro. Para a sua análise, Safatle recorreu a uma das monumentais obras de Sigmund Freud, publicada às véspera da Segunda Guerra Mundial, em 1939, “Moisés e religião monoteísta”. Neste importante trabalho, Freud elabora a construção das identidades através da personificação da liderança e com uma poderosa premissa ressaltada por Safatle: “o poder molda os que se assujeitam”. É bom ressaltar que não se constrói na sociedade, em particular, na Política, elementos inéditos que já não foram gestados de forma discreta ou subterrânea. No denso teatro da Política, nada é tão novo que não se aparenta tão velho.

A atual insanidade da distopia que engoliu a vida política e social brasileira, desafia qualquer ficção possível. O elogio à boçalidade se forjou como parte de uma falsa-consciência que abraça qualquer bobagem e repudia, na mesma intensidade, qualquer sintoma que seja verdade. Não é à toa o sucesso popular que as “fake news” fazem nos milhões de aparelhos de celulares, transmitidas por redes sociais, diante de olhares abestalhados, cultuando um mundo distorcido pela ignorância e pela estupidez.

A Política, como construção dinâmica da tensão entre poderes socioeconômicos e acomodação momentânea deles, é uma contínua reconfiguração de elementos presentes nas disputas sistemáticas da luta de classes. É fundamental entender que o aberrante pós-golpe de caráter civil-parlamentar-judiciário de 2016, o qual derrubou a ex-presidente Dilma Rousseff, eleita legitimamente, fragilizou a democracia manifesta na Carta Constitucional de 1988 e pariu um modelo destroçado e subliminar de estado de exceção, cujas leis são impostas de acordo com as conveniências oportunistas e a tutela de um Poder Judiciário de rapina.

A fragmentada democracia brasileira é corroída tão selvagemente como nas fratricidas disputas entre liberais, conservadores, extrema direita, socialistas e comunistas, no caldo político da Alemanha do período denominado de República de Weimar (1919-1933), à espera da tirania pervertida do Partido Nazista de Adolf Hitler. A imbecilização coletiva é a argamassa que as elites econômicas e seus braços políticos impõem para fragilizar ainda mais a sociedade brasileira. O “democratismo” à brasileira é o estado da epifania de uma distopia da ignorância e do voluntarismo da cegueira alienada.

Impulsionado pela grande mídia e pelos setores golpistas, os quais decidiram derrubar a gestão neoliberal na economia e progressista na assistência social do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal, o país embarcou em um processo de autodestruição de suas estruturas democráticas. Desde as desorientadas jornadas de junho de 2013, movimentada por um classe média psicotizada, até chegar em 2020, com o "baile funk do corona", patrocinado por uma juventude dos rincões periféricos que, além de ser alienada pelo capital que despreza, estas criaturas descartáveis são movimentadas por uma jaguncice suicida que debocha da maior pandemia dos últimos cem anos. Em termos de despejo da indústria cultural, nada supera o atual modismo do sofrível sertanejo que, além de fazer apologia a Bolsonaro por parte de seus alienados interpretes, colabora para a mediocrização da música popular brasileira. A diluição da cultura contribui para um processo desorientador de qualquer sentido civilizatório dentro da sociedade brasileira.

Tensos foram os últimos anos, sem trégua por parte das disputas de uma hegemonia política por parte das elites dominantes que redundaram em mínima condensação política do estado nacional brasileiro. Entre à chamada “jornadas de junho” de 2013 (a partir de um protesto estudantil sobre tarifas de transportes foi capitaneada pelos setores conservadores e se transformou em uma onda de protestos contra o governo petista de Dilma Rousseff) à pandemia de coronavírus o país promoveu um profundo retrocesso e quase todos os setores. Neste período, o Brasil sofreu um golpe de Estado, elegeu um boçal fascista, destroçou direitos constitucionais fundamentais, empobreceu sistematicamente a classe trabalhadora, colocou na ordem do dia o discurso do ódio e do golpismo, aparelhou ministérios e secretarias do Governo Federal com os mais ineptos representantes, além de lotear tais setores entre militares sem nenhuma experiência de absolutamente nada, ampliou em um terço do montante populacional do número de evangélicos e de agremiações que operam como verdadeiras máfias dentro do aparelhamento sociopolítico.

Agora, em 2020, diante da maior crise sanitária da sua história recente, faz um frouxo isolamento social para conter a contaminação por um vírus letal, com crescente esgotamento dos serviços de saúde públicos e congestiona o serviço funerário com mortos infectados. O número de infectados contabilizados ultrapassará 50 mil nos próximos dias e os mortos passarão dos cinco mil, sem contar os inúmeros de casos omissos diante do desgoverno de Bolsonaro, diante da gestão da crise do coronavírus no país.

As medidas do ministro da Economia, Paulo Guedes, são tão risíveis quanto escandalosamente omissas, perante o vasto número de trabalhados e vulneráveis que padecem à espera de ajuda governamental diante da crise instalada pelas medidas de isolamento social dos Estados brasileiros. Bolsonaro e Guedes não tem nenhuma preocupação com os efeitos nefastos da pandemia e o máximo que fazem é debochar, ou negar a existência da letalidade proporcionada pela crise.



ATO II: Os fanáticos arautos do golpismo

Frente ao descalabro institucional e a força midiática anti-petista, tomou corpo um fenômeno da extrema direita conhecido por “bolsonarismo”. Tal cepa extremista não foi obra original do canastrão deputado histórico do baixo clero da Câmara dos Deputados, elo umbilical das criminosas milícias fluminenses, o aloprado e tosco ex-capitão do exército,Jair Bolsonaro. Todavia, forjou-se um canalizador de elementos dispersos da extrema direita brasileira que enxergaram nele um eco de suas primitivas visões alienadas, perversas e distorcidas de mundo.

Os fiéis bolsonaristas da extrema-direita são constituídos, em sua grande maioria, de militares da ativa e da caserna, milicianos fluminenses, pequenos e médios proprietários, profissionais liberais da classe média, alguns grandes empresários que lucraram nos anos petistas, parcela dos trabalhadores do transporte de carga e serviços urbanos, um rebanho de conservadores fanáticos provenientes da manipulação de pastores evangélicos e alguns falsos desiludidos dos anos petistas.

As ações tresloucadas da metabólica amalgama bolsonarista, como fazer manifestação pública em frente de hospital contra o coronavírus e o isolamento social em plena pandemia, parece indicar que está apoiando, de forma suicida, o seu “mítico” presidente, independentemente do que ele faz ou fala de forma descontrolada e irresponsável. Uma verdadeira horda à serviço da violência insana, da fabricação de mentiras espalhadas em redes sociais e seus serviços nefastos à disposição, para ser usados diante dos caprichos do “mito”.

Desta forma, pode-se entender o atual fenômeno do bolsonarismo como uma espécie de tentativa contrarrevolucionária ultraconservadora e atabalhoada, diante dos progressos sociais constituídos pela Constituição Federal de 1988.



ATO III: Em meio a pandemia, o golpismo em marcha

A Educação, a Ciência e a Cultura vêm sofrendo ataques sistemáticos das alas mais grotescas e débeis da sociedade, paralelamente ao retrocesso político regurgitado pela extrema direita que saiu do armário, entre elas, a ala bolsonarista: quanto maior o nível de jaguncismo presente, maior a ignorância é mobilizada para atacar o conhecimento.

A miséria do pensamento crítico pós-moderno neoliberal se resume a balbuciar "groselhas" sem nexo e alimentar patológicas obsessões narcísicas do ego. Sintoma de um mundo que deriva a esmo, como sólido em um imenso vaso sanitário, parte de uma esquerda pós-moderna e empoderada classe-mediana de bairros considerados “descolados” do eixo Rio-São Paulo que tem, como fetiche, a vocação ao narcisismo, a glamourização da "periferia" e o desprezo pela racionalidade e intelectualidade. O descompromisso deste grupo com a realidade é da mesma proporção que idealizam supostas “revoluções de botequim” com “ar blasé” sobre a miséria dos trabalhadores e desfolhando as aventuras das suas últimas viagens turísticas.

Equivocadamente, a esquerda pós-moderna obcecada pelo histrionismo da identidade adota o mesmo percurso retórico da extrema direita que é a apologia do jaguncismo de beira de estrada (mas pintam-no com uma roupagem “descolada”), o discurso histericamente sensacionalista e a glorificação do anti-intelectualismo.

Acuada desde a queda do Muro de Berlim e a dissolução da ex-União Soviética, a esquerda de orientação marxista e pautada na defesa dos trabalhadores foi engolida por uma esquerda liberal que acredita avidamente na precariedade institucional, na suposta honestidade ordeira da disputa eleitoral e um idílico republicanismo, tal como a Santíssima Trindade. Mais uma vez, o sintoma letárgico deste engessamento de visão de mundo da esquerda liberal é a paralisação, quase por completo, de sua voz diante das atrocidades do governo Bolsonaro.

Da negação do formato do planeta Terra à negação da existência do coronavírus, o Brasil se embrutece, se apequena e se imbeciliza de forma tão avassaladora e suicida que não será nenhuma novidade que parcela significativa da sociedade possa vir a aplaudir de forma suicida, um novo golpe de Estado parido por militares inescrupulosos, tendo um boçal psicopata como títere na figura de presidente-ditador.

O espetáculo do absurdo que rege a moribunda democracia brasileira pode ser ilustrado na patética e emblemática declaração zombeteira de Bolsonaro afirmando que: “A constituição sou eu”! Bolsonaro, a todo o momento, demonstra total desprezo pela democracia, pelos direitos fundamentais constitucionais, desespero do oceano de mais de 13 milhões de desempregados e pelas pilhas de mortos sucumbidos pela COVID-19. Bolsonaro despreza perversamente qualquer forma de vida, a qual ele não reconhece se não for o seu próprio espelho.

Para ser mais surreal, o modo caótico de Bolsonaro desgovernar é simplesmente desprezar até mesmo seus colaboradores mais próximos e ministros tal é a “fritura pública” que ele gosta de promover, sendo o caso mais notório dos últimos dias foi a novela da demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Mal Mandetta foi demitido e trocado por um poste funerário servil a Bolsonaro, agora, a “bola da vez” está sendo o ex-todo-poderoso chefe da Lava Jato que foi pivô da derrubada de Dilma, prisão de Lula, manipulou as eleições para dar chances reais de vitória de Bolsonaro e ganhou dele um ministério inteiro, o da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro. Os rumores é que Moro teria pedido demissão do cargo, mas é certo que ele permanecerá até ser fritado à exaustão, tal como ocorreu com Mandetta.  

No meio do circo político comando por Bolsonaro, até mesmo o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro, Paulo Guedes está começado a ser exposto na máquina no triturador do desorientado ocupante do Planalto. O bolsonarismo é a versão do jaguncismo tosco, violento e medíocre na política, ou seja, um eterno curto-circuito no sanatório. Em todos os casos, a mediação passa necessariamente pela ala militar que, de fato, assumiu a sustentação política interna do governo Bolsonaro. É importante ressaltar, que a total incompetência de inepto Bolsonaro para indicar quadros políticos permitiu a ele delegar as funções de gestão pública do poder nas mãos dos militares que possuem atualmente uma força institucional tão grande quanto os tempos nefastos da retrógrada ditadura militar (1964-1985). Nenhum pesadelo consegue ser tão temível quanto a realidade política brasileira!

De qualquer modo, as sementes do retrocesso já foram lançadas desde o golpe de 2016 e se enraíza cada vez mais tragicamente no cenário político brasileiro. Alienação e ignorância matam mais do que qualquer vírus em uma pandemia. A miséria humana, social e política impõem ao país um retrocesso cada vez mais abissal e que encaminha para um aprofundamento de uma crise civilizatória histórica. Se nada for feito para impedir que o jaguncismo fascista, sob a projeção do fanatismo bolsonarista, possa dominar, de fato, a vida política nacional e que leve adiante o projeto genocida de destruição social, certamente ocorrerá uma tragédia sem precedentes e desfiguração daquilo que conhecemos como Estado brasileiro.

Definitivamente, se o Brasil deseja conter um genocídio em curso, é preciso afastar não apenas o vírus, mas a figura mais maléfica do país atualmente que é seu zombeteiro-mor da presidência. Não é mais possível nenhuma sustentação do governo Bolsonaro em seguir a frente no esfacelamento da sociedade brasileira. Bolsonaro é o maior dos problemas a ser enfrentado pelos brasileiros, por sinal, muito mais letal do que qualquer crise pandêmica.



Wellington Fontes Menezes é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF)



segunda-feira, 20 de abril de 2020

OBSERVAÇÕES PONTUAIS DA SITUAÇÃO DO CORONAVÍRUS NO BRASIL E NO MUNDO




·        Números oficiais no Brasil (20/04/2020):
·         → Número de contaminados: 40.851
·         → Número de mortos: 2.575 (acréscimo de 113 mortos nas últimas 24 horas)
·         → Taxa de letalidade: 6,3%



1.       Em meio a pandemia, uma estranha alteração de dados no Brasil

Dados consolidados do Ministério da Saúde mostraram, hoje, 20/04, uma estranha modificação no número de mortos que caiu de um montante inicial divulgado de 2.845, para 2.575 corrigido às pressas e sem a habitual coletiva do ministério para a imprensa. Número esse que mostra uma diferença de 9%, ou seja, 270 mortos pelo novo coronavírus (SAR-Cov-2) e uma taxa pontual de letalidade de 6,3%! Segundo o próprio Ministério da Saúde, o erro da contabilidade se localizava no Estado de São Paulo que havia divulgado o número regional de mortos, nesta segunda-feira, 20 de abril, de forma “equivocada”. A taxa de evolução da contaminação nacional bate um novo patamar, com 40.851 casos confirmados de contaminação.

Em um momento crítico da pandemia no Brasil, parece pouco crível um erro tão grosseiro que distorce o número real dos casos de COVID-19 no país. Por outro lado, o governo de Bolsonaro, com apoio do grosso do patronato nacional, vem estruturando uma campanha midiática crescente nas redes de rádio e televisão, em particular, entre aqueles que receberam mais verbas do governo federal, para minimizar os efeitos da pandemia e criticar o isolamento social. Por sinal, o mesmo discurso genocida empenhado pessoalmente pelo presidente Jair Bolsonaro vem criando corpo ao longo do país, panfletando a quebra irresponsável da política sanitária de isolamento social e expor toda a população aos riscos catastróficos da contaminação por coronavírus.

O genocida discurso do cinismo negacionista da doença se limita à correlação de que o isolamento social afetaria o nível de emprego e prejudicaria a economia. Como se uma população contaminada e doente pudesse trabalhar com maior eficiência e como se o Governo Federal não pudesse lançar mecanismos próprios de assistência social, como a distribuição de renda mínima para todos que precisarem ficar em suas casas e ter recursos para a sobrevivência.

Para quem não compreendeu ainda os efeitos de quebrar ou “afrouxar” o isolamento social sem passar pelo pico de contaminação da pandemia, basta observar os casos da Itália, Espanha, Reino Unido e Estados Unidos, entre os principais destaques, que tiveram que voltar atrás na decisão equivocada e adotar o “lockdown”, ou seja, o fechamento ou interrupção total, de forma intensa, de toda a vida social de uma dada região, cidade ou país. Não é a toa que tais países lideram, no globo, em número de casos de contaminação e mortos.  

Não é possível falar em relaxar o isolamento social, diante de um vasto número de contaminados e mortos. O país não chegou ao pico de casos e teremos ainda uma consolidação de casos em investigação, com muita subnotificação que provocará uma distorção nos números finais. Ademais, com o avanço da contaminação pelo coronavírus, começa a se intensificar o número de leitos ocupados nos hospitais brasileiros, em particular, aqueles referentes ao atendimento público. A grande questão é evitar o colapso do sistema de saúde e não deixar milhares de doentes à própria sorte.

Com políticas frágeis, precárias e insanas de negação da doença, por parte do irresponsável governo Bolsonaro, o Brasil deverá ser um dos países de maior impacto arrasador da COVID-19 no mundo. O próprio presidente Bolsonaro faz uma militância assassina. Inacreditavelmente, todos os dias, Bolsonaro ocupa as mídias para descascar deboches sistemáticos contra as medidas de isolamento social e minimizar, com gracejos sórdidos, todos os dados referentes a pandemia no país. Nenhum outro presidente do globo conseguiu ter uma postura tão irresponsável diante da maior crise sanitária do século XXI no planeta!

As últimas novidades da insanidade, derivada das ações de Bolsonaro, em meio à pandemia, foi trocar seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta que vinha tendo uma atuação mais regular à frente do ministério e apoiando as recomendações da OrganizaçãoMundial da Saúde (OMS), para colocar seu compadre de campanha eleitoral, o obscuro Nelson Teich, um médico que não tem o menor vínculo com políticas públicas de saúde, sem a menor empatia governamental com a questão social e reza na cartilha nefasta negacionista da doença, derivada da insanidade genocida da cepa selvagem e ignorante da extrema direita brasileira. Um desastre anunciando que somente ampliará o número de corpos empilhados nos lotados cemitérios pelo Brasil afora...



2.       A taxa de letalidade da COVID-19

Em termos técnicos, temos que a taxa de letalidade é a proporção do número de mortos pelo número de casos confirmados de contaminados pelo coronavírus, ou seja, o percentual o qual se tem o esperado o número de mortos pelo conjunto populacional que foi contaminado. 

Em termos comparativos, com dados da OMS o coronavírus SARS-Cov-2  está com uma taxa de letalidade média de 6,8% no mundo, abaixo ainda de outras doenças globalizadas como a MERS-COV (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) em torno de 34% e a SARS-COV (Síndrome Respiratória Aguda Grave) ao redor de 10%, o sarampo com 1,4% e a gripe comum (influenza, como a H1N1 e outras gripes) com taxa abaixo de 0,1%. A mais letal de todas as doenças de histórico recente ainda é a ebola, com as incríveis taxas que variam entre 25 a 90%. A taxa de letalidade é variável no incremento do nível de idade e de situações específicas como doenças pré-existentes da população.



3.       Brasil e a comparação com o cenário mundial

O Brasil segue com uma das maiores taxas de letalidade do mundo com 6,3% e elevação crescente da curva de mortos por COVID-19. Como dados oficiais, o mundo hoje se encontra com 2.481.298 casos de coronavírus e 170,436 mortos (dados até as 23 horas do dia 20/04), ou seja, uma taxa de letalidade crescente de 6,9%. Observando estes dados, é possível analisar uma tendência crescente e assustadora da “história natural da doença” que poderá caminhar para uma letalidade média em torno de dois dígitos!

Nos últimos dias, a Bélgica com 5.828 mortos tomou o topo dos italianos, com a maior taxa de letalidade do mundo com relação ao número de contaminados, que está em torno de 14,5%. A Itália que liderou o número de mortos no mundo, até poucos dias, atualmente está com 24.114 óbitos por COVID-19 e uma taxa de letalidade de 13,3%. A França, com 20.265 mortos e o Reino Unido com 16.509 mortos, possuem taxa de letalidade em torno de 13%. Espanha, com 10,4% de taxa de letalidade, contabiliza 20.852 óbitos.

Os Estados Unidos que estavam com a incrível marca de um terço dos casos confirmados de COVID-19 no mundo, caiu para 17% (782.987 casos registrados), apesar do maior número de mortos do globo (41.777), com uma taxa de letalidade de cerca de 5%. Da mesma forma que Bolsonaro no Brasil, o presidente estadunidense, Donald Trump, vinha debochando da doença até perceber, tardiamente, a catástrofe que se abateu no próprio país. O coronavírus abateu mais estadunidenses do que qualquer atividade terrorista em seu território e muito mais letal que o fatídico atentado ao World Trade Center, em 2001, em número de mortos. Observando outra perspectiva, o número de mortos pela COVID-19 nos Estados Unidos está se aproximando do total de soldados estadunidenses mortos durante todo o período da dispendiosa e sangrenta Guerra do Vietnã, no período de 19 anos, quando o governo de Washington decidiu invadir o pequeno país do Sudeste Asiático. Apesar dos números avassaladores, há uma demonstração de que os Estados Unidos podem estar chegando ao pico da contaminação da doença, com um discreto declínio do número de casos em algumas regiões do país.

Em números mais alentadores, em dados comparativos, a China, primeiro país do planeta a sofrer com a pandemia, possui hoje 82.747 casos confirmados com 4.632 mortos e uma taxa de letalidade de 5,6% e, posteriormente, a Coréia do Sul com 10.674 casos confirmados e 236 mortos e com uma das mais baixas taxas de letalidade do planeta, com 0,1%. Importante ressaltar que o governo da China não registra mais casos de mortalidade e possui apenas novos casos de contaminação em número baixo  (cerca de duas dezenas diárias) cuja origem não é por transmissão comunitária, mas por elementos externos ao país (contaminados de outras origens que ingressaram em território chinês). O mesmo ocorre com a Coreia do Sul. Praticamente, tanto a China quanto a Coréia do Sul poderão se dizer, temporariamente, livres da contaminação por coronavírus. 



4.       Alertas finais

É preciso ficar muito alerta aos dados divulgados pelo Ministério da Saúde na nova gestão do bolsonarista Teich. Simplesmente, o novo ministro recusou-se, até agora, a aparecer em público, não formulou nenhuma medida concreta de combate a pandemia e vetou a  entrevista coletiva da equipe do Ministério da Saúde para a imprensa que havia se tornado rotina na antiga gestão de Mandetta. 

A obscuridade ganha dada vez mais espaço no proposital descontrole federal diante da maior crise sanitária dos últimos tempos causada pelo novo coronavírus. A sonegação ou a distorção das informações sobre o avanço do coronavírus no Brasil prejudica severamente o estudo e o controle da pandemia e, por fim, traz também prejuízos econômicos e sanitários graves ao não estimar as devidas medidas governamentais de posterior abertura social e comercial que possa proteger devidamente a população. Mais uma vez, a irresponsabilidade do governo Bolsonaro é criminosamente grotesca!

Patrocinada pela ala extremista do governo federal tendo a frente o próprio Bolsonaro, o país segue com sua ode ao irracionalismo da extrema direita. Parcela deste grupo obscurantista que abraça o fascismo tupiniquim, em plena pandemia e contrariando todas as recomendações da OMS, foi às ruas de algumas cidades brasileiras, neste último domingo dia 19/04, para debochar (sim, debochar!!!) do coronavírus e pedir insanamente intervenção militar. Certamente, tais atos escrachada e delirantemente golpistas foram os únicos da história do planeta Terra que grupos saíram de suas casas para se aglomerarem correndo risco de contaminação para negarem a existência de uma doença cujos números acima relatados são assustadores!

É importante lembrar que o maior fator de risco que ocasionaram milhares de mortos em todo o globo e, em particular, no Brasil, é a supremacia da ignorância e da estupidez daqueles que teimam negar a realidade e zombar das medidas necessárias de isolamento social. A tosca ignorância causa mais mortes do que a ação devastadora do próprio vírus!



[Taxas elaboradas por Wellington Fontes Menezes com dados consolidados do Ministério da Saúde e Worldometer.info de 20/04/2020]



Wellington Fontes Menezes é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF)

quinta-feira, 16 de abril de 2020

BOLSONARO QUER TRANSFORMAR O BRASIL NO MAIOR CEMITÉRIO DO MUNDO



Nesta quinta-feira, 16/04, Bolsonaro derrubou o seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, um dos poucos (talvez o único!) da milícia governamental que tinha mínima coerência e buscava seguir os critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS) na batalha contra a covid-19.

Em plena crise da pandemia do coronavírus, o Brasil segue com taxa exponencial crescente de contaminação e já bateu a marca de 30 mil casos confirmados de covid-19 a uma taxa de letalidade acima de 6%. Bolsonaro puxa o tapete do ministro que pregava o isolamento social como única arma efetivamente comprovada e, seu efeito, minimiza o avanço do contágio.

É preciso deixar bem claro, Bolsonaro é um psicopata cujo objetivo sempre foi a promoção da morte. Agora ele irá forçar que tudo volte à insana “normalidade” em meio ao pico de contágio para que haja o maior nível possível de mortes por contaminação.

Bolsonaro é uma espécie macabra de bobo da corte psicopata a serviço das perversões do capital nacional. O patronato brasileiro segue o exemplo assassino do patronato italiano que debochou da pandemia e resultou no incessante genocídio no norte daquele país.

O Brasil paga caríssimo pelo surto psicótico de 2018 quando entronou um miliciano psicopata no mais importante cargo da república dos infectados.

Faltarão pregos, tábuas e lágrimas para dar conta do mar de corpos caso Bolsonaro não seja interditado e extinta a sua política de genocídio da população brasileira.

A sociedade brasileira não poderá aceitar ser passivamente infectada e morta por uma política genocida promovida por um covil de monstros que sequestraram qualquer sentido de humanidade e que tem a mais abjeta e débil criatura na cadeira de presidente da república.

(Wellington Fontes Menezes)

quinta-feira, 2 de abril de 2020

QUEM SOMOS NÓS E PARA ONDE VAMOS?



            Em épocas de crises sem precedentes e que desafia a própria existência, entre tantos dilemas, uma das questões que mais assola a mente humana que busca alguma racionalidade, é sobre a finidade da vida. Afinal, quem somos nós e qual o futuro que nos reserva?


1.      A terra das certezas absolutas

O século XXI parecia estar fadado à consagração do sucesso da onipotência estadunidense diante de um mundo que, muitos arautos da globalização tecnológica, se gabavam dos privilégios de uma série de parafernálias futuristas, nunca antes vistas na história. O futuro teria chegado sublimando o presente e esquecendo arrogantemente o passado. Houve aqueles que já decretaram o “fim” da própria história civilizacional, com a receita do sucesso neoliberal, após a queda do Muro de Berlim: Estado enxuto, democracia à la estadunidense e liberdade absoluta para a divindade chamada “Mercado”.

Sem um parâmetro político para se contrapor ao capitalismo, os 1990 começaram com o apogeu do mercado e o declínio de quase todas as utopias possíveis que suscitassem algum confronto com a realidade. Os perigos globais, claro, eles existiam e estavam ancorados em extremismos políticos autoritários, sanguinários e desprovido de qualquer razão, diante do fracasso de políticas neoliberais que desarticularam o estado de bem-estar social dos países europeus e dos Estados Unidos, elaborados no pós-guerra, frente aos desafios da Guerra Fria. “Deixem os mercados agirem e se autorregularem!”, diziam, acreditando que a mão invisível de Adam Smith, seria a própria mão de Deus.

O mundo virou uma ilha, tal era a interação da circulação de pessoas e mercadorias sem fim, em uma escalada de conectividade jamais vista na história. Tudo parecia ser imutável, duradouro, sem sobressaltos, com as classes sociais mais pauperizadas razoavelmente bem domesticadas pelas grandes elites dominantes. 

A democracia ocidental e seus arremedos orientais criavam uma aura de “normalidade” social e afastamento ou confinamento dos “indesejáveis”, em bolsões de miséria e abandonados à sua própria sorte. Com um forte aparato repressivo, os descontentes eram rapidamente desmobilizados e seus sindicatos transformados em entidades cada vez mais desacreditadas, através de uma burocracia inútil. 

Tudo parecia caminhar para um destino-manifesto de uma globalização excludente, reinando o receituário miraculoso da administração neoliberal: política de austeridade, Estado mínimo, privatização de bens públicos e a imposição lei da selva do Mercado e na vida social.Até que apareceu um vírus errante...



2.      E o vírus chegou...

Nada mais biológico e destrutivo para tirar uma casquinha da ferida do narcisismo humano, do que pragas típicas de animais e plantas acossarem a pretensa racionalidade material, colocando o ego de joelhos e mãos clamando à algum salvador imaginário. Pandemias não são novidade na história humana. Desde a chamada “peste negra” em tempos medievais, entre 1343 e 1356, causando a morte estimada de 75 a 200 milhões de pessoas no planeta à época. Em 1817, uma pandemia de cólera matou centenas de milhares de pessoas. De 1918 a 1920, o vírus influenza causou a chamada “gripe espanhola”, exterminando entre 40 e 50 milhões de pessoas ao redor do globo.

Enfim, sem pedir licença, se impôs ao invencível e tecnológico século XXI. Pandemias, com resultados menos letais, foram registradas com a ação de variâncias de coronavírus que causou o SARS (Síndrome Respiratória Aguda Severa) que matou 774 pessoas e infectou mais de 8 mil em 2003 e o  MERS (Síndrome Respiratória do Oriente Médio) que vitimou 858 de apenas 2500 pessoas infectadas, em 2012, no Oriente Médio. Entre 2009 e 2010, de 700 milhões a 1,3 bilhão de pessoas foram infectadas pela variante do vírus influenza, o H1N1, chamada de “gripe suína”, com uma estimativa de até 500 mil mortes. Na África Subsaariana, entre 2015 e 2016, o vírus ebola contaminou cerca de 30 mil pessoas, causando a morte de mais de 11 mil pessoas.

Mas o pior estaria por vir... No final de 2019, a partir da cidade chinesa de Wuhan, o mundo conheceu um novo tipo de vírus que infestava rapidamente a população local, provocando adoecimento entre os adultos e uma alta mortalidade entre os mais velhos. A nova ameaça surgia, sorrateiramente, a partir dos subterrâneos dos mercados chineses de animais exóticos, para a sanha comestível da população local, o mais mortal dos inimigos da humanidade, deste o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial: o novo coronavírus, denominado SAR-COV-2. Da província chinesa de Wuhan para o mundo, em poucos meses, praticamente todos os países foram infectados, com altíssima velocidade de transmissão. Uma nova palavra passou a atormentar o vocabulário dos cidadãos dos dois hemisférios: covid-19, a doença causada pela atuação cataclísmica e virótica do SAR-COV-2.

O coronavírus SAR-COV-2 se apresenta altamente perigoso e devastador. Atualmente, início de abril de 2020, ultrapassou um milhão de pessoas infectadas no planeta, causando mais de 50 mil mortes, em especial na Itália, Espanha, Estados Unidos e França. Os números de contaminados e mortos ampliam-se velozmente a cada dia ao redor do globo. China e Coreia do Sul, primeiros países a sofrerem com a novata epidemia do SAR-COV-2, conseguiram, momentaneamente, controlar o avanço do coronavírus, com a adoção de seríssimas medidas restritivas, além da detecção e controle sistemáticos de possíveis contaminados. O vírus ainda não atingiu o pico da epidemia global, mas mudou radicalmente todas as estruturas socioeconômicas de forma jamais vista, na história humana do planeta Terra.

A única medida que se apresentou com significativa eficácia para retardar a velocidade de infestação pelo novo coronavírus foi o isolamento social, ou seja, o confinamento dos cidadãos dentro de seus domicílios. Essa medida drástica impacta diretamente na interrupção de todas as atividades econômicas e sociais de uma forma jamais vista. Diante dos exemplos chinês e sul-coreano, quase todos os países do mundo estão experimentando algum tipo de isolamento total ou parcial, buscando conter o avanço agressivo do SAR-COV-2.

Trocando em miúdos, diante das consequências do avanço da infestação do novo coronavírus, praticamente, a maior parte da economia planetária, com maior ou menor intensidade, está de quarentena! Vidas, famílias, amigos, trabalho, impactados diante da dinâmica social alterada, drasticamente, pela mudança abrupta do estilo de conduzir o cotidiano de bilhões de pessoas. O cenário distópico, outrora presente em filmes de ficção científica, se materializou na vida real: ruas desertas, comércio fechado, transportes racionados, ausência de espetáculos, jogos, adiamento de Olimpíadas que se realizaria no Japão. O mundo simplesmente estava sem humanos em suas quilométricas ruas!

Aglomerações típicas da cultura humana viraram sinônimo de perigo iminente e são recomendados por autoridades governamentais e científicas a não serem formadas, a fim de não propiciar o contágio. Seja nos grandes centros, seja nas cidades de menor porte, a vida social se transformou em vida confinada. Como se, finalmente, a Terra tivesse parado e o medo ventilado na atmosfera!

Medo é a palavra de ordem. As certezas se reduziram a angustiantes notícias de diversas mídias, as quais bombardeiam uma macabra contabilidade de contaminados e corpos. O medo que impregna o cerne, nem água com sabão consegue eliminar! Cuidados para evitar a contaminação e a preocupação com o futuro, se tornaram elementos norteadores da ansiedade social que se desenrola como fobia social. Na luta pela sobrevivência diária, diante de um inimigo invisível, outrora reservados ao uso restrito,  máscaras de proteção e álcool gel ou álcool 70%, se tornaram objetos do desejo de toda a humanidade e, consequentemente, repercutiu em escassez e preços elevados. Limpamos sistematicamente os nossos corpos, como uma forma obsessiva de purificação salvadora da alma.

Um microscópico vírus impôs a maior de todas as ironias perversas da natureza humana: o contato humano é fator de risco para a própria espécie! Conversar próximo ou tocar o outro, simples gestos humanos, se tornaram um pavor real, diante de uma pandemia que se transmite por emissão de gotículas de agentes patógenos de um individuo contaminado que, encontrando mucosas faciais de outro indivíduo, prossegue a contaminação exponencialmente. Uma nova sociabilidade se forjou com o uso do distanciamento social. Pessoas desconhecidas ou entre os próprios familiares e entes queridos falando com distância mínima de segurança e com uso de algum tipo de proteção. Todas estas medidas objetivaram inibir o contágio e não contribuírem para que todos fiquem doentes ao mesmo tempo, repercutindo em colapso nos sistemas de atendimento à saúde regional.

Hoje a humanidade se encontra refém de um vírus que, simplesmente, irá levar à uma das maiores depressões globais de todos os tempos. A questão central não é mais a dúvida quanto a este fator, mas o percentual possível de quedas significativas nas economias dos principais países do globo. Nada mais emblemático que o fato dos principais aeroportos do mundo estarem praticamente às moscas. As medidas restritivas impactaram no bloqueio de fronteiras e fluxos aéreos.

A globalização tem, como componente fundamental, o intenso fluxo de pessoas e produtos comerciais, desde o final do século XIX e intensificada de forma extraordinária no século XX. Nenhuma das duas grandes guerras do século XX conseguiu fazer o que o novo coronavírus está fazendo agora, de forma abrupta e planetária: o cerco por completo das nações e o imobilismo do fluxo comercial que afeta diretamente o capitalismo. A guerra invisível ao coronavírus se transformou na própria guerra que implica na sobrevivência no capitalismo, do setor produtivo que enfrentará o anunciado e avassalador abalo sísmico, o qual poderá se aproximar da grande da crise do capital de 1929. Afinal, sem crises cíclicas não há capitalismo!

Quem poderia imaginar que, diante de tantas tecnologias e velocidade dimensionada para a produtividade da vida sem descanso, um vírus seria causa de estagnação e retração socioeconômica? Pessoas e não objetos ou máquinas são quem movem realmente o mundo. O mundo do capitalismo desenfreado pariu o neoliberalismo, a partir dos anos 1980, com a promessa de liberdade máxima dos mercados e atuação ou intervenção mínima do Estado.

           Com a hecatombe de mais uma crise econômica que se intensificou com a pandemia do coronavírus, assistimos, diariamente, todos os Estados intervindo drasticamente nas economias afetadas pela crise, derivada do isolamento social, que repercute em todas as esferas econômicas de produção e circulação. O coronavírus escancarou a lembrança da força da mão de obra trabalhadora, como o principal motor da produção e, por sua vez, fez recordar a importância dela no processo da dinâmica da economia. 

       Nada mais sintomático é o pedido de regulação dos mercados pelo Estado e forte intervenção na economia, tanto para combater o coronavírus, quanto para salvar as empresas privadas da falência. Portanto, o coronavírus representou descrédito e desmoralização das práticas neoliberais e reconduziu o Estado mais intervencionista, não apenas com bilhões de dólares ou euros, mas na casa dos trilhões de investimentos, ao estilo de políticas econômicas keynesianas.



3.      Isolamento do mundo, aproximação de si?

Para os países que adotaram o isolamento social, com maior ou menor nível de confinamento, repercutiu como método para frear a velocidade de contágio, cujo seu efeito colateral custa ferozmente o declínio da economia local. Diante da necessidade de reclusão social, o combate ao coronavírus produziu sociedades que invocaram um verdadeiro estado de sítio momentâneo. 

As liberdades civis ficaram restritas ao direito de ir a locais essencialmente de abastecimento alimentar, saúde e alguns serviços. Com o fechamento de todas as demais atividades comerciais, o isolamento permitiu uma oportunidade de profunda reflexão sobre os impactos de um mundo voltado para o narcisismo e materialismo extremo. 

O medo de contágio pelo coronavírus consolida outro olhar perante a própria relação humana com os demais. De repente, famílias conseguiram ficarem mais próximas em meio ao isolamento, tendo a possibilidade de despertar outros olhares sobre si e sobre a realidade que as cerca. Todavia, este olhar é de um otimismo, diante da catástrofe humana, causada pelos estragos de um vírus, cuja letalidade ultrapassa a expectativa de infectados e corpos dentro de sacos pretos.

            O momento é de união entre as pessoas, entre os Estados. União de esforços e com o distanciamento físico necessário entre as pessoas. Cabe aos governos uma ampla implementação de renda mínima não apenas agora, emergencialmente, mas que possa se prolongar de tal forma que jamais um ser humano fique desassistido, minimamente, durante a sua existência. O programa de transferência de renda tem que buscar ser universal e com prazo indefinido, enquanto ainda houver alguma pessoa em situação de risco. É hora de mudar as estruturas da perversão do capital, em nome da possibilidade real de bem-estar social.

Não é possível mais aceitar que um microscópico grupo de pessoas possa represar para si, uma quantidade de recurso equivalente a quase metade de toda a riqueza do globo. É urgente a criação da taxação de grandes fortunas, para que possam ser transferidas, estas riquezas, para a geração de recursos voltados às vítimas do isolamento social e à manutenção dos serviços de saúde. O parasitismo capitalista é mais danoso para a espécie humana, do que qualquer inimigo biológico!  Qual a razão de se acumular tantos recursos para si se estiver morto? O vírus não reconhece nenhuma classe social e é voraz para todos aqueles que desafiarem sua arquitetura de contato.

Tudo o que foi pensado sobre os avanços da tecnologia não foi páreo para o que está sendo visto. Um mundo acuado e isolado em suas residências, diante de uma emergência sanitária de origem biológica, cuja proporção em termos de volume de recursos, perdidos ou investidos, são de valores amplamente inéditos na história da civilização humana. Estamos em mais um desafio enquanto seres que ainda habitam o planeta Terra: mudamos certos modos de nos relacionarmos entre nós e com o mundo, ou seremos brevemente tão reduzidos, cujas formas de sobrevivência colocarão em risco a própria existência humana.

Nós somos uma espécie biológica de incrível resistência, mas também somos uma espécie que, mesmo com extraordinários recursos de toda a memória histórica construída por milhares de anos, teimamos em ignorar todas as evidências científicas e racionais para, ainda, vivermos segregados e domesticados nas gritantes divisões entre ricos e pobres, entre os que têm problemas de saúde devido aos excessos de alimentação e a morte moribunda de famélicos, entre os que dormem em palacetes e os vagam sem sequer terem um chão para se deitar. Será preciso um vírus grotesco e selvagem para ceifar milhares de almas de indistinta classe social, para que possamos compreender a finitude e a fragilidade da dimensão humana?

Da crise sanitária causada pelo coronavírus, cairemos no lamaçal de uma crise econômica profunda, cujos reflexos podem durar anos para a total recuperação. Porém, poderá ser acelerada, se forem redefinidos os padrões de acesso aos bens produzidos e coibido o nível de especulação parasitária financeira. Toda crise sempre deixa suas lições de grande valor para aqueles que conseguem sobrevier com lucidez. Em toda crise há caminhos que podem ser observados, para serem desbravados sobre olhares que permitam superar os antigos obstáculos.

Estamos diante de uma das maiores crises humanitárias de todos os tempos. Entre dúvidas e especulações alucinógenas, busquemos o refúgio na serenidade e na racionalidade. Sairemos desta crise mais fortalecidos do que antes, quando fomos tragados para suas entranhas. Não podemos esquecer a devida sensibilidade e a projeção de um mundo que reduza ou elimine as diferenças de classes sociais e multiplique o trabalho, a renda, a produção e as possibilidades de manutenção da vida humana. Mais do que nunca, isolados em nossos domicílios, poderemos dispor de algum tempo para refletir, de forma mais complexa, sobre a necessidade de compreensão sobre nossa própria existência: nós somos o que somos e o que faremos com tudo isto?


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Wellington Fontes Menezes – Doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito pela Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF)








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