quinta-feira, 23 de abril de 2020

PARA ALÉM DO CORONAVÍRUS: UM FOSSO CHAMADO BOLSONARO




ATO I: Pavimentando o caos

Em um pertinente artigo de 20 de abril, no espanhol “El País”, publicado no site da versão brasileira, o professor da FFLCH-USP, Vladimir Safatle, chama atenção ao crescimento da ferocidade da horda bolsonarista que se plasmou à imagem e semelhança do tosco presidente Jair Bolsonaro. Para a sua análise, Safatle recorreu a uma das monumentais obras de Sigmund Freud, publicada às véspera da Segunda Guerra Mundial, em 1939, “Moisés e religião monoteísta”. Neste importante trabalho, Freud elabora a construção das identidades através da personificação da liderança e com uma poderosa premissa ressaltada por Safatle: “o poder molda os que se assujeitam”. É bom ressaltar que não se constrói na sociedade, em particular, na Política, elementos inéditos que já não foram gestados de forma discreta ou subterrânea. No denso teatro da Política, nada é tão novo que não se aparenta tão velho.

A atual insanidade da distopia que engoliu a vida política e social brasileira, desafia qualquer ficção possível. O elogio à boçalidade se forjou como parte de uma falsa-consciência que abraça qualquer bobagem e repudia, na mesma intensidade, qualquer sintoma que seja verdade. Não é à toa o sucesso popular que as “fake news” fazem nos milhões de aparelhos de celulares, transmitidas por redes sociais, diante de olhares abestalhados, cultuando um mundo distorcido pela ignorância e pela estupidez.

A Política, como construção dinâmica da tensão entre poderes socioeconômicos e acomodação momentânea deles, é uma contínua reconfiguração de elementos presentes nas disputas sistemáticas da luta de classes. É fundamental entender que o aberrante pós-golpe de caráter civil-parlamentar-judiciário de 2016, o qual derrubou a ex-presidente Dilma Rousseff, eleita legitimamente, fragilizou a democracia manifesta na Carta Constitucional de 1988 e pariu um modelo destroçado e subliminar de estado de exceção, cujas leis são impostas de acordo com as conveniências oportunistas e a tutela de um Poder Judiciário de rapina.

A fragmentada democracia brasileira é corroída tão selvagemente como nas fratricidas disputas entre liberais, conservadores, extrema direita, socialistas e comunistas, no caldo político da Alemanha do período denominado de República de Weimar (1919-1933), à espera da tirania pervertida do Partido Nazista de Adolf Hitler. A imbecilização coletiva é a argamassa que as elites econômicas e seus braços políticos impõem para fragilizar ainda mais a sociedade brasileira. O “democratismo” à brasileira é o estado da epifania de uma distopia da ignorância e do voluntarismo da cegueira alienada.

Impulsionado pela grande mídia e pelos setores golpistas, os quais decidiram derrubar a gestão neoliberal na economia e progressista na assistência social do Partido dos Trabalhadores (PT) no governo federal, o país embarcou em um processo de autodestruição de suas estruturas democráticas. Desde as desorientadas jornadas de junho de 2013, movimentada por um classe média psicotizada, até chegar em 2020, com o "baile funk do corona", patrocinado por uma juventude dos rincões periféricos que, além de ser alienada pelo capital que despreza, estas criaturas descartáveis são movimentadas por uma jaguncice suicida que debocha da maior pandemia dos últimos cem anos. Em termos de despejo da indústria cultural, nada supera o atual modismo do sofrível sertanejo que, além de fazer apologia a Bolsonaro por parte de seus alienados interpretes, colabora para a mediocrização da música popular brasileira. A diluição da cultura contribui para um processo desorientador de qualquer sentido civilizatório dentro da sociedade brasileira.

Tensos foram os últimos anos, sem trégua por parte das disputas de uma hegemonia política por parte das elites dominantes que redundaram em mínima condensação política do estado nacional brasileiro. Entre à chamada “jornadas de junho” de 2013 (a partir de um protesto estudantil sobre tarifas de transportes foi capitaneada pelos setores conservadores e se transformou em uma onda de protestos contra o governo petista de Dilma Rousseff) à pandemia de coronavírus o país promoveu um profundo retrocesso e quase todos os setores. Neste período, o Brasil sofreu um golpe de Estado, elegeu um boçal fascista, destroçou direitos constitucionais fundamentais, empobreceu sistematicamente a classe trabalhadora, colocou na ordem do dia o discurso do ódio e do golpismo, aparelhou ministérios e secretarias do Governo Federal com os mais ineptos representantes, além de lotear tais setores entre militares sem nenhuma experiência de absolutamente nada, ampliou em um terço do montante populacional do número de evangélicos e de agremiações que operam como verdadeiras máfias dentro do aparelhamento sociopolítico.

Agora, em 2020, diante da maior crise sanitária da sua história recente, faz um frouxo isolamento social para conter a contaminação por um vírus letal, com crescente esgotamento dos serviços de saúde públicos e congestiona o serviço funerário com mortos infectados. O número de infectados contabilizados ultrapassará 50 mil nos próximos dias e os mortos passarão dos cinco mil, sem contar os inúmeros de casos omissos diante do desgoverno de Bolsonaro, diante da gestão da crise do coronavírus no país.

As medidas do ministro da Economia, Paulo Guedes, são tão risíveis quanto escandalosamente omissas, perante o vasto número de trabalhados e vulneráveis que padecem à espera de ajuda governamental diante da crise instalada pelas medidas de isolamento social dos Estados brasileiros. Bolsonaro e Guedes não tem nenhuma preocupação com os efeitos nefastos da pandemia e o máximo que fazem é debochar, ou negar a existência da letalidade proporcionada pela crise.



ATO II: Os fanáticos arautos do golpismo

Frente ao descalabro institucional e a força midiática anti-petista, tomou corpo um fenômeno da extrema direita conhecido por “bolsonarismo”. Tal cepa extremista não foi obra original do canastrão deputado histórico do baixo clero da Câmara dos Deputados, elo umbilical das criminosas milícias fluminenses, o aloprado e tosco ex-capitão do exército,Jair Bolsonaro. Todavia, forjou-se um canalizador de elementos dispersos da extrema direita brasileira que enxergaram nele um eco de suas primitivas visões alienadas, perversas e distorcidas de mundo.

Os fiéis bolsonaristas da extrema-direita são constituídos, em sua grande maioria, de militares da ativa e da caserna, milicianos fluminenses, pequenos e médios proprietários, profissionais liberais da classe média, alguns grandes empresários que lucraram nos anos petistas, parcela dos trabalhadores do transporte de carga e serviços urbanos, um rebanho de conservadores fanáticos provenientes da manipulação de pastores evangélicos e alguns falsos desiludidos dos anos petistas.

As ações tresloucadas da metabólica amalgama bolsonarista, como fazer manifestação pública em frente de hospital contra o coronavírus e o isolamento social em plena pandemia, parece indicar que está apoiando, de forma suicida, o seu “mítico” presidente, independentemente do que ele faz ou fala de forma descontrolada e irresponsável. Uma verdadeira horda à serviço da violência insana, da fabricação de mentiras espalhadas em redes sociais e seus serviços nefastos à disposição, para ser usados diante dos caprichos do “mito”.

Desta forma, pode-se entender o atual fenômeno do bolsonarismo como uma espécie de tentativa contrarrevolucionária ultraconservadora e atabalhoada, diante dos progressos sociais constituídos pela Constituição Federal de 1988.



ATO III: Em meio a pandemia, o golpismo em marcha

A Educação, a Ciência e a Cultura vêm sofrendo ataques sistemáticos das alas mais grotescas e débeis da sociedade, paralelamente ao retrocesso político regurgitado pela extrema direita que saiu do armário, entre elas, a ala bolsonarista: quanto maior o nível de jaguncismo presente, maior a ignorância é mobilizada para atacar o conhecimento.

A miséria do pensamento crítico pós-moderno neoliberal se resume a balbuciar "groselhas" sem nexo e alimentar patológicas obsessões narcísicas do ego. Sintoma de um mundo que deriva a esmo, como sólido em um imenso vaso sanitário, parte de uma esquerda pós-moderna e empoderada classe-mediana de bairros considerados “descolados” do eixo Rio-São Paulo que tem, como fetiche, a vocação ao narcisismo, a glamourização da "periferia" e o desprezo pela racionalidade e intelectualidade. O descompromisso deste grupo com a realidade é da mesma proporção que idealizam supostas “revoluções de botequim” com “ar blasé” sobre a miséria dos trabalhadores e desfolhando as aventuras das suas últimas viagens turísticas.

Equivocadamente, a esquerda pós-moderna obcecada pelo histrionismo da identidade adota o mesmo percurso retórico da extrema direita que é a apologia do jaguncismo de beira de estrada (mas pintam-no com uma roupagem “descolada”), o discurso histericamente sensacionalista e a glorificação do anti-intelectualismo.

Acuada desde a queda do Muro de Berlim e a dissolução da ex-União Soviética, a esquerda de orientação marxista e pautada na defesa dos trabalhadores foi engolida por uma esquerda liberal que acredita avidamente na precariedade institucional, na suposta honestidade ordeira da disputa eleitoral e um idílico republicanismo, tal como a Santíssima Trindade. Mais uma vez, o sintoma letárgico deste engessamento de visão de mundo da esquerda liberal é a paralisação, quase por completo, de sua voz diante das atrocidades do governo Bolsonaro.

Da negação do formato do planeta Terra à negação da existência do coronavírus, o Brasil se embrutece, se apequena e se imbeciliza de forma tão avassaladora e suicida que não será nenhuma novidade que parcela significativa da sociedade possa vir a aplaudir de forma suicida, um novo golpe de Estado parido por militares inescrupulosos, tendo um boçal psicopata como títere na figura de presidente-ditador.

O espetáculo do absurdo que rege a moribunda democracia brasileira pode ser ilustrado na patética e emblemática declaração zombeteira de Bolsonaro afirmando que: “A constituição sou eu”! Bolsonaro, a todo o momento, demonstra total desprezo pela democracia, pelos direitos fundamentais constitucionais, desespero do oceano de mais de 13 milhões de desempregados e pelas pilhas de mortos sucumbidos pela COVID-19. Bolsonaro despreza perversamente qualquer forma de vida, a qual ele não reconhece se não for o seu próprio espelho.

Para ser mais surreal, o modo caótico de Bolsonaro desgovernar é simplesmente desprezar até mesmo seus colaboradores mais próximos e ministros tal é a “fritura pública” que ele gosta de promover, sendo o caso mais notório dos últimos dias foi a novela da demissão do ex-ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta. Mal Mandetta foi demitido e trocado por um poste funerário servil a Bolsonaro, agora, a “bola da vez” está sendo o ex-todo-poderoso chefe da Lava Jato que foi pivô da derrubada de Dilma, prisão de Lula, manipulou as eleições para dar chances reais de vitória de Bolsonaro e ganhou dele um ministério inteiro, o da Justiça, o ex-juiz Sérgio Moro. Os rumores é que Moro teria pedido demissão do cargo, mas é certo que ele permanecerá até ser fritado à exaustão, tal como ocorreu com Mandetta.  

No meio do circo político comando por Bolsonaro, até mesmo o “Posto Ipiranga” de Bolsonaro, Paulo Guedes está começado a ser exposto na máquina no triturador do desorientado ocupante do Planalto. O bolsonarismo é a versão do jaguncismo tosco, violento e medíocre na política, ou seja, um eterno curto-circuito no sanatório. Em todos os casos, a mediação passa necessariamente pela ala militar que, de fato, assumiu a sustentação política interna do governo Bolsonaro. É importante ressaltar, que a total incompetência de inepto Bolsonaro para indicar quadros políticos permitiu a ele delegar as funções de gestão pública do poder nas mãos dos militares que possuem atualmente uma força institucional tão grande quanto os tempos nefastos da retrógrada ditadura militar (1964-1985). Nenhum pesadelo consegue ser tão temível quanto a realidade política brasileira!

De qualquer modo, as sementes do retrocesso já foram lançadas desde o golpe de 2016 e se enraíza cada vez mais tragicamente no cenário político brasileiro. Alienação e ignorância matam mais do que qualquer vírus em uma pandemia. A miséria humana, social e política impõem ao país um retrocesso cada vez mais abissal e que encaminha para um aprofundamento de uma crise civilizatória histórica. Se nada for feito para impedir que o jaguncismo fascista, sob a projeção do fanatismo bolsonarista, possa dominar, de fato, a vida política nacional e que leve adiante o projeto genocida de destruição social, certamente ocorrerá uma tragédia sem precedentes e desfiguração daquilo que conhecemos como Estado brasileiro.

Definitivamente, se o Brasil deseja conter um genocídio em curso, é preciso afastar não apenas o vírus, mas a figura mais maléfica do país atualmente que é seu zombeteiro-mor da presidência. Não é mais possível nenhuma sustentação do governo Bolsonaro em seguir a frente no esfacelamento da sociedade brasileira. Bolsonaro é o maior dos problemas a ser enfrentado pelos brasileiros, por sinal, muito mais letal do que qualquer crise pandêmica.



Wellington Fontes Menezes é doutorando no Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (PPGSD/UFF)



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