domingo, 7 de fevereiro de 2021

NARCISO NO BERÇÁRIO

 


Quando a infantilização não tem idade, a projeção narcísica se torna o sacrossanto altar a ser ostentado.

A Pós-modernidade embriagada pelos valores do capital se constituiu em um retrocesso da razão e uma construção mítica da negação da maturidade do sujeito.

A adolescentização da vida, tal como numa propaganda de refrigerante, se forjou como uma resposta inconsciente ao medo e a insegurança diante de um mundo em decomposição das grandes certezas e forjado pela necessidade narcísica da aparência dos sujeitos.

Nesta lógica do imediatismo mágico, não basta parecer "sempre jovem", tem que montar o corpo como se fosse a idealização de uma idílica "juventude rebelde". Na prática, a projeção narcísica não passa do desejo de ser notado, reconhecido e validado pelo Outro.

Longe de ter alguma materialidade, as identitadades pós-modernas se constituíram na argamassa da subjetividade alimentada pela projeção narcísica do sujeito e de acordo com a modulação de seus voláteis desejos.

Importante salientar os valores ideológicos do capital tanto no linguajar mimetizado pelos sujeitos "pós-modernos", quanto na sua (inútil) tentativa de ser individualizar diante do oceano plasmado da unilateralidade do neoliberalismo.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

A ARAPUCA DO TERRAPLANISMO IDENTITÁRIO: QUEM LUCRA COM A CELEUMA DO SEXO DOS ANJOS?

 

Nada provoca mais polêmica gratuita do que mexer com a intimidade alheia. Assim como os mexericos sempre são campeões de audiência, a Pós-modernidade deu um lustro blasé na fofoca, com ares de intelectualidade, para vigorosos e flácidos debates nos cafés, happy hours e alguns tediosos seminários acadêmicos. A invocação do sexo dos anjos se tornou um fetiche em grande parte da intelectualidade acadêmica das humanidades, embriagada pelo canto da sereia da representatividade, diante do altar performático da santíssima trindade das identidades: sexo, gênero e raça.

O mundo pós-moderno, movido pelas engrenagens do capital, conseguiu o seu maior feito: a promoção da passividade social magnetizada pela crença irracional e narcisista, na metafísica do neoliberalismo. Nesta maravilhosa esteira do capital, no “moinho satânico” apontado por Karl Polanyi, sem uma mínima regulação estatal, tudo se torna mercadoria e tudo tem um preço (para quem pode pagar, é claro!).

No deserto que movimenta o cotidiano de sociedades fadadas a viverem de forma automatizada, a vida líquida, apregoada por Zygmunt Bauman, é nada além do que a ideologia do capital impregnada das mais articuladas formas, desde as concepções políticas, passando pela frágil arquitetura econômica e aterrissando até mesmo no meio das fantasias de alcova dos indivíduos.

Na lógica da atomização social, o sujeito se torna indivíduo ao perder sua subjetividade e se transforma em mero motor de alienações consumistas e da ignorância sistêmica. Adicionado a este motor, temos a embreagem do narcisismo. Quanto mais o sujeito tenta parecer "exótico", em um falso processo de individualidade, mais ele se torna uma caricatura do modelo neoliberal de sujeitos: desvalidos de conteúdos, embriagados de uma vida imediatista e esvaziada.

O interesse pela sexualidade é tão remoto, quanto os labirintos da curiosidade humana sobre si e sobre o mundo. Todavia, alguns pós-modernos querem “descobrir” a sexualidade, como se tudo fosse alguma novidade parida a partir do século XXI, ignorando o passado e projetando um véu de ineditismo que não condiz com a realidade. Seriam muitos destes ativistas que buscam se autopromoverem com pretensos mecanismos sexistas, tão inovadores como dizem, ou apenas marqueteiros a propagaram sensos comuns em vídeos, com odores de charlatanismo do Youtube?

As redes sociais permitem que muitos oportunistas ajam como “doutos” de conhecimento e se posam como “professores” do senso comum, ministrando “aulas” sobre tudo, com conteúdos dos quais nada dominam. O que se pode afirmar é que a dimensão da compulsão da sexualidade na Pós-modernidade se tornou um grande mercado de fetichismos, na busca frenética (e inútil) de preenchimento das crateras existenciais. Neste campo de alta lucratividade, há diversas formas de exploração pelo capital, para instigar fantasias e desejos de ávidos consumidores sedentos de algum “movimento na vida”. Logo, é um velho lugar-comum falar sobre qualquer coisa a respeito de sexualidade e, assim, conquistar consumidores. Ao deslumbrar incomensuráveis lucros, os vendedores de ilusões sabem que, quanto maior é a polêmica, maior é encorajado o desejo de mexerico do consumidor e, posteriormente, de inúmeras possibilidades de aquisição de bens ou serviços.

Em um mundo adoecido por uma pandemia de um vírus que provoca uma doença mortal, a COVID-19, e de um capitalismo mais mortífero ainda, o debate público se plasmou em um reino do infrutífero besteirol. Tudo para não fazer um único risco no espelho monopolístico do capital que hegemoniza a colonização da ideologia dominante, desde a queda do Muro de Berlim. Não é a toa que os novos eugenistas raciais, os tais "antirracistas" utilizam o piegas estratagema do alucinógeno "privilégio branco", dentro na nova quimera neoliberal que prega uma panaceia de explicação do mundo, o “racismo estrutural”: todos os brancos “geneticamente” seriam privilegiados e malvados e todos os negros seriam pobres criaturas ingênuas, dóceis e passíveis de serem vitimas de todos os infortúnios em suas vidas. Nesta profundidade da dimensão de um pires que comporta uma xícara de alucinógeno, não haveria espaço para luta de classes, mas sim uma imortalizada luta entre a eterna vítima negra e o garanhão branco doutrinador! Todavia, uma pergunta se porta no ar para os tais ativistas identitários de alma mater negra: em sociedades cuja presença negra seja ínfima ou nula, como explicar as diferenças sociais?

Derivado deste rocambole de retóricas flácidas, regado com muita imaginação, surge os tais “estudos da branquitude” no Brasil, como se fôssemos uma nação fundada por arianos que, por si só, conduziram sua genética de malefícios, ao longo dos séculos, no território tupiniquim. O espetáculo das caricaturas generalistas cria um teatro da vitimização que confunde o espectador e empobrece o debate público. Nesta esteira, os estudos acadêmicos também se tornam cada vez mais contaminados, com este rol de bobagens do senso comum, turbinado com grande overdose de imaginação preconceituosa e que não condiz com a realidade construída, em mais de quinhentos longos anos, de história das desigualdades brasileiras.

De antemão é bom que fique bem claro: não se nega a questão racial impregnada na sociedade brasileira, mas não será com pseudoteorias fantasiosas, incrementadas pelo capital que serão superadas chagas históricas. Nada disso seria apenas fumaça alucinógena gratuita, se não tivesse propósitos bem claros. Diante desta exibição minúscula de imaginação intelectual, as gritantes e assassinas diferenças sociais não mais seriam devidas ao acirramento da luta de classes, cujo poder coercivamente hegemônico está nas mãos das burguesias, mas tudo seria explicado por uma palavra mágica: o "preconceito". Ao buscar uma narrativa fantástica do irrealismo terraplanista para as desigualdades sociais, as explicações neoliberais do identitarismo visam atacar conceitos consagrados do marxismo e da luta de classes, preservando o capital e culpabilizando a percepção de cada indivíduo, perante uma suposta percepção de realidade calcada na aparência subjetiva.

A chamada “guerra de narrativas” é um nome pomposo para designar um perverso e caricatural revisionismo sócio historiográfico que busca difundir conceitos irreais e do senso comum, em substituição aos elementos consagrados em décadas de estudos e pesquisas acadêmicas e, pior ainda, “cancelar” todos que não se ajoelharem ao fanatismo das identidades e suas alucinações dos contos da Carochinha. Nesta matriz do ilusionismo fantástico dos terraplanistas identitários, o mundo seria então bipolar na narrativa pós-moderna das identidades: negros e racistas, homossexuais e homofóbicos, mulheres e machistas do patriarcado. Enfim, o terraplanismo identitário, cuja matriz é o universo umbilical da cultura de superfície, se resume em uma míope visão de berçário de um mundo de sujeitos: o “descolado” e o preconceituoso.

A simplória visão maniqueísta de mundo da bricolagem identitária se torna tão insana, anti-intelectual e fanatizada que apenas retroalimentam os mesmos fanáticos da extrema direita de quem, supostamente, seriam adversários. Lembrar que os estratagemas dos dois grupos, identitários e extrema direita, são tão parecidos que não seria exagero dizer que acabam se tornando, taticamente, irmãos siameses. Ao esvaziar a visão materialista histórica e dialética do mundo, ao abandonar a racionalidade, a razão e a percepção intelectual, as estruturas neoliberais da pós-modernidade reduzem o pensamento crítico a caricaturas de infantário de mundo.

Os arautos pós-modernos recorrem às ambivalências panfletárias, cujos motes são ampliar polêmicas, desenraizar um irracionalismo prejudicial ao desenvolvimento social, cultuar o anti-intelectualismo e, ao mesmo tempo, posam de “influenciadores” e, o principal, expurgam toda a culpa do capital por seu sistemático genocídio seletivo sobre a Terra. Nesta lógica, ao pulverizar a "culpa individual", o objetivo, no qual as grandes narrativas perdem sua força e o indivíduo se torna o centro do universo, em detrimento dos projetos coletivos que caducam por completo, visa o destino-manifesto do mercado reinando absoluto na terra plana neoliberal, dando vazão ao ego narcisista do eu-empreendedor-de-si-mesmo.

Quem fomenta tanta paranoia obsessiva narcisista? Quem lucra, sem cessar, bilhões em plena pandemia, onde milhões de vidas estão sendo devastadas? A quem interessa o debate do sexo dos anjos? Quem patrocina a estupidez dos fetiches periféricos e as histerias narcísicas? São os mesmos articuladores que sabem muito bem que, quanto maior o nível da imbecilização social, ou seja, da alienação das mais perversas possíveis, maior será o voluntarismo serviçal dos sujeitos, em nome dos senhores do capital.

Não há ilusões sobre esta imbricada e selvagem “guerra cultural”, imposta pelo capital e engendrada nos alicerces do que se poderia chamar “soft power”, empregando narrativas, ora subliminares, ora explícitas. O terraplanismo ideológico é uma ode à imbecilização coletiva, ou seja, uma apologia ao fetichismo pós-moderno e à ignorância que ceifa milhares de vidas diariamente. Nada mais curioso e sintomático do que a propulsão que tais ativistas do identitarismo dão ao empreendedorismo neoliberal, como se fosse tábua de salvação social: o fetiche de o sujeito virar “patrão” ou “patroa”, dentro de um Estado cuja interferência na economia fosse mínima. Até onde mesmo o identitarismo é tão “inovador” assim? Com o enfraquecimento das esquerdas de matriz marxista ou socialista, quem se interessaria em patrocinar tão avidamente, tantos grupos identitários, forjados dentro da própria esquerda que pulveriza o pensamento neoliberal, nos mais inacessíveis guetos sociais?

O negacionismo e o revisionismo, propalados por “narrativas” da extrema, direita são também utilizados como estratagema pelos ativistas identitários. Distorcer os fatos, corromper a verdade e difundir uma “nova verdade” que seja baseada nos interesses de grupos extremistas que, muitas vezes, acredita em um mundo refém de alucinógenas teorias conspiratórias de acordo com a freguesia: ora a culpa é do “globalismo”, ora a culpa é do “privilégio branco”. Um exemplo desta irracionalidade ativista é o movimento para derrubar estátuas em praça pública que, supostamente, não seriam “politicamente corretas”. Com a retórica da vulgata autoritária, se algo está fora das querelas da moral identitária, logo deverá ser derrubado em nome dos novos “bons costumes”. A irracionalidade e a contradição são elementos intrínsecos de movimentos cuja mobilização parte da suposta hegemonia de interesses narcíseos, tal como a extrema direita e o identitarismo neoliberal com pretensos “ares de vanguarda”.   

Ao mesmo tempo em que o terraplanismo ideológico distorce uma visão de mundo mais humanitária, ele contribui para incrementar a ideologia do capital, por sinal, cada vez mais forte, hegemônica e irrefreável. Quase todas as formas de crítica, colocadas no balcão do debate público, não deslumbram o destronamento ou, sequer, o questionamento do capital, mas sim fantasiam formas mais ou menos exóticas para incrementá-lo, nas diferentes sociabilidades e quadros econômicos. A pandemia que causou a maior crise sanitária de todos os tempos, apenas deixou escancarado um mundo cada vez mais desequilibrado economicamente, desguarnecido de alternativas, com a falência sintomática da crítica social e com populações inteiras ajoelhadas e subjugadas pelo martírio do capital à espera do tilintar da própria sorte.

TAGARELAS DA LACRAÇÃO: QUEM AGÜENTA TANTO INÚTIL FALATÓRIO NARCISISTA?

A mediocridade, arrogância e a fanfarronice são as marcas do excremento cultural que vegeta os últimos anos no Brasil. A literatura brasil...